sexta-feira, 8 de dezembro de 2023

Meditações do Papa Bento XVI: Imaculada Conceição (2011)

Nesta Solenidade da Imaculada Conceição da Bem-aventurada Virgem Maria, reproduzimos aqui as duas meditações proferidas pelo Papa Bento XVI (†2022) no dia 08 de dezembro de 2011: na oração do Ângelus e na tradicional homenagem à Imaculada na Praça de Espanha em Roma.

Solenidade da Imaculada Conceição da Bem-Aventurada Virgem Maria
Papa Bento XVI
Ângelus
Quinta-feira, 08 de dezembro de 2011

Estimados irmãos e irmãs,
Hoje a Igreja celebra solenemente a concepção imaculada de Maria. Como declarou o Beato Pio IX na Carta Apostólica Ineffabilis Deus, de 1854, ela «foi preservada, por particular graça e privilégio de Deus todo-poderoso, em previsão dos méritos de Jesus Cristo, Salvador do gênero humano, imune de toda a mancha de pecado original». Tal verdade de fé está contida nas palavras da saudação que lhe dirigiu o Arcanjo Gabriel: «Alegra-te, cheia de graça, o Senhor está contigo!» (Lc 1,28). A expressão «cheia de graça» indica a obra maravilhosa do amor de Deus, que quis restituir-nos a vida e a liberdade, perdidas com o pecado, mediante o seu Filho Unigênito encarnado, morto e ressuscitado. Por isso, a partir do século II, no Oriente e no Ocidente, a Igreja invoca e celebra a Virgem que, com o seu «sim», aproximou o Céu da terra, tornando-se «geradora de Deus e nutriz da nossa vida», como se exprime São Romano, o Melode, em um antigo cântico (Canticum XXV in Nativitatem Beatae Mariae Virginis, in: J. B. Pitra, Analecta Sacra I, Paris, 1876, p. 198). No século VII, São Sofrônio de Jerusalém elogia a grandeza de Maria, porque nela o Espírito Santo escolheu a sua morada, e diz: «Tu superas todos os dons que a magnificência de Deus jamais concedeu a qualquer pessoa humana. Mais que todos, és rica da posse de Deus que habita em ti» (Oratio II, 25 in SS. Deiparae Annuntiationem: PG 87, 3, 3248 AB). E São Beda, o Venerável, explica: «Maria é bendita entre as mulheres, porque com o decoro da virgindade beneficiou da graça de ser geradora de um Filho, que é Deus» (Homiliae I, 3: CCL 122, 16).


Também a nós é concedida a «plenitude da graça», que devemos fazer resplandecer na nossa vida, porque «o Pai de nosso Senhor Jesus Cristo», escreve São Paulo, «nos abençoou com toda a bênção do seu Espírito... Em Cristo, Ele nos escolheu, antes da fundação do mundo, para que sejamos santos e irrepreensíveis... Ele nos predestinou para sermos seus filhos adotivos...» (Ef 1,3-5). Nós recebemos esta filiação por intermédio da Igreja, no dia do Batismo. A tal propósito, Santa Hildegard de Bingen escreve: «Portanto, a Igreja é a mãe virgem de todos os cristãos. Na força secreta do Espírito Santo, concebe-os e dá-os à luz, oferecendo-os a Deus de tal modo que também eles sejam chamados filhos de Deus» (Scivias, Visio III, 12: CCL Continuatio Mediaevalis XLIII, 1978, 142). E, por fim, entre os antiquíssimos cantores da beleza espiritual da Mãe de Deus, sobressai São Bernardo de Claraval, afirmando que a invocação: «Ave Maria, cheia de graça» é «agradável a Deus, aos anjos e aos homens. Aos homens, graças à maternidade; aos anjos, graças à virgindade; e a Deus, graças à humildade» (Sermo XLVII, De Annuntiatione Dominica: SBO VI, I, Roma, 1970, 266).

Prezados amigos, à espera de prestar esta tarde, segundo a tradição, a homenagem a Maria Imaculada na Praça de Espanha, dirijamos agora a nossa oração fervorosa àquela que intercede junto de Deus, a fim de que nos ajude a celebrar com fé o Natal do Senhor, já próximo.

Ato de Veneração à Imaculada na Praça de Espanha
Discurso do Papa Bento XVI
Quinta-feira, 08 de dezembro de 2011

Queridos irmãos e irmãs,
A grande festa de Maria Imaculada convida-nos todos os anos a reencontrar-nos aqui, em uma das praças mais bonitas de Roma, para prestar homenagem a ela, à Mãe de Cristo e nossa Mãe. Saúdo todos vós aqui presentes com afeto, bem como a quantos estão unidos a nós através da rádio e da televisão. E agradeço-vos a vossa coral participação neste meu ato de oração.

