Viagem Apostólica ao Chile e Peru
Missa do III Domingo do Tempo Comum (Ano B)
Homilia do do Papa Francisco
Base Aérea Las Palmas, Lima (Peru)
Domingo, 21 de janeiro de 2018
«Levanta-te
e vai a Nínive, à grande cidade, e apregoa nela o que Eu te ordenar» (Jn 3,2):
com estas palavras, o Senhor dirige-se a Jonas encaminhando-o para aquela
grande cidade, que estava prestes a ser destruída pelos seus muitos malefícios.
No Evangelho, vemos também Jesus a caminho da Galileia para pregar a sua Boa
Nova (cf. Mc 1,14). Ambas as leituras nos mostram Deus em
movimento para as cidades de ontem e de hoje. O Senhor põe-Se a caminho: vai a
Nínive, à Galileia, a Trujillo, a Puerto Maldonado, a Lima... O Senhor vem
aqui. Põe-Se em movimento para entrar na nossa história pessoal e concreta. Como
celebramos há pouco [no Natal], Ele é o Emanuel, o Deus que quer estar
sempre conosco. Sim, aqui em Lima ou onde quer que estejas a viver, na vida
quotidiana do trabalho rotineiro, na educação esperançosa dos filhos, no meio
dos teus anelos e desvelos; na intimidade do lar e no ruído ensurdecedor das
nossas estradas. É lá, no meio dos caminhos poeirentos da história, que o
Senhor vem ao teu encontro.
Às
vezes, pode suceder-nos como a Jonas. As nossas cidades, com as situações de
sofrimento e injustiça que se repetem dia-a-dia, podem suscitar em nós a
tentação de fugir, de nos escondermos, de desertar. E razões, não faltam nem a
Jonas nem a nós. Contemplando a cidade, poderíamos começar a constatar que «há
citadinos que conseguem os meios adequados para o desenvolvimento da vida
pessoal e familiar, [e isso nos alegra; o problema é que] muitíssimos são
também os “não-citadinos”, os “meio-citadinos” ou os “resíduos urbanos”» (Evangelii gaudium, n. 74) que se encontram na beira dos nossos caminhos,
que vão viver à margem das nossas cidades sem condições necessárias para levar
uma vida digna, e custa ver que muitas vezes, entre estes «resíduos» humanos,
se encontram rostos de tantas crianças e adolescentes; se encontra o rosto do
futuro.
E, ao
ver estas coisas nas nossas cidades, nos nossos bairros - que poderiam ser
lugares de encontro e solidariedade, de alegria -, gera-se em nós o que
poderíamos chamar a síndrome de Jonas: um espaço infido, donde fugir (cf. Jn 1,3).
Um espaço para a indiferença, que nos torna anónimos e surdos face aos demais,
torna-nos seres impessoais de coração asséptico e, com esta atitude,
amarfanhamos a alma do povo, deste nobre povo. Como nos fazia notar Bento XVI,
«a grandeza da humanidade determina-se essencialmente na [sua] relação com o
sofrimento e com quem sofre. (…) Uma sociedade que não consegue aceitar os que
sofrem e não é capaz de contribuir, mediante a com-paixão, para fazer com que o
sofrimento seja compartilhado e assumido mesmo interiormente é uma sociedade cruel e desumana» (Spe salvi, n. 38.).
Quando
prenderam João [Batista], Jesus foi para a Galileia proclamar o Evangelho de
Deus. Ao contrário de Jonas, Jesus, perante um acontecimento doloroso e injusto
como foi a prisão de João, entra na cidade, entra na Galileia e começa, partindo
daquela insignificante população, a semear o que seria o início da maior
esperança: o Reino de Deus está perto, Deus está no meio de nós. E o próprio
Evangelho nos mostra a alegria e a reação em cadeia que isso produz: começou
com Simão e André, depois Tiago e João (cf. Mc 1,14-20) e
depois, passando por Santa Rosa de Lima, São Toríbio, São Martinho de Porres,
São João Macías, São Francisco Solano, chegou até nós anunciado por esta nuvem
de testemunhas que acreditaram n’Ele. Chegou até Lima, até nós, para se
comprometer novamente, como um antídoto renovado, contra a globalização da
indiferença. Com efeito, perante este Amor, não se pode ficar indiferente.
Jesus
chamou os seus discípulos a viverem, no hoje da história, algo que tem sabor a
eternidade: o amor a Deus e ao próximo. E fá-lo da única maneira que Lhe é
possível: à maneira divina, suscitando a ternura e o amor misericordioso,
suscitando a compaixão e abrindo os seus olhos para aprenderem a ver a
realidade à maneira divina. Convida-os a gerar novos vínculos, novas alianças
portadoras de eternidade.
Jesus atravessa
a cidade; fá-lo com os seus discípulos e começa a ver, a escutar, a prestar
atenção àqueles que sucumbiram sob o manto da indiferença, lapidados pelo grave
pecado da corrupção. Começa a desvendar muitas situações que sufocavam a
esperança do seu povo, suscitando uma nova esperança. Chama os seus discípulos
e convida-os a ir com Ele, convida-os a atravessar a cidade, mas muda-lhes o
ritmo, ensina-os a fixarem o que até agora passavam por alto, indica-lhes novas
urgências. Convertei-vos: dizia-lhes Ele. O Reino dos Céus é encontrar, em
Jesus, Deus que mistura a sua vida com a vida do seu povo, que Se envolve e
envolve outros para que não tenham medo de fazer desta história uma história de
salvação (cf. Mc 1,15.21ss).
Jesus
continua a atravessar as nossas estradas, continua, hoje como ontem, a bater às
portas, a bater aos corações para reacender a esperança e os anseios: que a
degradação seja superada pela fraternidade, a injustiça vencida pela
solidariedade e a violência apagada com as armas da paz. Jesus continua a
chamar e quer ungir-nos com o seu Espírito para que também nós saiamos para
ungir com esta unção capaz de curar a esperança ferida e renovar o nosso olhar.
Jesus
continua a atravessar e desperta a esperança que nos liberta
de relações vazias e análises impessoais e chama a envolver-nos como fermento
onde quer que estejamos, onde nos toca viver, naquele cantinho de todos os
dias. O Reino dos Céus está no meio de vós - diz-nos Ele -, está onde sabemos
usar um pouco de ternura e compaixão, onde não temos medo de criar espaços para
que os cegos vejam, os coxos andem, os leprosos fiquem limpos e os surdos ouçam
(cf. Lc 7,22) e, deste modo, todos aqueles que dávamos por
perdidos gozem da Ressurreição. Deus não Se cansa nem Se cansará de andar para
chegar junto dos seus filhos; junto de cada um deles. Como acenderemos a
esperança, se faltam profetas? Como enfrentaremos o futuro, se nos falta
unidade? Como chegará Jesus a tantos lugares, se faltam ousadas e válidas testemunhas?
Hoje o
Senhor chama-te a atravessar com Ele a cidade, convida-te a atravessar com Ele
a tua cidade. Chama-te a ser seu discípulo missionário, tornando-te assim
participante desse grande sussurro que quer continuar a ressoar nos mais
variados ângulos da nossa vida: Alegra-te, o Senhor está contigo!
Fonte: Santa Sé.
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