No último dia 21 de janeiro foi publicado um Decreto da Congregação para o Culto Divino e a Disciplina dos Sacramentos, a pedido do Papa Francisco, modificando o rito do Lava Pés na Quinta-feira Santa, permitindo que mulheres possam tomar parte neste rito.
O Secretário da Congregação, Dom Arthur Roche, publicou um texto comentando esta mudança e explicando um pouco da história deste rito:
CONCONGREGAÇÃO
PARA O CULTO DIVINO E
A DISCIPLINA DOS SACRAMENTOS
COMENTÁRIO AO DECRETO IN
MISSA IN CENA DOMINI
DEI-VOS O EXEMPLO
Com o decreto In Missa in cena Domini a Congregação do Culto Divino e
da Disciplina dos Sacramentos, por disposição do Santo Padre, retocou a rubrica
do Missale Romanum no que diz respeito ao Lava-pés (p.
300, n.11) que, sob múltiplas formas ao longo dos séculos, está unida à
Quinta-Feira Santa e que, depois da reforma da Semana Santa em 1955, pode ser
realizada na Missa Vespertina que inaugura o Sagrado Tríduo Pascal.
À luz do
Evangelho Joanino, o rito é revestido, tradicionalmente, de uma dupla vertente:
imitava aquilo que Jesus fez no Cenáculo lavando os pés aos apóstolos e
expressava o dom de si mesmo neste gesto servil. Este gesto era chamado Mandatum, nome tirado do incipit da primeira antífona que o
acompanhava: “Mandatum novum do vobis, ut diligatis invicem, sicut dilexi vos,
dicit Dominus” (Jo 13,14). De facto, este mandamento de amor fraterno
compromete todos os discípulos de Jesus sem alguma distinção ou excepção.
Um antigo ordo do séc. VII dizia: “Pontifex suis
cubicularibus pedes lavat et unusquisque clericorum in domo sua”. Aplicado de
modo diverso nas várias dioceses e abadias, é também atestado no Pontifical
Romano do séc XII depois das Vésperas de Quinta-Feira Santa e nos usos da Curia
Romana no séc. XIII (“facit mandatum duodecim subdiaconos”). O Mandatum é descrito da seguinte forma no Missale Romanum de São Pio V (1570): “Post
denudationem altarium, hora competenti, facto signo cum tabula, conveniunt
clerici ad faciendum mandatum. Maior abluit pedes minoribus: tergit et
osculatur”. O rito era acompanhado de diversas antífonas, das quais a última é Ubi caritas; concluindo-se com
o Pater noster e uma oração que une o mandamento do
serviço à purificação dos pecados: “Adesto Domine, quaesumus, officio
servitutis nostrae: et quia tu discipulis tuis pedes lavare dignatus es, ne
despicias opera manuum tuarum, quae nobis retinenda mandasti: ut sicut hic
nobis, et a nobis exteriora abluuntur inquinamenta; sic a te omnium nostrum
interiora laventur peccata. Quod ipse praestare digneris, qui vivis et regnas,
Deus, per omnia saecula saeculorum”. Esta acção litúrgica era reservada ao
clero (“conveniunt clerici”) à luz do Evangelho escutado na Missa da manhã. Não
são mencionados “doze”, o que parece fazer pensar que o que conta não é somente
fazer uma imitação daquilo que fez Jesus no Cenáculo mas colocar em prática o
seu valor exemplar, e sempre actual em favor dos seus discípulos.
A descrição do
“De Mandato seu lotione pedum” no Caeremoniale
Episcoporum de 1600 é mais
detalhada. Menciona-se o uso (depois das Vésperas ou ao almoço, na igreja ou na
sala capitular, ou num lugar idóneo) do Bispo lavar, enxugar e beijar os pés a
“treze” pobres, depois de os ter vestido e saciado e, por último, acrescenta
ainda a doação de uma esmola; ou então a treze canónicos, segundo a tradição
local e a vontade do Bispo, que pode preferir os pobres aos canónicos mesmo se
o hábito seria a estes: “videtur enim eo pacto maiorem humilitatem, et
charitatem prae se ferre, quam lavare pedes Canonicis”. Reservado, pois, ao clero,
sem excluir os usos locais que contemplavam os pobres e os jovens (por ex. no Missale Parisiense), o Lava-pés
é, deste modo, um gesto significativo mas não era para todo o povo de Deus. O Caeremoniale Episcoporumprescrevia-o
unicamente para as catedrais e as colegiadas.
