quinta-feira, 30 de maio de 2024

Catequeses do Papa João Paulo II sobre o Creio: Jesus Cristo 46

Dentro da seção sobre o sacrifício de Cristo em suas Catequeses sobre Jesus Cristo, o Papa São João Paulo II dedicou algumas reflexões sobre suas últimas palavras na Cruz (nn. 71-74), a primeira das quais reproduzimos a seguir.

Para acessar a postagem que serve de Introdução a esta série, com os links para todas as Catequeses, clique aqui.

Catequeses do Papa João Paulo II sobre o Creio
CREIO EM JESUS CRISTO

IV. O sacrifício de Jesus Cristo
B. As últimas palavras de Cristo na Cruz

71. “Pai, perdoa-lhes...”
João Paulo II - 16 de novembro de 1988

1. Tudo o que Jesus fez e ensinou durante sua vida mortal atinge o ápice da verdade e da santidade na Cruz. As palavras que Jesus ali pronunciou constituem sua mensagem suprema e definitiva e, ao mesmo tempo, a confirmação de uma vida santa, concluída com o dom total de si mesmo, em obediência ao Pai, para a salvação do mundo. Essas palavras, recolhidas por sua Mãe e pelos discípulos presentes no Calvário, foram transmitidas às primeiras comunidades cristãs e a todas as gerações futuras para que iluminassem o significado da obra redentora de Jesus e inspirassem seus seguidores durante sua vida e no momento da morte. Meditemos também nós essas palavras, como fizeram tantos cristãos, em todos os tempos.

O Crucificado concede o perdão ao ladrão arrependido (Tiziano)

2. A primeira descoberta que fazemos ao relê-las é que contêm uma mensagem de perdão. “Pai, perdoa-lhes! Eles não sabem o que fazem!” (Lc 23,34): segundo a narração de Lucas, esta é a primeira palavra pronunciada por Jesus na cruz. Perguntemo-nos imediatamente: não é esta a palavra que necessitávamos ouvir ser pronunciada sobre nós?

Mas naquelas condições, depois daqueles acontecimentos, diante daqueles homens culpados por terem pedido sua condenação e se enfurecido tanto contra Ele, quem poderia imaginar que sairia dos lábios de Jesus aquela palavra? No entanto, o Evangelho nos dá esta certeza: do alto da cruz ressoou a palavra “perdão”!

3. Vejamos os aspectos fundamentais dessa mensagem de perdão.
Jesus não só perdoa, mas pede o perdão do Pai para aqueles que o entregaram à morte e, portanto, também para todos nós. É o sinal da sinceridade total do perdão de Cristo e do amor do qual provém. É um fato novo na história, mesmo naquela da aliança. No Antigo Testamento lemos muitos textos dos Salmos que pediam a vingança ou o castigo do Senhor para seus inimigos: textos que na oração cristã, também litúrgica, se repetem não sem sentir a necessidade de interpretá-los, adequando-os ao ensinamento e ao exemplo de Jesus, que amou inclusive os inimigos. O mesmo podemos dizer de certas expressões do Profeta Jeremias (cf. Jr 11,20; 20,12; 15,15) e dos mártires judeus no Livro dos Macabeus (2Mac 7,9.14.17.19). Jesus muda essa posição a respeito de Deus e pronuncia outras palavras, totalmente distintas. Ele tinha recordado a quem reprovava seu trato frequente com “pecadores” que já no Antigo Testamento, segundo a palavra inspirada, Deus “quer misericórdia” (Mt 9,13).

