Continuando a série de postagens da Rádio Vaticano (agora Vatican News) sobre a reforma litúrgica do Concílio Vaticano II, publicamos os dois últimos textos de 2017:
Vamos continuar a dedicar o nosso espaço Memória Histórica –
50 anos do Concílio Vaticano II ao tema da reforma litúrgica trazida pelo
evento conciliar.
Nessa reforma do Concílio, percebemos 10 aspectos derenovação, a partir da Constituição Sacrosanctum
Concilium. Aqui neste nosso espaço já tratamos sobre “O valor da assembleia litúrgica”, “O uso da língua vernácula” e “A importância das duas espécieseucarísticas - Pão e vinho”.
No programa de hoje, padre Gerson Schmidt, incardinado na
Arquidiocese de Porto Alegre, nos traz uma reflexão sobre “O verdadeiro sentido
do sacrifício da Santa Missa”:
“Queremos hoje falar de um quarto aspecto da Reforma
Litúrgica proposta pelo Concilio Vaticano II – o novo sentido do ofertório na
Missa. A constituição Sacrosanctum
Concilium afirma que Jesus instituiu o sacrifício da Santa Missa, a fim de
perpetuar nos séculos, até a sua volta, o sacrifício da cruz [1].
Por isso, o “sacrifício dos cristãos não pretende completar
o sacrifício da cruz, porém, torná-lo presente, atualizá-lo, desenvolver no hic et nunc a sua dimensão interna” [2].
Entenda-se bem aqui o termo sacrifício, não como oferta
penitencial meramente humana para merecer a misericórdia de Deus, mas como
sacrifício verdadeiramente propiciatório de Cristo que se imola, da mesma forma
como se ofereceu na cruz, uma vez por todas, que agora é oferecido e atualizado
pelo ministério do sacerdote que preside o mistério [3].
Na história da controvérsia luterana, fora questionado a
compreensão da Santa Missa como sacrifício, haja vista tantas ofertas votivas e
exageradas dos fiéis.
O Concílio de Trento, e posteriormente com o movimento da
reforma litúrgica que fomentou o Concílio Vaticano II, veio a definir com mais
clareza essa realidade: ...diante das negações e distorções a respeito da
eucaristia, o Concílio tridentino afirmou claramente que “a missa é verdadeiro
sacrifício” e que “este carácter sacrifical, que não coincide simplesmente como
a refeição como tal, mas é antes uma realidade particular, não contradiz de
modo algum a unicidade do sacrifício redentor de Cristo; pelo contrário,
sacrifício da cruz e sacrifício da missa são, em certo sentido, um único
sacrifício [4].
A palavra sacrifício, referendada à Santa Missa, portanto,
precisa ser bem entendida. Na religião pagã, a palavra é traduzida por “sacrum facere”, ou seja, fazer o
sagrado. A missa, sabemos não é apenas sacrifício, mas também banquete, festa,
uma celebração que é memorial, refeição alegre, festiva e atual da Páscoa de
Jesus Cristo.
Assim, a Eucaristia seria muito mais um “sacrificium laudis”, um louvor e uma
rica ação de graças (do grego, eukharistós)
pela vitória de Cristo sobre a morte – e também nossas mortes. O sacrifício da
cruz tem razão de ser em vista da Ressurreição, da festiva passagem (Pessach) da morte para a vida.
O caráter sacrifical da missa, demasiadamente penitencial,
foi acentuado por uma época na Igreja. Aqui usamos o termo “sacrifício”, usado
também pelo Papa João XXIII, não em sentido absoluto, mas como um dos aspectos
do Mistério de Cristo, em sua oferta na cruz como sacrifício único e total. São
Cipriano afirma: “e uma vez que, em todos os sacrifícios, nós fazemos a memória
da paixão de Cristo – é de fato a paixão de Cristo que nós oferecemos – nós não
podemos fazer diferente do que Ele fez” (Carta, 63,17).
Por isso, a Eucaristia não é um sacrifício do fiel a Deus,
mas de Deus ao fiel. Precisamos tirar a ideia pagã do sacrifício que seria
oferecido para aplacar a ira de Deus, como os antigos holocaustos e sacrifícios
pagãos. Como aponta a Constituição Dogmática Lumen Gentium: “todas as vezes que se celebra no altar o sacrifício
da cruz, pela qual Cristo, nossa páscoa, foi imolado, atualiza-se a obra da
redenção” (LG 03)".
[1] SC, 47.
[2] BETZ, J. Em Mysterium Salutis 8. In: Dicionário de
Liturgia, Organizado por Dominico Sartore e Achille M. Triancca, Paulus, SP,
1992, p. 1078.
[3] DS 1743. In: Dicionário de Liturgia, Organizado por
Dominico Sartore e Achille M. Triancca, Paulus, SP, 1992, p. 1077.
[4] Idem, p.1077-1078.
