quinta-feira, 16 de maio de 2024

Catequeses do Papa João Paulo II sobre o Creio: Jesus Cristo 44

Confira as Catequeses nn. 68-69 do Papa São João Paulo II sobre Jesus Cristo, as quais dão continuidade à reflexão sobre o valor da sua Morte.

Para acessar a postagem que serve de Introdução a esta série, com os links para todas as Catequeses, clique aqui.

Catequeses do Papa João Paulo II sobre o Creio
CREIO EM JESUS CRISTO

68. Valor do sofrimento e da morte de Cristo
João Paulo II - 19 de outubro de 1988

1. Os dados bíblicos e históricos sobre a morte de Cristo, que resumimos nas Catequeses anteriores, foram objeto de reflexão na Igreja de todos os tempos, dos primeiros Padres e Doutores e dos Concílios Ecumênicos aos grandes teólogos das diversas escolas que se formaram e sucederam ao longo dos séculos até hoje.

O objeto principal do estudo e da pesquisa foi e é o valor da Paixão e Morte de Jesus em ordem à nossa salvação. Os resultados obtidos sobre este ponto, além de nos fazer conhecer melhor o mistério da redenção, serviram para lançar uma nova luz também sobre o mistério do sofrimento humano, do qual se puderam descobrir dimensões impensáveis de grandeza, de finalidade, de fecundidade, já desde que foi possível sua comparação e, mais ainda, sua vinculação com a Cruz de Cristo.

Ecce Homo (Juan de Juanes)

2. Elevemos os olhos antes de tudo Àquele que pende da Cruz e perguntemo-nos: quem é este que sofre? É o Filho de Deus: verdadeiro homem, mas também verdadeiro Deus, como sabemos pelos Símbolos da fé. Por exemplo, o Símbolo de Niceia o proclama “Deus verdadeiro de Deus verdadeiro... que por nós, homens, e para nossa salvação, desceu dos céus: e se encarnou... e padeceu” (Denzinger, n. 125). O Concílio de Éfeso, por sua vez, precisa que “o Verbo de Deus sofreu na carne” (ibid., n. 263).

Dei Verbum passum carne”: é uma síntese admirável do grande mistério do Verbo Encarnado, Jesus Cristo, cujos sofrimentos humanos pertencem à natureza humana, mas devem ser atribuídos, como todas as suas ações, à pessoa divina. Em Cristo, portanto, temos um Deus que sofre!

3. É uma verdade desconcertante. Já Tertuliano perguntava a Marcião: “Seria talvez tão tolo crer em um Deus que nasceu precisamente de uma Virgem, precisamente carnal e que passou pela humilhação da natureza?  (...) Ao contrário, diga que é sabedoria um Deus crucificado” (Tertuliano, De carne Christi, 4,6-5,1).

A teologia precisou que aquilo que não podemos atribuir a Deus como Deus, senão por uma metáfora antropomórfica, como quando falamos dos seus sofrimentos, das suas aflições, Deus o realizado em seu Filho, o Verbo, que assumiu a natureza humana em Cristo. E se Cristo é Deus que sofre na natureza humana, como homem verdadeiro nascido de Maria Virgem e submetido às vicissitudes e às dores de todo filho de mulher, sendo Ele, como Verbo, uma pessoa divina, dá um valor infinito ao seu sofrimento e à sua morte, que entra assim no âmbito misterioso da realidade humano-divina e toca, sem danificá-la, a glória e a felicidade infinita da Trindade.

Deus, em sua essência, permanece sem dúvida acima do horizonte do sofrimento humano-divino: mas a Paixão e a Morte de Cristo penetram, resgatam e enobrecem todo o sofrimento humano, já que Ele, encarnando-se, quis ser solidário com a humanidade, a qual, pouco a pouco, se abre à comunhão com Ele na fé e no amor.

4. O Filho de Deus, que assumiu o sofrimento humano, é, pois, um modelo divino para todos os que sofrem, especialmente para os cristãos que conhecem e aceitam na fé o significado e o valor da Cruz. O Verbo Encarnado sofreu segundo o desígnio do Pai também para que pudéssemos “seguir seus passos”, como recomenda São Pedro (1Pd 2,21; cf. Tomás de Aquino, Suma Teológica, II, q. 46, a. 3). Sofreu e nos ensinou a sofrer.