4. Notemos também que Jesus perdoa imediatamente, mesmo que a hostilidade dos adversários continue se manifestando. O perdão é sua única resposta à hostilidade deles. E o seu perdão se dirige a todos os que, humanamente falando, são responsáveis pela sua morte, não só os executores, os soldados, mas a todos aqueles, próximos e distantes, conhecidos e desconhecidos, que estão na origem do comportamento que levou à sua condenação e crucificação. Por todos eles pede perdão e assim os defende diante do Pai, de modo que o Apóstolo João, depois de ter recomendado aos cristãos: “Não pequeis”, pode acrescentar: “No entanto, se alguém pecar, temos junto do Pai um Paráclito: Jesus Cristo, o Justo. Ele é a oferenda de expiação pelos nossos pecados, e não só pelos nossos, mas também pelos pecados do mundo inteiro” (1Jo 2,1-2). Nesta linha se situa também o Apóstolo Pedro que, no seu discurso ao povo de Jerusalém, estende a todos a acusação de “ignorância” e a oferta do perdão (At 3,17.19). É consolador para todos nós saber que, segundo a Carta aos Hebreus, Cristo crucificado, sacerdote eterno, permanece sempre como Aquele que intercede em favor dos pecadores que se aproximam de Deus através d’Ele (cf. Hb 7,25).

Ele é o Intercessor, e também o Advogado, o “Paráclito” (cf. 1Jo 2,1), que na cruz, em vez de denunciar a culpa dos que o crucificam, a atenua dizendo que “não sabem o que fazem”. É benevolência de juízo, mas também conformidade com a verdade real, aquela que só Ele pode ver, em seus adversários e em todos os pecadores: muitos podem ser menos culpados do que parece ou que se pensa, e precisamente por isso Jesus ensinou a “não julgar” (cf. Mt 7,1): agora, no Calvário, Ele se faz Intercessor e Defensor dos pecadores diante do Pai.

5. Esse perdão que brota da Cruz é a imagem e o princípio daquele perdão que Cristo quis trazer a toda a humanidade mediante o seu sacrifício. Para merecer este perdão e, positivamente, a graça que purifica e dá a vida divina, Jesus fez a oferta heroica de Si mesmo por toda a humanidade. Todos os homens, cada um na concretude do seu próprio “eu”, do seu bem e do seu mal, estão, pois, compreendidos potencialmente e, inclusive, se diria intencionalmente na oração de Jesus ao Pai: “Perdoa-lhes”. Também para nós vale certamente esse pedido de clemência e quase que de compreensão celeste: “Porque não sabem o que fazem”. Talvez nenhum pecador escape totalmente dessa ausência de conhecimento e, portanto, do alcance daquela súplica de perdão que brota do terníssimo Coração de Cristo que morre na cruz.

No entanto, isto não deve levar ninguém a desdenhar a riqueza da bondade, da tolerância e da paciência de Deus, ao ponto de não reconhecer que essa bondade o convida à conversão (cf. Rm 2,4). Com a dureza do seu coração impenitente ele acumularia cólera sobre si mesmo para o dia da ira e da revelação do justo juízo de Deus (cf. Rm 2,5). No entanto, também para ele Cristo ao morrer pediu perdão ao Pai, embora fosse necessário um milagre para sua conversão. Tampouco ele, com efeito, sabe o que faz!

6. É interessante constatar que já no âmbito das primeiras comunidades cristãs a mensagem do perdão foi acolhida e seguida pelos primeiros mártires da fé, que repetiram a oração de Jesus ao Pai quase com suas mesmas palavras. Assim fez o protomártir, Santo Estêvão, o qual, segundo os Atos dos Apóstolos, no momento da sua morte pediu: “Senhor, não lhes atribua este pecado” (At 7,60). Também São Tiago, segundo Eusébio de Cesareia, retomou os termos de Jesus em um pedido de perdão durante o seu martírio (cf. História Eclesiástica, II, 23, 16). Ademais, isso constituía a aplicação do ensinamento do Mestre, que lhes havia recomendado: “Orai pelos que vos perseguem” (Mt 5,44). Ao ensinamento, Jesus acrescentou o exemplo no momento supremo da sua vida, e seus primeiros seguidores conformaram-se a ele perdoando e pedindo o perdão divino para seus perseguidores.

