Nesta Solenidade de Pentecostes propomos de maneira retrospectiva a Homilia e a meditação durante o Regina Coeli proferidas pelo Papa Bento XVI (†2022) no Pentecostes de 2011:
Solenidade de Pentecostes
Homilia do Papa Bento XVI
Basílica Vaticana
Domingo, 12 de junho de 2011
Queridos irmãos e irmãs,
Hoje celebramos
a importante Solenidade do Pentecostes. Se, em certo sentido, todas as
solenidades litúrgicas da Igreja são grandes, maior é o Pentecostes porque,
chegando ao quinquagésimo dia, assinala o cumprimento do acontecimento da
Páscoa, da Morte e Ressurreição do Senhor Jesus, através da dádiva do Espírito
do Ressuscitado. Para o Pentecostes, a Igreja preparou-nos nos dias passados
com a sua oração, com a invocação reiterada e intensa a Deus, para alcançar uma
renovada efusão do Espírito Santo sobre nós. Assim, a Igreja reviveu aquilo que
acontecera nas suas origens quando os Apóstolos, reunidos no Cenáculo de Jerusalém,
«perseveravam na oração em comum, junto com algumas mulheres, entre as quais
Maria, Mãe de Jesus, e com os irmãos de Jesus» (At 1,14). Estavam congregados na expectativa humilde e confiante,
que se cumprisse a promessa do Pai, a eles comunicada por Jesus: «Vós sereis
batizados com o Espírito Santo, dentro de poucos dias... recebereis o poder do
Espírito Santo que descerá sobre vós» (At
1,5.8).
Na Liturgia do
Pentecostes, à narração dos Atos dos
Apóstolos sobre o nascimento da Igreja (cf. At 2,1-11), corresponde o Salmo 103 que ouvimos: um louvor de toda
a criação, que exalta o Espírito Criador que fez tudo com sabedoria: «Quão
numerosas, ó Senhor, são vossas obras, e que sabedoria em todas elas! Encheu-se
a terra com as vossas criaturas... Que a glória do Senhor perdure sempre, e
alegre-se o Senhor em suas obras!» (Sl 103,24.31).
O que a Igreja quer nos dizer é isto: o Espírito criador de todas as coisas e o
Espírito Santo que Cristo fez descer do Pai sobre a comunidade dos discípulos
são um só e único: criação e redenção pertencem-se reciprocamente e constituem,
em profundidade, um único mistério de amor e de salvação. O Espírito Santo é
antes de tudo Espírito Criador e, portanto, o Pentecostes é também festa da
criação. Para nós, cristãos, o mundo é fruto de um gesto de amor de Deus, que
criou também todas as coisas e pelo qual Ele se alegra porque é «coisa boa»,
«coisa muito boa», como diz a narração da criação (cf. Gn 1,1-31). Por isso, Deus não é o
totalmente Outro, inominável e obscuro. Deus revela-se, tem uma face, Deus é
razão, Deus é vontade, Deus é amor, Deus é beleza. A fé no Espírito Criador e a
fé no Espírito que Cristo Ressuscitado concedeu aos Apóstolos e oferece a cada
um de nós estão unidas para sempre.
A 2ª Leitura e o
Evangelho do dia de hoje mostram-nos esta ligação. O Espírito Santo é Aquele
que nos faz reconhecer em Cristo o Senhor, levando-nos a pronunciar a profissão
de fé da Igreja: «Jesus é o Senhor» (cf. 1Cor 12,3b). «Senhor» é o título atribuído a Deus no Antigo Testamento,
título que na leitura da Bíblia tomava o lugar do seu nome impronunciável. O
Credo da Igreja não é mais do que o desenvolvimento daquilo que se diz com esta
simples afirmação: «Jesus é o Senhor». Desta profissão de fé, São Paulo diz-nos
que se trata precisamente da palavra e da obra do Espírito. Se quisermos estar
no Espírito Santo, temos que aderir a este Credo. Fazendo-o nosso, aceitando-o
como nossa palavra, acedemos à obra do Espírito Santo. A expressão «Jesus é o
Senhor» pode ser lida nos dois sentidos. Significa: Jesus é Deus e, ao mesmo
tempo, Deus é Jesus. O Espírito Santo ilumina esta reciprocidade: Jesus tem
dignidade divina, e Deus tem o rosto humano de Jesus. Deus mostra-se em Jesus
e, assim, oferece-nos a verdade sobre nós mesmos. Deixar-se iluminar no
profundo desta palavra é o acontecimento do Pentecostes. Recitando o Credo, nós entramos no mistério do
primeiro Pentecostes: da confusão de Babel, daquelas vozes que vociferam umas
contra as outras, deriva uma transformação radical: na multiplicidade faz-se
unidade multiforme, a partir do poder unificador da Verdade cresce a
compreensão. No Credo que nos une de
todos os recantos da terra que, mediante o Espírito Santo, faz com que nos
compreendamos apesar da diversidade das línguas, através da fé, da esperança e
do amor, forma-se a nova comunidade da Igreja de Deus.