“Por isso, a Igreja procura, solícita e cuidadosa, que os
cristãos não assistam a este mistério de fé como estranhos ou expectadores
mudos, mas participem na ação sagrada, consciente, piedosa e ativamente, por
meio de uma boa compreensão dos ritos e orações; sejam instruídos na palavra de
Deus; alimentem-se na mesa do corpo do Senhor (SC, 48)”.
No nosso espaço Memória Histórica - 50 anos do Concílio
Vaticano II, damos continuidade na edição de hoje ao tema da reforma litúrgica
trazida pelo evento conciliar.
No programa passado, falamos de um quarto aspecto da reforma
litúrgica proposta pelo Concílio Vaticano II: “O verdadeiro sentido do
sacrifício da Missa”.
Nesta nossa primeira edição após a festa do Natal, padre
Gerson Schmidt - incardinado na arquidiocese de Porto Alegre e que tem nos
acompanhado neste percurso de reflexão sobre os documentos conciliares - nos
fala sobre “Cristo, o grande sacrifício na Eucaristia”:
"A Constituição Sacrosanctum
Concilium sobre a renovação da Liturgia, em seu número 47 usa o termo
“sacrifício”. Dizíamos, no programa anterior, que precisamos entender esse
termo na mentalidade pós-conciliar.
O caráter sacrifical da missa, demasiadamente penitencial,
foi acentuado por uma época na Igreja. Inclusive o movimento litúrgico
conciliar pedia ao Papa Paulo VI que se retirasse aquela parte da missa onde o
padre diz: “Orai irmãos para que esse sacrifício seja aceito por Deus Pai todo
poderoso” – com a resposta do povo - “Receba, Senhor, por tuas mãos esse
sacrifício, para a glória do teu nome, para o nosso bem e de toda a Santa
Igreja”.
O sapiente Papa Paulo VI respondeu prudentemente, na época
conciliar, que não conviria tirar o joio para que não acontecesse de também com
displicência se tirasse também o trigo. Por isso, por um tempo, se permitiu as
experiências e adaptações litúrgicas mais variadas.
Papa São Cipriano afirma: “e uma vez que, em todos os
sacrifícios, nós fazemos a memória da paixão de Cristo – é de fato a paixão de
Cristo que nós oferecemos – nós não podemos fazer diferente do que Ele fez”
(Carta, 63,17).
Por isso, como já afirmamos, a Eucaristia não é um
sacrifício nosso a Deus, mas de Deus que se doa livremente a todos nós.
Precisamos tirar a ideia pagã do sacrifício que aplacaria a ira de Deus, como
os antigos holocaustos e sacrifícios pagãos.
Portanto, o grande sacrifício na Santa Missa não somos nós
que fazemos, como se tivéssemos méritos por isso, mas é aquele realizado por
Jesus Cristo no altar da cruz, realizado, uma vez por todas, que é atualizado
em cada celebração eucarística. Na cruz, a imolação da vítima já foi realizada,
numa morte sangrenta.
“Na Eucaristia, o sacrifício é incruento, sem efusão de
sangue, atualizando o grande sacrifício de Cristo pela humanidade inteira”.
Pio XII, na Encíclica Mediator
Dei, afirmou essa realidade do sacrifício incruento: “Diferente, porém, é o
modo pelo qual Cristo é oferecido. Na cruz, com efeito, ele se ofereceu todo a
Deus com os seus sofrimentos, e a imolação da vítima foi realizada por meio de
morte cruenta livremente sofrida; no altar, ao invés, por causa do estado
glorioso de sua natureza humana, “a morte não tem mais domínio sobre ele” (62)
e, por conseguinte, não é possível a efusão do sangue” (Mediator Dei, 63).
Dizia mais o Papa Pio XII nesse encíclica: “Para que, pois,
a oblação, com a qual neste sacrifício os fiéis oferecem a vítima divina ao Pai
celeste, tenha o seu efeito pleno, requer-se ainda outra coisa: é necessário
que eles se imolem a si mesmos como vítimas” (Mediator Dei, 88).
O Concílio, no número 48, recupera esse sentido de nosso
oferecimento e participação ativa dos fiéis na missa, dizendo assim: “Por isso,
a Igreja procura, solícita e cuidadosa, que os cristãos não assistam a este
mistério de fé como estranhos ou expectadores mudos, mas participem na ação
sagrada, consciente, piedosa e ativamente, por meio de uma boa compreensão dos
ritos e orações; sejam instruídos na palavra de Deus; alimentem-se na mesa do
corpo do Senhor; deem graças a Deus; aprendam a oferecer-se a si mesmos, ao
oferecer juntamente com o sacerdote, não só pelas mãos dele, a hóstia
imaculada; que dia após dia, por meio de Cristo mediador progridam na união com
Deus e entre si, para que finalmente Deus seja tudo em todos” (SC, 48).
O próximo tema será: "A participação ativa dos fiéis".
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