Com a reforma de
Pio XII, que colocou a Missa
in cena Domini à tarde, o
Lava-pés, por motivos pastorais, pode ser realizado nesta Missa, depois da
homilia, com “duodecim viros selectos”, dispostos “in medio presbyterii
vel in ipsa aula ecclesiae”: a esses o celebrante lava e enxuga os pés (não se
menciona mais o beijo). Superou-se assim, o sentido bastante clerical e
reservado, pois faz-se na assembleia, e a indicação de “doze homens” manifesta,
de forma explícita, que se trata de um sinal imitativo, quase de uma
representação sagrada, o que ajuda a imprimir na memória aquilo que Jesus
realizou na primeira Quinta-feira Santa.
O Missale Romanum de 1970 retomou o rito, que tinha sido
recentemente reformado, simplificando alguns elementos: omite-se o número
“doze”, diz-se que se faça num “loco apto”, perde-se uma antífona e outras são
simplificadas; indica-se o Ubi
caritas para a procissão dos
dons e exclui-se a parte conclusiva (Pater noster, versículos e oração)
- herança de um acto que era privado, fora da Missa. Permanecia a reserva a que
se fizesse somente aos “viri” em razão de um certo mimetismo.
A mudança actual
prevê que sejam designadas pessoas escolhidas entre todos os membros do povo de
Deus. Este novo modo refere-se não tanto à imitação exterior daquilo que Jesus
fez, mas sim ao significado daquilo que realizou com dimensão universal, isto
é, o dar-se “até ao fim” pela salvação do género humano, naquela caridade que
abraça a todos e os torna irmãos na prática do seu exemplo. O exemplum que Jesus nos deu - para que também
nós façamos como Ele (cf. Jo 13, 14-15), vai mais além do que lavar fisicamente
os pés aos outros; faz compreender que num tal gesto se exprime o serviço de um
amor tangível pelos outros. Todas as antífonas propostas no Missale durante o Lava-pés
recordam e ilustram este significado de tal gesto, seja para quem o faz como
para quem o recebe, ou seja ainda, para quem o segue com o olhar e o
interioriza através do canto.
O Lava-pés não é
obrigatório na Missa in cena Domini.
São os pastores a avaliarem a conveniência, segundo as circunstâncias e razões
pastorais, de modo a que não se torne quase automático ou artificial, privado
de significado e reduzido a um elemento cénico. Por outro lado, não pode
tornar-se tão importante que centralize toda a atenção da Missa da Ceia do
Senhor, celebrada no “dia santíssimo em que Nosso Senhor Jesus Cristo Se
entregou por nós” (Communicantes próprio
do Cânone Romano). Nas indicações para a homilia, recorda-se a peculiaridade
desta Missa, comemorativa da instituição da Eucaristia, do sacramento da Ordem
e do mandamento novo do amor fraterno, e na Igreja é lei suprema que a todos
compromete e a todos se dirige.
Compete aos
pastores escolher um pequeno grupo de pessoas diversas representativas do
inteiro povo de Deus – leigos, ministros ordenados, cônjuges, celibatários,
religiosos, sãos e doentes, crianças, jovens e idosos – e não de uma só
categoria ou condição. Por fim, compete a quem prepara as celebrações
litúrgicas dispor cada coisa da melhor forma de tal modo que ajude a todos e
cada um a participar frutuosamente neste momento: é a vida de cada discípulo do
Senhor, a anamnesi do “mandamento novo” escutado no
Evangelho.
+ Arthur Roche
Arcebispo Secretário da Congregação do Culto Divino e da Disciplina dos Sacramentos
Arcebispo Secretário da Congregação do Culto Divino e da Disciplina dos Sacramentos
Fonte: Santa Sé
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