Viagem Apostólica ao Equador, Bolívia e Paraguai
Santa Missa do XVI Domingo do Tempo Comum (Ano B)
Homilia do Papa Francisco
Campo
Grande de Ñu Guazú, Assunção (Paraguai)
Domingo, 12 de julho de 2015
Domingo, 12 de julho de 2015
«O Senhor nos dará chuva e dará fruto a nossa terra»: assim diz o
Salmo. Com isto, somos convidados a celebrar a misteriosa comunhão entre Deus e
o seu Povo, entre Deus e nós. A chuva é sinal da sua presença, na terra
trabalhada pelas nossas mãos. Uma comunhão que sempre dá fruto, que sempre dá
vida. Esta confiança brota da fé, de saber que contamos com a sua graça que
sempre transformará e regará a nossa terra.
Uma confiança que se aprende, que se educa. Uma confiança que se vai
gerando no seio duma comunidade, na vida de uma família. Uma confiança que se transforma
em testemunho no rosto de tantos que nos encorajam a seguir Jesus, a ser
discípulos d’Aquele que nunca desilude. O discípulo sente-se convidado a
confiar, sente-se convidado por Jesus a ser amigo, a compartilhar a sua sorte,
a partilhar a sua vida. «A vós, não vos chamo servos, chamo-vos amigos, porque
vos dei a conhecer tudo o que sabia do meu Pai». Os discípulos são aqueles que
aprendem a viver na confiança da amizade de Jesus.
E o Evangelho fala-nos deste discipulado. Apresenta-nos a cédula de identidade
do cristão; a sua carta de apresentação, a sua credencial.
Jesus chama os seus discípulos e envia-os, dando-lhes regras claras e
precisas. Desafia-os a um conjunto de atitudes, comportamentos que devem ter.
Sucede, e não raras vezes, que nos poderão parecer atitudes exageradas ou
absurdas; seria mais fácil lê-las simbolica ou «espiritualmente». Mas Jesus é
muito claro. Não lhes diz: fazei de conta, ou fazei o que puderdes.
Recordemos juntos estas recomendações: «Não leveis nada para o caminho,
a não ser um cajado; nem pão, nem alforje, nem dinheiro (...) Permanecei na casa
onde vos derem alojamento». Parece uma coisa impossível.
Poderíamos concentrar-nos em palavras como «pão», «dinheiro», «alforje»,
«cajado», sandálias», «túnica». E seria lícito. Mas parece-me que há aqui uma
palavra-chave, que poderia passar despercebida diante da contundência daquelas
que acabo de enumerar. Uma palavra central na espiritualidade cristã, na
experiência do discipulado: hospitalidade. Como bom mestre, Jesus envia-os a
viver a hospitalidade. Diz-lhes: «Permanecei na casa onde vos derem
alojamento». Envia-os a aprender uma das características fundamentais da
comunidade crente. Poderíamos dizer que é cristão aquele que aprendeu a
hospedar, que aprendeu a alojar.
Jesus não os envia como poderosos, como proprietários, chefes ou
carregados de leis, normas. Ao contrário, mostra-lhes que o caminho do cristão
é simplesmente transformar o coração. O próprio coração e ajudar a transformar
o dos outros. Aprender a viver de forma diferente, com outra lei, sob outra
norma. É passar da lógica do egoísmo, do fechamento, da luta, da divisão, da
superioridade para a lógica da vida, da gratuidade, do amor. Passar da lógica
do dominar, esmagar, manipular para a lógica do acolher, receber, cuidar.
São duas as lógicas que estão em jogo, duas maneiras de enfrentar a vida
e de enfrentar a missão.
Quantas vezes concebemos a missão com base em projectos ou programas.
Quantas vezes idealizamos a evangelização, pondo de pé milhares de estratégias,
tácticas, manobras, truques, procurando que as pessoas se convertam com base
nos nossos argumentos. Hoje o Senhor diz-nos muito claramente: na lógica do
Evangelho, não se convence com os argumentos, as estratégias, as tácticas, mas
simplesmente aprendendo a alojar, a hospedar.