5. O que mais se destaca na Paixão e Morte de Cristo é sua perfeita conformidade à vontade do Pai, com aquela obediência que sempre foi considerada como a disposição mais característica e essencial do sacrifício.

São Paulo diz de Cristo que se fez “obediente até a morte - e morte de cruz” (Fl 2,8), alcançando assim o máximo desenvolvimento da “kenosis” incluída na Encarnação do Filho de Deus, em contraste com a desobediência de Adão, que quis “roubar” a igualdade com Deus (cf. Fl 2,6).

O “novo Adão” realizou assim uma reviravolta da condição humana (uma “recirculatio”, como diz Santo Irineu): Ele, “existindo em forma divina, não considerou um privilégio ser igual a Deus, mas esvaziou-se” (Fl 2,6-7). A Carta aos Hebreus retoma o mesmo conceito: “Mesmo sendo Filho, aprendeu o que significa a obediência por aquilo que Ele sofreu” (Hb 5,8). É Ele mesmo que, na vida e na morte, segundo os Evangelhos, ofereceu-se ao Pai na plenitude da obediência: “Não seja o que Eu quero, mas o que Tu queres” (Mc 14,36); “Pai, em tuas mãos entrego o meu espírito” (Lc 23,46). São Paulo sintetiza todo isso quando diz que o Filho de Deus feito homem “humilhou-se, fazendo-se obediente até a morte - e morte de cruz” (Fl 2,8).

6. No Getsêmani vemos quanto essa obediência foi dolorosa: “Abbá, Pai! Tudo te é possível. Afasta de mim este cálice! Contudo, não seja o que Eu quero, mas o que Tu queres” (Mc 14,36). Nesse momento se produz em Cristo uma agonia da alma, muito mais dolorosa que a corporal (cf. Suma Teológica, III, q. 46, a. 6), pelo conflito interior entre as “razões supremas” da Paixão, fixada no desígnio de Deus, e a percepção que Jesus tem, na finíssima sensibilidade de sua alma, da enorme maldade do pecado, que parece recair sobre Ele, quase “feito pecado” (ou seja, vítima do pecado), como diz São Paulo (cf. 2Cor 5,21), para que o pecado universal fosse expiado n’Ele. Assim, Jesus chega à morte como o ato supremo de obediência: “Pai, em tuas mãos entrego o meu espírito” (Lc 23,46) - o espírito, isto é, o princípio da sua vida humana.

Sofrimento e morte são a manifestação definitiva da total obediência do Filho ao Pai. A homenagem e o sacrifício da obediência do Verbo Encarnado são uma admirável realização da disponibilidade filial, que brota do mistério da Encarnação e de certa forma penetra no mistério da Trindade! Com a homenagem perfeita da sua obediência, Jesus Cristo obtém uma perfeita vitória sobre a desobediência de Adão e sobre todas as rebeliões que possam nascer nos corações humanos, especialmente por causa do sofrimento e da morte, de modo que também aqui se pode dizer que “onde abundou o pecado, superabundou a graça” (Rm 5,20). Jesus, com efeito, reparou a desobediência que sempre está incluída no pecado humano, satisfazendo em nosso lugar as exigências da justiça divina.

7. Em toda essa obra salvífica, consumada na Paixão e na Morte na cruz, Jesus levou ao extremo a manifestação do amor divino pelos homens, que está na origem tanto da sua oblação como do desígnio do Pai.

“Desprezado como o último dos homens, homem das dores, experimentado no sofrimento” (Is 53,3), Jesus demonstrou toda a verdade contida naquelas suas palavras proféticas: “Ninguém tem maior amor do que aquele de dá a própria vida por seus amigos” (Jo 15,13). Tornando-se “homem das dores”, Ele estabeleceu uma nova solidariedade de Deus com os sofrimentos humanos. Filho eterno do Pai, em comunhão com Ele em sua glória eterna, ao fazer-se homem se resguardou de reivindicar privilégios de glória terrena ou de isenção da dor, mas tomou o caminho da cruz e escolhe como seus os sofrimentos, não só físicos, mas também morais, que o acompanharam até a morte: tudo por amor a nós, para dar aos homens a prova decisiva do seu amor, para reparar o seu pecado e reconduzi-los da dispersão à unidade (cf. Jo 11,52). Tudo, porque no amor de Cristo se refletia o amor de Deus pela humanidade.