Depois, o trecho
evangélico oferece-nos uma imagem maravilhosa para esclarecer a ligação entre
Jesus, o Espírito Santo e o Pai: o Espírito Santo é representado como o sopro
de Jesus Cristo Ressuscitado (cf. Jo
20,22). O evangelista João retoma aqui uma imagem da narrativa da criação,
onde nos diz que Deus inspirou nas narinas do homem um sopro de vida (cf.
Gn 2,7). O sopro de Deus é vida. Ora,
o Senhor inspira na nossa alma o novo sopro de vida, o Espírito Santo, a sua
essência mais íntima, e deste modo recebe-nos na família de Deus. Mediante o Batismo
e a Crisma recebemos este dom de maneira específica, e com os sacramentos da
Eucaristia e da Penitência ele repete-se continuamente: o Senhor inspira na
nossa alma um sopro de vida. Todos os Sacramentos, cada um segundo a maneira
que lhe é própria, comunicam ao homem a vida divina, graças ao Espírito Santo
que age neles.
Na Liturgia de
hoje vemos mais uma ligação. O Espírito Santo é Criador e, ao mesmo tempo,
Espírito de Jesus Cristo, porém de tal modo que o Pai, o Filho e o Espírito
Santo são um só e único Deus. E, à luz da 1ª Leitura, podemos acrescentar: o
Espírito Santo anima a Igreja. Ela não deriva da vontade humana, da reflexão,
da habilidade do homem e/ou da sua capacidade organizativa, porque se fosse
assim, ela já teria se extinguido há muito tempo, do mesmo modo como passam
todas as realidades humanas. Ela, a Igreja, ao contrário, é o Corpo de Cristo,
animado pelo Espírito Santo. As imagens do vento e do fogo, utilizadas por São
Lucas para representar a vinda do Espírito Santo (cf. At 2,2-3), recordam o Sinai, onde Deus tinha
se revelado ao povo de Israel, concedendo-lhe a sua aliança: «Todo o monte
Sinai fumegava - lê-se no Livro do Êxodo -
porque o Senhor tinha descido sobre ele no meio das chamas» (Ex 19,18).
Com efeito, Israel festejou o quinquagésimo dia depois da Páscoa, após a
comemoração da fuga do Egito, como a festa do Sinai, a festividade do Pacto.
Quando são Lucas fala de línguas de fogo, para representar o Espírito Santo, é
evocado aquele antigo Pacto, estabelecido com base na Lei recebida de Israel no
monte Sinai. Assim o acontecimento do Pentecostes é representado como um novo
Sinai, como o dom de um novo Pacto no qual são abrangidos com a aliança de
Israel todos os povos da Terra, na qual decaem todos os limites da antiga Lei e
aparece o seu coração mais santo e imutável, ou seja, o amor, que precisamente
o Espírito Santo comunica e difunde, o amor que tudo abraça. Ao mesmo tempo, a
Lei dilata-se, abre-se, embora se torne mais simples: trata-se do novo Pacto,
que o Espírito «inscreve» nos corações de quantos creem em Cristo. A extensão
do Pacto a todos os povos da Terra é representada por São Lucas através de um
elenco de populações considerável para aquela época (cf. At 2,9-11). Com isto, nos é dito algo
muito importante: que a Igreja é católica desde o primeiro momento, que a sua
universalidade não é o fruto da inclusão sucessiva de diversas comunidades. Com
efeito, desde o primeiro instante o Espírito Santo criou-a como a Igreja de
todos os povos; ela abraça o mundo inteiro, supera todas as fronteiras de raça,
classe e nação; abate todas as barreiras e une os homens na profissão do Deus
uno e trino. Desde o início a Igreja é una, católica e apostólica: esta é a sua
verdadeira natureza e, como tal, deve ser reconhecida. Ela é santa, não graças
à capacidade dos seus membros, mas porque é o próprio Deus, com o seu Espírito,
que a cria, purifica e santifica sempre.