A Igreja é uma mãe de coração aberto que sabe acolher, receber,
especialmente a quem precisa de maior cuidado, que está em maior dificuldade. A
Igreja, como a queria Jesus, é a casa da hospitalidade. E quanto bem se pode
fazer, se nos animarmos a aprender esta linguagem da hospitalidade, esta
linguagem de receber, de acolher! Quantas feridas, quanto desespero se pode
curar numa casa onde alguém se sente bem-vindo! Para isto, é preciso ter as
portas abertas, sobretudo as portas do coração.
Praticar hospitalidade com o faminto, o sedento, o forasteiro, o nu, o
enfermo, o encarcerado (cf. Mt 25,34-37), com o leproso, o
paralítico. Hospitalidade com aquele que não pensa como nós, com a pessoa que
não têm fé ou a perdeu. E, às vezes, por nossa culpa. Hospitalidade com o
perseguido, o desempregado. Hospitalidade com as culturas diferentes, de que
esta terra paraguaia é tão rica. Hospitalidade com o pecador, porque cada um de
nós também o é.
Muitas vezes esquecemo-nos de que há um mal que precede os nossos
pecados, que tem lugar antes. Há uma raiz que causa muito, muito dano e que
destrói silenciosamente tantas vidas. Há um mal que, pouco a pouco, vai fazendo
ninho no nosso coração e «corroendo» a nossa vitalidade: a solidão. Solidão que
pode ter muitas causas, muitos motivos. Como destrói a vida e nos faz tão mal!
Vai-nos afastando dos outros, de Deus, da comunidade. Vai-nos encerrando em nós
mesmos. Por isso, o que é próprio da Igreja, desta mãe, não é principalmente
gerir coisas, projectos, mas aprender a fraternidade com os outros. A
fraternidade acolhedora é o melhor testemunho de que Deus é Pai, porque «é por
isto que todos conhecerão que sois meus discípulos: se vos amardes uns aos
outros» (Jo 13,35).
Desta maneira, Jesus abre-nos a uma lógica nova; a um horizonte cheio de
vida, beleza, verdade, plenitude.
Deus nunca fecha horizontes, Deus nunca é passivo face à vida, nunca é
passivo face ao sofrimento dos seus filhos. Deus nunca Se deixa vencer em
generosidade. Foi para isto que nos enviou seu Filho, no-Lo oferece, entrega,
compartilha: para aprendermos o caminho da fraternidade, o caminho do dom. Em
definitivo, é um novo horizonte, uma nova palavra para tantas situações de
exclusão, desagregação, confinamento, isolamento. É uma palavra que quebra o
silêncio da solidão.
E quando estivermos cansados ou se tornar pesada a tarefa de
evangelizar, é bom recordar que a vida proposta por Jesus corresponde às
necessidades mais profundas das pessoas, porque todos fomos criados para a
amizade com Jesus e para o amor fraterno (Evangelii Gaudium, n. 265).
Uma coisa é certa! Não podemos obrigar ninguém a receber-nos, a
hospedar-nos; isto é certo e faz parte da nossa pobreza e da nossa liberdade.
Mas é certo também que ninguém nos pode obrigar a não sermos acolhedores,
hospedeiros da vida do nosso Povo. Ninguém nos pode pedir que não recebamos e
abracemos a vida dos nossos irmãos, especialmente a vida daqueles que perderam
a esperança e o gosto pela vida. Como é belo imaginar as nossas paróquias,
comunidades, capelas, lugares onde estão os cristãos, não com as portas fechadas,
mas como verdadeiros centros de encontro tanto entre nós como com Deus. Como
lugares de hospitalidade e acolhimento.
A Igreja é mãe, como Maria. ela, temos um modelo. Alojar como Maria,
que não dominou nem se apoderou da Palavra de Deus; pelo contrário, hospedou-a,
gerou-a e entregou-a.
Alojar como a terra que não domina a semente, mas que a recebe, nutre e
faz germinar.
Assim queremos ser nós, os cristãos, assim queremos viver a fé neste
solo paraguaio: como Maria, alojando a vida de Deus em nossos irmãos com a
confiança, com a certeza de que «o Senhor nos dará chuva e dará fruto a nossa
terra». Que assim seja.
Fonte: Santa Sé.
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