Assim, Santo Tomás de Aquino pode afirmar que a primeira razão de conveniência que explica a libertação humana mediante a Paixão e Morte de Cristo é que “desta forma o homem conhece quanto Deus o ama, e, por sua vez, é incentivado a amá-lo: e em tal amor está a perfeição da salvação humana” (Suma Teológica, III, q. 46, a. 3). E aqui o Santo Doutor cita o Apóstolo Paulo, que escreve: “A prova de que Deus nos ama é que Cristo morreu por nós, quando ainda éramos pecadores” (Rm 5,8).

8. Diante desse mistério, podemos dizer que sem o sofrimento e a morte de Cristo, o amor de Deus pelos homens não teria se manifestado em toda a sua profundidade e grandeza. E, por outro lado, o sofrimento e a morte se converteram, com Cristo, um convite, um estímulo, uma vocação a um amor mais generoso, como ocorreu com tantos santos que justamente podem ser chamados os “heróis da Cruz” e, como acontece sempre com tantas criaturas, conhecidas e ignoradas, que sabem santificar a dor refletindo em si mesmas o rosto chagado de Cristo, associando-se assim à sua oblação redentora.

9. Resta acrescentar que, na sua humanidade unida à divindade e tornada capaz, em virtude da abundância da caridade e da obediência, de reconciliar o homem com Deus (cf. 2Cor 5,19), Cristo é estabelecido como único Mediador entre a humanidade e Deus, em um nível muito superior ao que ocupam os santos do Antigo e do Novo Testamento, e a própria Virgem Maria, quando se fala da sua mediação ou se invoca sua intercessão.

Estamos, pois, diante do nosso Redentor, Jesus Cristo, crucificado, morto por nós por amor e que por isso se tornou o autor da nossa salvação.
Santa Catarina de Siena, com uma de suas imagens tão vivas e expressivas, o compara a “uma ponte sobre o mundo”. Sim, Ele é verdadeiramente a Ponte e o Mediador, porque através d’Ele vem aos homens todo dom do céu e sobem a Deus todas as nossas aspirações e invocações de salvação (cf. Suma Teológica, III, q. 26, a. 2). Unamo-nos com Catarina e com tantos outros “santos da Cruz” a este nosso dulcíssimo e misericordiosíssimo Redentor, que a mesma Santa de Siena chamava Cristo-Amor. No seu Coração transpassado está a nossa esperança, a nossa paz.

69. Valor substitutivo e representativo do sacrifício de Cristo
João Paulo II - 26 de outubro de 1988

1. Retomemos alguns conceitos que a tradição dos Padres colheu das fontes bíblicas na tentativa de explicar as “riquezas insondáveis” (Ef 3,8) da redenção. Já aludimos a eles nas últimas Catequeses, mas merecem ser ilustrados de modo mais detalhado, dada sua importância teológica e espiritual.

2. Quando Jesus diz: “O Filho do homem não veio para ser servido, mas para servir e dar sua vida em resgate por muitos” (Mc 10,45), resume nestas palavras o objetivo essencial da sua missão messiânica: “dar sua vida em resgate”. É uma missão redentora. E o é para toda a humanidade, porque dizer “em resgate por muitos”, segundo o modo semítico de expressar os pensamentos, não exclui ninguém. A missão do Messias já havia sido vista à luz desse valor redentor no Livro do Profeta Isaías, particularmente nos “cânticos do Servo de Yahweh”: “Ele assumiu as nossas fraquezas, e as nossas dores, ele as suportou. E nós achávamos que ele era um castigado, alguém ferido por Deus e humilhado. Mas ele foi ferido por causa de nossas iniquidades, esmagado por causa de nossos crimes. O castigo da nossa paz caiu sobre ele, por suas chagas fomos curados” (Is 53,4-5).

