Ontem, 18 de abril de 2015, completaram-se dez anos da Missa "Pro Eligendo Romano Pontifice" (pela eleição do Romano Pontífice) celebrada pelo então Cardeal Joseph Ratzinger, após a morte de São João Paulo II.
CAPELA
PAPAL
SANTA MISSA «PRO ELIGENDO ROMANO PONTIFICE»
HOMILIA DO CARDEAL JOSEPH RATZINGER
DECANO DO COLÉGIO CARDINALÍCIO
DECANO DO COLÉGIO CARDINALÍCIO
Segunda-feira
18 de Abril de 2005
Nesta hora de grande responsabilidade, ouvimos com
particular atenção quanto o Senhor nos diz com as suas mesmas palavras.
Gostaria de escolher, das três leituras (Is 61, 1-3a. 8v-9 / Ef 4, 11-16 / Jo 15, 9-17), só alguns
trechos, que nos dizem respeito directamente num momento como este.
A primeira leitura oferece um retrato profético da figura
do Messias um retrato que recebe todo o seu significado a partir do momento em
que Jesus lê este texto na sinagoga de Nazaré, quando diz: "Cumpriu-se
hoje esta passagem da Escritura" (Lc 4, 21). No centro do texto profético encontramos uma
palavra que pelo menos à primeira vista é contraditória. O Messias, falando de
si, diz que é enviado "para proclamar o ano de misericórdia do Senhor, um
dia de vingança para o nosso Deus" (Is 61, 2). Ouvimos,
com alegria, o anúncio do ano de misericórdia: a misericórdia divina põe um
limite ao mal disse-nos o Santo Padre. Jesus Cristo é a misericórdia
divina em pessoa: encontrar Cristo significa encontrar a misericórdia de Deus.
O mandato de Cristo tornou-se nosso mandato através da unção sacramental; somos
chamados a promulgar não só com palavras mas com a vida, e com os sinais
eficazes dos sacramentos, "o ano de misericórdia do Senhor". Mas que
pretende dizer Isaías quando anuncia o "dia da vingança para o nosso
Deus"?
Jesus, em Nazaré, na sua leitura do texto profético, não pronunciou
estas palavras concluiu anunciando o ano da misericórdia. Foi porventura este o
motivo do escândalo que se realizou depois da sua pregação? Não o sabemos. De
qualquer forma o Senhor ofereceu o seu comentário autêntico a estas palavras
com a morte de cruz. "Subindo ao madeiro da cruz, Ele levou os nossos
pecados no seu corpo...", diz São Pedro (1 Pd 2, 24). E São Paulo
escreve aos Gálatas: "Cristo resgatou-nos da maldição da lei, ao fazer-se
maldição por nós, pois está escrito: Maldito seja todo aquele que é suspenso no
madeiro. Isto, para que a bênção de Abraão chegasse até aos gentios, em Cristo
Jesus, para recebermos a promessa do Espírito, por meio da fé" (Gl 3, 13 s.).
A misericórdia de Cristo não é uma graça a bom preço, não
supõe a banalização do mal. Cristo leva no seu corpo e na sua alma todo o peso
do mal, toda a sua força destruidora. Ele queima e transforma o mal no
sofrimento, no fogo do seu amor sofredor. O dia da vingança e o ano da
misericórdia coincidem no mistério pascal, no Cristo morto e ressuscitado. Esta
é a vingança de Deus: ele mesmo, na pessoa do Filho, sofre por nós. Quanto mais
formos tocados pela misericórida do Senhor, tanto mais entramos em
solidariedade com o seu sofrimento tornamo-nos disponíveis para completar na nossa
carne "o que falta aos padecimentos de Cristo" (Cl 1, 24).
Passamos à segunda leitura, à carta aos Efésios. Trata-se
aqui em substância de três coisas: em primeiro lugar, dos ministérios e dos
carismas na Igreja, como dons do Senhor ressuscitado que subiu ao céu; por
conseguinte, da maturação da fé e do conhecimento do Filho de Deus, como
condição e conteúdo da unidade no corpo de Cristo; e, por fim, da comum
participação ao crescimento do corpo de Cristo, isto é, da transformação do
mundo na comunhão com o Senhor.
Detenhamo-nos apenas sobre dois pontos. O primeiro é o
caminho rumo à "maturidade de Cristo"; assim diz, simplificando um
pouco, o texto italiano. Mais precisamente deveríamos, segundo o texto grego,
falar da "medida da plenitude de Cristo", que somos chamados a
alcançar para sermos realmente adultos na fé. Não deveríamos permanecer
crianças na fé, em estado de menoridade. Em que consiste ser crianças na Fé?
Responde São Paulo: significa ser "batidos pelas ondas e levados por
qualquer vento da doutrina..." (Ef 4, 14). Uma descrição muito actual!
Quantos ventos de doutrina conhecemos nestes últimos
decénios, quantas correntes ideológicas, quantas modas do pensamento... A
pequena barca do pensamento de muitos cristãos foi muitas vezes agitada por estas
ondas lançada de um extremo ao outro: do marxismo ao liberalismo, até à
libertinagem, ao colectivismo radical; do ateísmo a um vago misticismo
religioso; do agnosticismo ao sincretismo e por aí adiante. Cada dia surgem
novas seitas e realiza-se quanto diz São Paulo acerca do engano dos homens, da
astúcia que tende a levar ao erro (cf. Ef 4, 14). Ter uma fé clara, segundo o Credo da Igreja, muitas
vezes é classificado como fundamentalismo. Enquanto o relativismo, isto é,
deixar-se levar "aqui e além por qualquer vento de doutrina", aparece
como a única atitude à altura dos tempos hodiernos. Vai-se constituindo uma
ditadura do relativismo que nada reconhece como definitivo e que deixa como
última medida apenas o próprio eu e as suas vontades.
