São Leão Magno
Sermão VII na Epifania
A esta
semelhança com as crianças nos convida o mistério da festa de hoje
Quando os três
magos foram conduzidos pelo esplendor de uma nova estrela para virem adorar a
Jesus, eles não o viram expulsando a demônios, ressuscitando aos mortos, dando
vista aos cegos, curando os aleijados, dando a faculdade de falar aos mudos, ou
qualquer outro ato que revelava seu poder divino; mas viram a um menino que
guardava silêncio, tranquilo, confiado aos cuidados de sua mãe. Não aparecia
nele nenhum sinal de seu poder, mas lhes ofereceu a visão de um grande
espetáculo: sua humildade. Por isso, o espetáculo deste santo Menino, o Filho
de Deus, apresentava aos seus olhares um ensinamento que mais tarde devia ser
proclamado, e o que ainda não proferia o som de sua voz, o simples fato de
ver-lhe fazia já que ele o ensinasse.
Toda a vitória
do Salvador, que subjugou o diabo e o mundo, começou pela humildade e se
consumou pela humildade. Começou na perseguição seus dias assinalados, e também
os terminou na perseguição. Ao Menino não lhe tem faltado o sofrimento, e ao
que fora chamado a sofrer não lhe faltou a simplicidade da infância, pois o
Unigênito de Deus aceitou, só pela humilhação de sua majestade, nascer
voluntariamente homem e poder ser morto pelos homens.
Se, pelo
privilégio de sua humildade, Deus onipotente tem tornado boa nossa causa tão
má, e se destruiu a morte e ao autor da morte, não repelindo o que lhe faziam
sofrer os perseguidores, mas suportando com grande brandura e por obediência a
seu Pai as crueldades dos que se levantavam contra ele, quanto mais nós temos
de ser humildes e pacientes, visto que, se nos advém alguma provação, isto
nunca acontece sem tê-la merecido? Quem se gloriará de ter um coração casto e
de estar limpo de pecado? E, como disse São João, se dissermos que não temos
pecado enganaríamos a nós mesmos e a verdade não estaria conosco. Quem se
encontrará livre de falta, de modo que a justiça nada tenha de que reprovar-lhe
ou a misericórdia divina que perdoar-lhe?
Por isso,
amadíssimos, a prática da sabedoria cristã não consiste nem na abundância de
palavras, nem na habilidade para discutir, nem no desejo de louvor e de glória,
mas na sincera e voluntária humildade, que o Senhor Jesus Cristo tem escolhido
e ensinado como verdadeira força desde o seio de sua mãe até o suplício da
cruz. Pois quando seus discípulos disputaram entre si, como narra o
evangelista, quem seria o maior no Reino dos Céus, ele, chamando para junto de
si um menino, colocou-o no meio deles e disse: Em verdade vos digo, se não vos tornardes como crianças, não entrareis
no Reino dos Céus. Pois o que se humilhar até fazer-se semelhante a uma destas
crianças, este será grande no Reino dos Céus.
Cristo ama a
infância, que Ele mesmo viveu ao princípio em sua alma e em seu corpo. Cristo
ama a infância, mestra da humildade, regra da inocência, modelo de
simplicidade. Cristo ama a infância; para ela orienta os costumes dos maiores,
para ela conduz a ancianidade. Aos que eleva ao reino eterno os atrai a seu
próprio exemplo. Mas se quisermos ser capazes de compreender perfeitamente como
é possível chegar a uma conversão tão admirável, e por qual transformação temos
de ir à cidade dos meninos, deixemos que São Paulo nos instrua e nos diga: Não sejais crianças quanto ao modo de
julgar: na malícia, sim, sede crianças, porém adultos no juízo. Não se
trata, pois, de voltar aos jogos de infância nem às imperfeições do começo, mas
em tomar uma coisa que convém também aos anos da maturidade, ou seja, que
nossas agitações interiores passem prontamente, que rapidamente encontremos a
paz, não guardemos rancor pelas ofensas, nem cobicemos as honras, mas amemos
estarmos unidos, e guardemos uma igualdade conforme a natureza. É um grande
bem, de fato, que não saibamos alimentar nem ter gosto pelo mal, pois inferir e
devolver injúria é própria da sabedoria deste mundo. Pelo contrário, não
devolver mal por mal é próprio da infância espiritual, toda cheia de
equanimidade cristã.
A esta
semelhança com as crianças nos convida, amadíssimos, o mistério da festa de
hoje. Essa é a forma da humildade que nos ensina o Salvador Menino adorado
pelos magos.
Fonte: Lecionário Patrístico Dominical, pp.
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