3. Essas palavras proféticas nos permitem compreender melhor o que Jesus quer dizer quando fala do Filho do homem que veio para “dar sua vida em resgate por muitos”. Ele quer dizer que deu a sua vida “em nome” e “em substituição” de toda a humanidade, para libertar todos do pecado. Esta “substituição” exclui qualquer participação no pecado por parte do Redentor. Ele foi absolutamente inocente e santo. “Tu solus sanctus!”. Dizer que uma pessoa sofreu um castigo “no lugar” de outra implica evidentemente que essa não cometeu a culpa. Na sua substituição redentora (“substitutio”), Cristo, precisamente por sua inocência e santidade, equivale certamente a todos”, como escreve São Cirilo de Alexandria (In Isaiam 5, 1; PG 70, 1176; In Epistolam II ad Corinthios 5, 21: PG 74, 945). Precisamente porque “não cometeu pecado” (1Pd 2,22), Ele pode tomar sobre si o que é efeito do pecado, isto é, o sofrimento e a morte, dando ao sacrifício da própria vida um valor real e um perfeito significado redentor.

4. O que confere à substituição seu valor redentor não é o fato material de que um inocente tenha sofrido o castigo merecido pelos culpados e que assim a justiça tenha sido de algum modo satisfeita (na realidade, neste caso se deveria falar antes de grave injustiça). O valor redentor, ao contrário, vem do fato de que Jesus, sendo inocente, se fez solidário com os culpados por puro amor, e assim transformou desde dentro sua situação. Com efeito, quando uma situação catastrófica como a provocada pelo pecado é assumida em favor dos pecadores por puro amor, então esta situação não está mais sob o sinal da oposição a Deus, mas, ao contrário, sob o da docilidade ao amor que vem de Deus (cf. Gl 1,4) e se torna, assim, em fonte de bênção (Gl 3,13-14).

Cristo, oferecendo-se “em resgate por muitos”, realizou até o fim sua solidariedade com o homem, com cada homem, com cada pecador. O Apóstolo o manifesta quando escreve: “O amor de Cristo nos impele e isso consideramos: um só morreu por todos e, portanto, todos morreram” (2Cor 5,14). Cristo, portanto, tornou-se solidário com todo homem na morte, que é um efeito do pecado. Mas esta solidariedade de forma alguma era n’Ele efeito do pecado; era, ao contrário, um ato gratuito de puríssimo amor. O amor “impeliu” Cristo a “dar a vida”, aceitando a morte na cruz. Sua solidariedade com o homem na morte consiste, pois, não só no fato de que Ele morreu como morre o homem - como morre cada homem -, mas que morreu por cada homem. Desta forma, essa “substituição” significa a “superabundância” do amor, que permite superar todas as “carências” ou insuficiências do amor humano, todas as negações e contrariedades ligadas ao pecado do homem em toda as dimensões, interiores e históricas, nas quais este pecado afetou a relação do homem com Deus.

5. No entanto, neste ponto ultrapassamos a medida puramente humana do resgate” que Cristo ofereceu “por todos”. Nenhum homem, mesmo o mais santo, poderia tomar sobre si os pecados de todos os homens e oferecer-se em sacrifício “por todos”. Só Jesus Cristo era capaz, porque, embora sendo verdadeiro homem, era Deus-Filho, consubstancial ao Pai. O sacrifício da sua vida humana teve por isso um valor infinito. A subsistência em Cristo da pessoa divina do Filho, a qual supera e ao mesmo tempo abraça todas as pessoas humanas, torna possível o seu sacrifício redentor “por todos”. “Jesus Cristo valia por todos nós”, escreve São Cirilo de Alexandria (cf. In Isaiam 5, 1; PG 70, 1176). A transcendência divina da pessoa de Cristo faz com que Ele possa “representar” todos os homens diante do Pai. Neste sentido se explica o caráter “substitutivo” da redenção realizada por Cristo: em nome de todos e por todos. “Sua sanctissima passione in ligno crucis nobis iustificationem meruit” (“Mereceu-nos a justificação por sua santíssima Paixão sobre o lenho da cruz”), ensina o Concílio de Trento (Decreto sobre a justificação, cap. 7; Denzinger, n. 1529), destacando o valor meritório do sacrifício de Cristo.

6. É preciso notar aqui que esse mérito é universal, isto é, válido para todos e para cada um dos homens, porque está baseado em uma representatividade universal, enfatizada pelos textos que vimos sobre a substituição de Cristo por todos os demais homens no sacrifício. Aquele que “equivale a todos nós”, como disse São Cirilo de Alexandria, podia por si só sofrer por todos. Tudo isso está incluído no desígnio salvífico de Deus e na vocação messiânica de Cristo.

