quinta-feira, 16 de abril de 2015

Homilia do Papa: Missa com os Armênios

Papa Francisco
Santa Missa para os fiéis de Rito Armênio
Basílica de São Pedro
II Domingo da Páscoa (Ano B), 12 de abril de 2015

Saudação do Santo Padre no início da Missa
Queridos irmãos e irmãs armênios,
Amados irmãos e irmãs!
Em várias ocasiões, defini este tempo como um tempo de guerra, uma terceira guerra mundial combatida «em pedaços», assistindo nós diariamente a crimes hediondos, a massacres sangrentos e à loucura da destruição. Ainda hoje, infelizmente, ouvimos o grito, abafado e transcurado, de muitos dos nossos irmãos e irmãs inermes que, por causa da sua fé em Cristo ou da sua pertença étnica, são pública e atrozmente assassinados - decapitados, crucificados, queimados vivos - ou então forçados a abandonar a sua terra.
Também hoje estamos a viver uma espécie de genocídio, causado pela indiferença geral e coletiva, pelo silêncio cúmplice de Caim, que exclama: «A mim, que me importa? (...) Sou, porventura, guarda do meu irmão?» (Gn 4,9; Homilia em Redipuglia, 13 de setembro de 2014).
No século passado, a nossa humanidade viveu três grandes e inauditas tragédias: a primeira, que geralmente é considerada como «o primeiro genocídio do século XX» (João Paulo II e Karekin II, Declaração Conjunta, Etchmiadzin, 27 de setembro de 2001), atingiu o vosso povo armênio - a primeira nação cristã - juntamente com os sírios católicos e ortodoxos, os assírios, os caldeus e os gregos. Foram mortos Bispos, sacerdotes, religiosos, mulheres, homens, idosos e até crianças e doentes indefesos. As outras duas são as perpetradas pelo nazismo e pelo stalinismo. E, mais recentemente, houve outros extermínios de massa, como os do Camboja, Ruanda, Burundi, Bósnia. E todavia parece que a humanidade não consegue parar de derramar sangue inocente. Parece que o entusiasmo surgido no final da II Guerra Mundial esteja desaparecendo e dissolvendo-se. Parece que a família humana se recusa a aprender com os seus próprios erros causados pela lei do terror; e, assim, ainda hoje há quem procure eliminar os seus semelhantes, com a ajuda de alguns e o silêncio cúmplice de outros que permanecem espectadores. Ainda não aprendemos que «a guerra é uma loucura, um inútil massacre» (cf. Homilia em Redipuglia, 13 de setembro de 2014).
Hoje, queridos fiéis armênios, recordamos - com o coração transpassado pela dor mas repleto da esperança no Senhor Ressuscitado - o centenário daquele trágico acontecimento, daquele enorme e louco extermínio que cruelmente sofreram os vossos antepassados. Recordá-los é necessário, antes forçoso, porque, quando não subsiste a memória, quer dizer que o mal ainda mantém aberta a ferida; esconder ou negar o mal é como deixar que uma ferida continue a sangrar sem a tratar!
Com afeto, vos saúdo e agradeço o vosso testemunho.
Saúdo e agradeço a presença do Senhor Serž Sargsyan, Presidente da República da Armênia.
Saúdo cordialmente também os meus irmãos Patriarcas e Bispos: Sua Santidade Karekin II, Patriarca Supremo e Catholicos de Todos os Armênios; Sua Santidade Aram I, Catholicos da Grande Casa da Cilícia; Sua Beatitude Nerses Bedros XIX, Patriarca da Cilícia dos Arménios Católicos; os dois Catholicossatos da Igreja Apostólica Armênia e o Patriarcado da Igreja Armeno-Católica.
Com a firme certeza de que o mal nunca provém de Deus, infinitamente Bom, e radicados na fé, professamos que a crueldade não pode jamais ser atribuída à ação de Deus e, mais, não deve de forma alguma encontrar no seu Santo Nome qualquer justificação. Vivamos, juntos, esta Celebração, fixando o nosso olhar em Jesus Cristo Ressuscitado, Vencedor da morte e do mal!