Enfim, o
Evangelho de hoje confia-nos essa linda expressão: «Os discípulos se alegraram por
verem o Senhor» (Jo 20,20). Estas
palavras são profundamente humanas. O Amigo perdido está novamente presente, e
quantos antes se sentiam desolados agora rejubilam. Mas ela diz muito mais,
pois o Amigo perdido não vem de um lugar qualquer, mas sim da noite da morte; e
Ele atravessou-a! Ele não é qualquer um, mas sim o Amigo e, ao mesmo tempo,
Aquele que é a Verdade que leva os homens a viver; e aquilo que Ele oferece não
é uma alegria qualquer, mas sim o próprio júbilo, dom do Espírito Santo. Sim, é
bonito viver, porque sou amado, e é a Verdade que me ama. Os discípulos se alegraram
por verem o Senhor. Hoje, no Pentecostes, esta expressão é destinada também a
nós, porque na fé podemos vê-lo; na fé, Ele vem ao meio de nós e mostra também
a nós as mãos e o lado, e nos alegramos com isto. Por isso, queremos rezar:
Senhor, mostra-te! Concede-nos o dom da tua presença e teremos a dádiva mais
bonita: a tua alegria. Amém!
Solenidade de Pentecostes
Papa Bento XVI
Regina Coeli
Domingo, 12 de junho de 2011
Prezados irmãos e irmãs,
A Solenidade do
Pentecostes, que celebramos no dia de hoje, encerra o tempo litúrgico da
Páscoa. Com efeito, o Mistério Pascal - a Paixão, Morte e Ressurreição de
Cristo, e a sua Ascensão ao Céu - encontra o seu cumprimento na poderosa efusão
do Espírito Santo sobre os Apóstolos reunidos com Maria, Mãe do Senhor, e com
os demais discípulos. Foi o «batismo» da Igreja, batismo no Espírito Santo (cf.
At 1,5). Como narram os Atos dos Apóstolos, na manhã da festa de
Pentecostes, um fragor como que de vento investiu o Cenáculo e sobre cada um
dos discípulos desceram como que línguas de fogo (cf. At 2,2-3). São Gregório Magno comenta:
«Hoje o Espírito Santo desceu com um som repentino sobre os discípulos e
transformou as mentes de seres carnais no interior do seu amor, e enquanto
apareceram externamente línguas de fogo, no interior os corações tornaram-se flamejantes
porque, acolhendo Deus na visão do fogo, arderam suavemente por amor» (Homiliae in Evangelia XXX, 1: CCL 141, 256). A voz de Deus
diviniza a linguagem humana dos Apóstolos, que se tornam capazes de proclamar
de modo «polifônico» o único Verbo divino. O sopro do Espírito Santo enche o
universo, gera a fé, leva à verdade e predispõe a unidade entre os povos. «Quando
ouviram o barulho, juntou-se a multidão, e todos ficaram confusos, pois cada um
ouvia os discípulos falar em sua própria língua» sobre as «maravilhas de Deus»
(At 2,6.11).
O Beato Antonio
Rosmini explica que «no dia do Pentecostes dos cristãos, Deus promulgou... a
sua lei de caridade, escrevendo-a por meio do Espírito Santo não nas tábuas de
pedra, mas no coração dos Apóstolos, e através dos Apóstolos, comunicando-a
depois a toda a Igreja» (Catecismo
disposto segundo a ordem das ideias,
n. 737, Turim, 1863). O Espírito Santo, que é «Senhor que dá a vida», como
recitamos no Creio, está unido ao Pai
por meio do Filho e completa a revelação da Santíssima Trindade. Provém de Deus
como sopro da sua boca e tem o poder de santificar, abolir as divisões e
dissolver a confusão devida ao pecado. Incorpóreo e imaterial, ele distribui as
dádivas divinas e sustenta os seres vivos, a fim de que ajam em conformidade
com o bem. Como Luz inteligível dá significado à oração, dá vigor à missão
evangelizadora, faz arder os corações de quantos ouvem a alegre mensagem e
inspira a arte cristã e a melodia litúrgica.
Caros amigos, o
Espírito Santo, que cria em nós a fé no momento do nosso Batismo, permite-nos
viver como filhos de Deus, conscientes e consencientes, segundo a imagem do
Filho Unigênito. Também o poder de perdoar os pecados é um dom do Espírito
Santo; com efeito, aparecendo aos Apóstolos na noite da Páscoa, Jesus soprou
sobre eles e disse: «Recebei o Espírito Santo. A quem perdoardes os pecados, eles
lhes serão perdoados» (Jo 20,22-23).
À Virgem Maria,
templo do Espírito Santo, confiemos a Igreja, a fim de que viva sempre de Jesus
Cristo, da sua Palavra e dos seus mandamentos, e sob a ação perene do Espírito
Paráclito anuncie a todos que «Jesus é o Senhor!» (1Cor 12,3).
Fonte: Santa Sé (Homilia / Regina Coeli).
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