7. Trata-se de uma verdade de fé, fundamentada em claras e inequívocas palavras de Jesus, repetidas por Ele inclusive no momento da instituição da Eucaristia. São Paulo as transmite em um texto que é considerado o mais antigo sobre esse ponto: “Isto é o meu corpo entregue por vós... Este cálice é a nova aliança no meu sangue...” (1Cor 11,23-25). Com este texto concordam os Evangelhos Sinóticos, que falam do corpo que “é dado” e do sangue que será “derramado... em remissão dos pecados” (cf. Mc 14,22-24; Mt 26,26-28, Lc 22,19-20).

Também na oração sacerdotal da Última Ceia, Jesus diz: “Eu me santifico por eles, a fim de que também eles sejam santificados na verdade” (Jo 17,19). O eco e de certo modo o esclarecimento do significado dessas palavras de Jesus se encontra na Primeira Carta de São João: “Ele é a oferenda de expiação pelos nossos pecados, e não só pelos nossos, mas também pelos pecados do mundo inteiro” (1Jo 2,2). Como podemos ver, São João nos oferece a interpretação autêntica dos outros textos sobre o valor substitutivo do sacrifício de Cristo no sentido da universalidade da redenção.

8. Esta verdade da nossa fé não exclui, antes, exige a participação do homem, de cada homem, no sacrifício de Cristo, a colaboração com o Redentor. Se, como dissemos anteriormente, nenhum homem podia realizar a redenção, oferecendo um sacrifício substitutivo “pelos pecados do mundo inteiro” (1Jo 2,2), também é verdade que cada um é chamado a participar do sacrifício de Cristo, a colaborar na obra da redenção que Ele realizou. O Apóstolo Paulo o diz explicitamente quando escreve aos colossenses: “Alegro-me nos sofrimentos que tenho suportado por vós e completo na minha carne o que falta às tribulações de Cristo, em favor do seu Corpo, que é a Igreja” (Cl 1,24). O mesmo Apóstolo escreve ainda: “Com Cristo, eu fui pregado na cruz” (Gl 2,19). Essas afirmações não partem só de uma experiência e de uma interpretação pessoal de Paulo, mas expressam a verdade sobre o homem, redimido sem dúvida ao preço da Cruz de Cristo, e ao mesmo tempo chamado a “completar na própria carne” o que “falta” aos sofrimentos de Cristo pela redenção do mundo. Tudo isso se situa na lógica da aliança entre Deus e o homem e supõe, neste último, a fé como via fundamental da sua participação na salvação que deriva do sacrifício de Jesus sobre a Cruz.

9. O próprio Cristo chamou e chama constantemente seus discípulos a esta participação: “Se alguém quer vir após mim, negue-se a si mesmo, tome a sua cruz e siga-me” (Mc 8,34). Mais de uma vez Ele fala também das perseguições que esperam seus discípulos: “O servo não é maior que seu senhor. Se me perseguiram, perseguirão também a vós” (Jo 15,20); “Vós chorareis e vos lamentareis, mas o mundo se alegrará. Vós ficareis tristes, mas a vossa tristeza se transformará em alegria” (Jo 16,20). Esses e outros textos do Novo Testamento fundamentaram justamente a tradição teológica, espiritual e ascética que desde os tempos mais antigos defendeu a necessidade e mostrou os caminhos do seguimento de Cristo na Paixão, não só como imitação das suas virtudes, mas também como cooperação na redenção universal pela participação no seu sacrifício.

10. Eis aqui um dos pontos de referência da específica espiritualidade cristã que somos chamados a reativar em nossa vida em virtude do próprio Batismo que, segundo São Paulo, realiza sacramentalmente nossa morte e sepultura, submergindo-nos no sacrifício salvífico de Cristo (cf. Rm 6,3-4): se Cristo redimiu a humanidade aceitando a cruz e a morte “por todos”, esta solidariedade de Cristo com cada homem contém em si o chamado à cooperação solidária com Ele na obra da redenção. Tal é a eloquência do Evangelho. Tal é, sobretudo, a eloquência da cruz. Tal é a importância do Batismo que, como veremos a seu tempo, já realiza em si a participação do homem, de cada homem, na obra salvífica, na qual está associado a Cristo por uma mesma vocação divina.

Cristo como “Homem das Dores”
(Andrea Mantegna)

Tradução nossa a partir do texto italiano divulgado no site da Santa Sé (19 de outubro e 26 de outubro de 1988).

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