7. Mas esses tinham presente também outro fato concreto ocorrido no Calvário e que se integra na mensagem da Cruz como mensagem de perdão. Diz Jesus a um malfeitor crucificado com Ele: “Em verdade te digo: hoje estarás comigo no paraíso” (Lc 23,43). É um fato impressionante, no qual vemos em ação todas as dimensiones da obra salvífica, que se concretiza no perdão. Aquele malfeitor havia reconhecido sua culpa, repreendendo seu cúmplice e companheiro de suplício, que insultava Jesus: “Para nós, é justo sofrermos, pois estamos recebendo o que merecemos” (v. 41); e pediu a Jesus poder participar no reino por Ele anunciado: “Jesus, lembra-te de mim quando entrares no teu reino” (v. 42). Ele considerava injusta a condenação de Jesus: “Não fez nada de mal”. Não compartilhava, pois, as imprecações do seu companheiro de condenação - “Salva-te a ti mesmo e a nós” (v. 39) - e dos outros que, com os chefes do povo, diziam: “A outros ele salvou. Salve-se a si mesmo, se, de fato, é o Cristo de Deus, o Eleito” (v. 35), nem os insultos dos soldados: “Se és o rei dos judeus, salva-te a ti mesmo” (v. 37).

O malfeitor, portanto, pedindo a Jesus que lembrasse dele, professa sua fé no Redentor; ao morrer, não só aceita sua morte como justa pena pelo mal realizado, mas se dirige a Jesus para dizer-lhe que põe n’Ele toda a sua esperança.

Esta é a explicação mais óbvia para esse episódio narrado por Lucas, no qual o elemento psicológico - isto é, a transformação dos sentimentos do malfeitor -, se tem como causa imediata a impressão recebida pelo exemplo de Jesus, inocente que sofre e morre perdoando, tem, porém, sua verdadeira raiz misteriosa na graça do Redentor, que “converte” esse homem e lhe concede o perdão divino. A resposta de Jesus, com efeito, é imediata. Ele promete ao malfeitor, arrependido e “convertido”, o paraíso, em sua companhia, para esse mesmo dia. Trata-se, pois, de um perdão integral: aquele que tinha cometido crimes e roubos - e, portanto, pecados - torna-se santo no último momento da sua vida.

Poderíamos dizer que nesse texto de Lucas está documentada a primeira canonização da história, realizada por Jesus em favor de um malfeitor que se dirige a Ele naquele momento dramático. Isto mostra que os homens podem obter, graças à Cruz de Cristo, o perdão de todas as culpas e também de toda uma vida má, e que podem obtê-lo mesmo no último instante, se rendem-se à graça do Redentor que os converte e salva.

As palavras de Jesus ao malfeitor arrependido também contêm a promessa da felicidade perfeita: “Hoje estarás comigo no paraíso”. Com efeito, o sacrifício redentor obtém para os homens a bem-aventurança eterna. É um dom de salvação certamente proporcional ao preço do sacrifício, apesar da desproporção que parece existir entre o simples pedido do malfeitor e a grandeza da recompensa. A superação dessa desproporção é realizada pelo sacrifício de Cristo, que mereceu a bem-aventurança celeste com o valor infinito da sua vida e da sua morte.

O episódio narrado por Lucas nos recorda que o “paraíso” é oferecido a toda a humanidade, a todo homem que, como o malfeitor arrependido, se abre à graça e põe sua esperança em Cristo. Um momento de conversão autêntica, um “momento de graça” que, podemos dizer com Santo Tomás de Aquino, “vale mais que todo o universo” (Suma Teológica, I-II, q. 113, a. 9, ad 2), pode, portanto, saldar as dívidas de toda uma vida, pode realizar no homem - em qualquer homem - o que Jesus assegura ao seu companheiro de suplício: “Hoje estarás comigo no paraíso”.

Cristo com penitentes do Antigo e do Novo Testamento
(Jan Boeckhorst)

Tradução nossa a partir do texto italiano divulgado no site da Santa Sé (16 de novembro de 1988).

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