Homilia do Papa Francisco
São João, presente no Cenáculo com os outros discípulos ao anoitecer do primeiro dia da semana, refere que Jesus veio, pôs-Se no meio deles e disse: «A paz esteja convosco!». E «mostrou-lhes as mãos e o peito» (20, 19-20), mostrou-lhes as suas chagas. Reconheceram, assim, que não se tratava de uma visão, mas era mesmo Ele, o Senhor, e encheram-se de alegria.
Oito dias depois, Jesus veio de novo ao Cenáculo e mostrou as chagas a Tomé a fim de que as tocasse como ele pretendia para poder acreditar e tornar-se, também ele, uma testemunha da Ressurreição.
Hoje, neste Domingo que São João Paulo II quis intitular à Misericórdia Divina, o Senhor mostra-nos também a nós, através do Evangelho, as suas chagas. São chagas de misericórdia. É verdade! As chagas de Jesus são chagas de misericórdia. «Fomos curados pelas suas chagas» (Is 53,5).
Jesus convida-nos a contemplar estas chagas, convida-nos a tocá-las - como fez com Tomé - a fim de curar a nossa incredulidade. Convida-nos sobretudo a entrar no mistério destas chagas, que é o mistério do seu amor misericordioso.
Através delas, como por uma brecha luminosa, podemos ver todo o mistério de Cristo e de Deus: a sua Paixão, a sua vida terrena - cheia de compaixão pelos pequeninos e os doentes -, a sua Encarnação no ventre de Maria. E podemos remontar a toda a história da salvação: as profecias - especialmente as do Servo de Yahweh -, os Salmos, a Lei e a aliança, até à libertação do Egito, à primeira Páscoa e ao sangue dos cordeiros imolados; e remontar ainda aos Patriarcas, até Abraão e, mais além na noite dos tempos, até a Abel e ao seu sangue que clama da terra. Tudo isto podemos ver através das chagas de Jesus Crucificado e Ressuscitado e, como Maria no Magnificat, podemos reconhecer que «a sua misericórdia se estende de geração em geração» (Lc 1,50).
Às vezes, perante os acontecimentos trágicos da história humana, ficamos como que esmagados e perguntamo-nos: «Por quê?». A maldade humana pode abrir no mundo como que fossos, grandes vazios: vazios de amor, vazios de bondade, vazios de vida. E surge-nos então a pergunta: Como podemos preencher estes fossos? A nós, é impossível; só Deus pode preencher estes vazios que o mal abre nos nossos corações e na nossa história. É Jesus, feito homem e morto na cruz, que preenche o abismo do pecado com o abismo da sua misericórdia.
Em um dos seus comentários ao Cântico dos Cânticos, São Bernardo detém-se precisamente sobre o mistério das chagas do Senhor, usando expressões fortes, corajosas, que nos faz bem retomar hoje. Diz ele que, «através das feridas do corpo, manifesta-se a recôndita caridade do coração [de Cristo], torna-se evidente o grande mistério do amor, mostram-se as entranhas de misericórdia do nosso Deus» (Disc. 61, 3-5: Opera omnia 2, 150-151).
Temos aqui, irmãos e irmãs, o caminho que Deus nos abriu, para sairmos, finalmente, da escravidão do mal e da morte e entrarmos na terra da vida e da paz. Este Caminho é Ele - Jesus, Crucificado e Ressuscitado - e são-no, de modo particular, as suas chagas cheias de misericórdia.
Os Santos ensinam-nos que se muda o mundo a partir da conversão do próprio coração, e isto acontece graças à misericórdia de Deus. Por isso, quer perante os meus pecados, quer diante das grandes tragédias do mundo, «a consciência sentir-se-á turvada, mas não será abalada, porque me lembrarei das feridas do Senhor. De facto, “foi transpassado por causa dos nossos crimes” (Is 53,5). Que haverá de tão mortal que não possa ser dissolvido pela morte de Cristo?» (ibid.).
Com o olhar voltado para as chagas de Jesus Ressuscitado, podemos cantar com a Igreja: «O seu amor dura para sempre» (Sl 117,2); a sua misericórdia é eterna. E, com estas palavras gravadas no coração, caminhemos pelas estradas da história, com a mão na mão de nosso Senhor e Salvador, nossa vida e nossa esperança.


Fonte: Santa Sé.

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