No cimo da coluna em volta da qual nos reunimos, Maria é representada por uma estátua que em parte recorda o trecho do Apocalipse que acabamos de proclamar: «Apareceu no céu um grande sinal: uma mulher vestida do sol, tendo a lua debaixo dos pés e sobre a cabeça uma coroa de doze estrelas» (Ap 12,1). Qual é o significado desta imagem? Ela representa ao mesmo tempo Maria e a Igreja.

Antes de tudo a «mulher» do Apocalipse é Maria. Ela está «revestida de sol», ou seja, revestida de Deus: de fato, a Virgem Maria está totalmente circundada pela luz de Deus e vive em Deus. Este símbolo da veste luminosa expressa claramente uma condição que diz respeito a todo o ser de Maria: Ela é a «cheia de graça», plena do amor de Deus. E «Deus é luz», diz ainda São João (1Jo 1,5). E eis que a «cheia de graça», a «Imaculada», reflete com toda a sua pessoa a luz do «sol» que é Deus.

Esta mulher tem debaixo dos pés a lua, símbolo da morte e da mortalidade. Com efeito, Maria está plenamente associada à vitória de Jesus Cristo, seu Filho, sobre o pecado e a morte; está livre de qualquer sombra de morte e totalmente repleta de vida. Pois a morte já não tem poder algum sobre Jesus Ressuscitado (cf. Rm 6,9), também por uma graça e um privilégio singulares de Deus Onipotente, Maria deixou-a atrás de si, superou-a. E isto manifesta-se nos dois grandes mistérios da sua existência: no início, o fato de ter sido concebida sem pecado original, que é o mistério que hoje celebramos; e no fim, o fato de ter sido elevada ao Céu em corpo e alma, na glória de Deus. Mas também toda a sua vida terrena foi uma vitória sobre a morte, porque se dedicou totalmente ao serviço de Deus, na oblação total de si a Ele e ao próximo. Por isso, Maria é em si mesma um hino à vida: é a criatura na qual já se realizou a palavra de Cristo: «Vim para que tenham vida, e a tenham em abundância» (Jo 10,10).

Na visão do Apocalipse há outro pormenor: sobre a cabeça da mulher revestida de sol há «uma coroa de doze estrelas». Este sinal representa as doze tribos de Israel e significa que a Virgem Maria está no centro do Povo de Deus, de toda a comunhão dos santos. E assim esta imagem da coroa de doze estrelas introduz-nos na segunda grande interpretação do sinal celeste da «mulher revestida de sol»: além de representar Maria, este sinal encarna a Igreja, a comunidade cristã de todos os tempos. Ela está grávida, no sentido de que leva no seu seio Cristo e deve dá-lo à luz para o mundo: eis a labuta da Igreja peregrina na terra, que entre a consolação de Deus e as perseguições do mundo deve levar Jesus aos homens.

É precisamente por isto, porque leva Jesus, que a Igreja encontra a oposição de um adversário feroz, representado na visão apocalíptica por «um grande dragão vermelho» (Ap 12,3). Este dragão procurou em vão devorar Jesus - o « filho homem, que veio para governar todas as nações» (v. 5) -, em vão porque Jesus, através da sua Morte e Ressurreição, subiu para Deus e sentou-se no seu trono. Por isso o dragão, derrotado uma vez para sempre no céu, orienta os seus ataques contra a mulher - a Igreja - no deserto do mundo. Mas em todas as épocas a Igreja é apoiada pela luz e pela força de Deus, que a alimenta no deserto com o pão da sua Palavra e da sagrada Eucaristia. E assim, em cada tribulação, através de todas as provações que encontra ao longo dos tempos e nas diversas partes do mundo, a Igreja sofre a perseguição, mas resulta vencedora. E precisamente desta forma a comunidade cristã é a presença, a garantia do amor de Deus contra todas as ideologias do ódio e do egoísmo.

A única armadilha da qual a Igreja pode e deve ter receio é o pecado dos seus membros. De fato, enquanto Maria é Imaculada, livre de qualquer mancha, a Igreja é santa, mas ao mesmo tempo marcada pelos nossos pecados. Por isso o Povo de Deus, peregrinante no tempo, dirige-se à sua Mãe celeste e pede a sua ajuda; pede para que ela acompanhe o caminho de fé, a fim de que encoraje o compromisso de vida cristã e para que apoie a esperança. Dela temos necessidade, sobretudo neste momento tão difícil para a Itália, para a Europa, para várias partes do mundo. Maria nos ajude a ver que há uma luz além da barreira de nevoeiro que parece envolver a realidade. Por isso, também nós, sobretudo nesta celebração, não cessamos de pedir com confiança filial a sua ajuda: «Ó Maria, concebida sem pecado, intercede por nós que recorremos a ti». Ora pro nobis, intercede pro nobis ad Dominum Iesum Christum!


Fonte: Santa Sé (Ângelus / Homenagem à Imaculada).

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