Ao contrário, nós, temos outra medida: o Filho de Deus, o
verdadeiro homem. É ele a medida do verdadeiro humanismo. "Adulta"
não é uma fé que segue as ondas da moda e a última novidade; adulta e madura é
uma fé profundamente radicada na amizade com Cristo. É esta amizade que nos
abre a tudo o que é bom e nos dá o critério para discernir entre verdadeiro e
falso, entre engano e verdade. Devemos amadurecer esta fé, para esta fé devemos
guiar o rebanho de Cristo. E é esta fé só esta fé que gera unidade e se realiza
na caridade. São Paulo oferece-nos a este propósito em contraste com as
contínuas peripécias dos que são como crianças batidas pelas ondas uma bela
palavra: praticar a verdade na caridade, como fórmula fundamental da existência
cristã. Em Cristo, coincidem verdade e caridade. Na medida em que nos
aproximamos de Cristo, também na nossa vida, verdade e caridade fundem-se. A
caridade sem verdade seria cega; a verdade sem caridade seria como "um
címbalo que retine" (1 Cor 13, 1).
Falemos agora do Evangelho, de cuja riqueza gostaria de
extrair só duas pequenas observações. O Senhor dirige-nos estas maravilhosas
palavras: "Já não vos chamo servos... mas a vós chamei-vos amigos" (Jo 15, 15). Muitas
vezes sentimos que somos como é verdade unicamente servos inúteis (cf. Lc 17, 10). E, não
obstante, o Senhor chama-nos amigos, torna-nos seus amigos, oferece-nos a sua
amizade. O Senhor define a amizade de uma dupla forma. Não existem segredos
entre amigos: Cristo diz-nos tudo quando ouve o Pai; oferece-nos a sua plena
confiança e, com a confiança, também o conhecimento. Revela-nos o seu rosto, o
seu coração. Mostra-nos a sua ternura por nós, o seu amor apaixonado que vai
até à loucura da cruz. Confia-se a nós, dá-nos o poder de falar com o seu eu:
"este é o meu corpo...", "eu te absolvo...". Confia o seu
corpo, a Igreja, a nós. Confia às nossas mentes débeis, às nossas mãos débeis a
sua verdade o mistério do Deus Pai, Filho e Espírito Santo; o mistério do Deus
que "tanto amou o mundo, que lhe entregou o seu Filho Unigénito" (Jo 3, 16). Fez de nós
amigos seus e nós como respondemos?
O segundo elemento, com que Jesus define a amizade, é a
comunhão das vontades. "Idem velle idem nolle", era também para os Romanos a definição de amizade.
"Vós sois meus amigos, se fizerdes o que eu vos mando" (Jo 15, 14). A amizade
com Cristo coincide com o que exprime a terceira pergunta do Pai Nosso:
"seja feita a tua vontade assim na terra como no céu". Na hora do
Getsémani Jesus transformou a nossa vontade humana rebelde em vontade conforme
e unida à vontade divina. Sofreu todo o drama da nossa autonomia e precisamente
levando a nossa vontade às mãos de Deus, oferece-nos a liberdade verdadeira:
"Não como eu quero, mas segundo a tua vontade (Mt 21, 39). Nesta
comunhão da vontade realiza-se a nossa redenção: ser amigos de Jesus,
tornar-nos amigos de Deus. Quanto mais amamos Jesus, quanto mais o conhecemos,
tanto mais cresce a nossa verdadeira liberdade, cresce a alegria de ser
remidos. Obrigado Jesus, pela tua amizade!
O outro elemento do Evangelho que desejo mencionar é o
sermão de Jesus sobre o dar fruto: "fui eu que vos escolhi a vós e vos
destinei a ir e a dar fruto, e fruto que permaneça" (Jo 15, 16).
Realça aqui o dinamismo da existência do cristianismo, do
apóstolo: constituí-vos para irdes...
Devemos estar animados por uma santa preocupação: a
preocupação de levar a todos o dom da fé, da amizade com Cristo. Na verdade, o
amor, a amizade de Deus foi dada para que chegue também aos outros. Recebemos a
fé para a levar aos outros somos sacerdotes para servir os outros. E devemos
levar um fruto que permaneça. Todos os homens querem deixar vestígios
duradouros. Mas o que permanece? O dinheiro não. Também os edifícios não
permanecem; os livros também não. Depois de um certo tempo, mais ou menos
longo, todas estas coisas desaparecem. A única coisa que permanece eternamente,
é a alma humana, o homem criado por Deus para a eternidade. O fruto que
permanece é portanto quanto semeámos nas almas humanas o amor, o conhecimento;
o gesto capaz de tocar o coração; a palavra que abre a alma à alegria do
Senhor. Então vamos rezar ao Senhor, para que nos ajude a dar fruto, um fruto
que permaneça. Só assim a terra será mudada de vale de lágrimas para jardim de
Deus.
Por fim, voltemos mais uma vez à carta aos Efésios. A carta
diz com as palavras do Salmo 68 que Cristo, subindo ao céu, "deu dádivas
aos homens" (Ef 4, 8). O vencedor distribui dons. E estes dons são
apóstolos, profetas, evangelistas, pastores e mestres. O nosso ministério é um
dom de Cristo aos homens, para construir o seu corpo o mundo novo. Vivamos o
nosso ministério assim, como dom de Cristo aos homens! Mas nesta hora,
sobretudo, peçamos com insistência ao Senhor, para que depois do grande dom do
Papa João Paulo II, nos ofereça um pastor segundo o seu coração, um pastor que
nos guie ao conhecimento de Cristo, ao seu amor, à verdadeira alegria. Amém.
Fonte: Santa Sé
Nenhum comentário:
Postar um comentário