quinta-feira, 9 de novembro de 2023

Catequeses do Papa João Paulo II sobre o Creio: Jesus Cristo 22

Dando continuidade às suas reflexões sobre Jesus Cristo como “verdadeiro Deus” dentro das suas Catequeses sobre o Filho, o Papa São João Paulo II dedicou alguns encontros aos milagres de Jesus.

Para acessar a postagem introdutória desta série, com os links para todas as Catequeses, clique aqui.

Catequeses do Papa João Paulo II sobre o Creio
CREIO EM JESUS CRISTO

III. Jesus Cristo, verdadeiro Deus e verdadeiro homem

C. Os milagres de Jesus como sinal de sua divindade

34. Os milagres de Jesus: O fato e o significado
João Paulo II - 11 de novembro de 1987

1. No dia de Pentecostes, depois de ter recebido a luz e a força do Espírito Santo, Pedro dá um sincero e corajoso testemunho de Cristo Crucificado e Ressuscitado: “Homens de Israel, escutai estas palavras: Jesus de Nazaré, foi um homem comprovado por Deus junto de vós, pelos milagres, prodígios e sinais...  vós o matastes, pregando-o numa cruz. Deus, porém, o ressuscitou, libertando-o das angústias da morte” (At 2,22-24).

Este testemunho contém uma síntese de toda a atividade messiânica de Jesus de Nazaré, que Deus confirmou com “milagres, prodígios e sinais”. Constitui também um esboço da primeira catequese cristã, que nos oferece o próprio chefe do Colégio dos Apóstolos, Pedro.

Jesus curando os enfermos

2. Depois de quase dois mil anos, o atual Sucessor de Pedro, no desenrolar das suas Catequeses sobre Jesus Cristo, deve afrontar agora o conteúdo dessa primeira catequese apostólica desenvolvida no próprio dia de Pentecostes. Até agora falamos do Filho do homem que com o seu ensinamento dava a conhecer ser verdadeiro Deus Filho, “um só” com o Pai (cf. Jo 10,30). A sua palavra era acompanhada por milagres, prodígios e sinais”. Estes atos acompanhavam as palavras não só seguindo-as para confirmar a sua autenticidade, mas muitas vezes as precediam, como nos dá a entender os Atos dos Apóstolos quando falam de “tudo o que Jesus fez e ensinou, desde o começo” (At 1,1). Eram essas mesmas obras, particularmente os “prodígios e sinais” a testemunhar que “está próximo o reino de Deus” (Mc 1,15), isto é, que este tinha entrado com Jesus na história terrena do homem e “tinha pressa” em entrar em cada espírito humano. Ao mesmo tempo, testemunhavam que Aquele que as realizava era verdadeiramente o Filho de Deus. Eis porque é preciso vincular as presentes Catequeses sobre os milagres-sinais de Cristo com as anteriores, sobre a sua filiação divina.

3. Antes de proceder gradualmente à análise do significado desses “prodígios e sinais” (como os definiu de forma muito específica São Pedro no dia de Pentecostes), é preciso constatar que estes prodígios e sinais pertencem seguramente ao conteúdo integral dos Evangelhos como testemunhos de Cristo, que proveem de testemunhas oculares. Com efeito, não é possível excluir os milagres do texto e do contexto evangélico. A análise não só do texto, mas também do contexto, fala a favor do seu caráter “histórico”, atesta que esses são fatos ocorridos na realidade, e verdadeiramente realizados por Cristo. Quem se aproxima deles com honestidade intelectual e perícia científica, não pode desembaraçar-se deles com qualquer palavra como se fossem puras invenções posteriores.

4. A este respeito convém observar que esses fatos não só são atestados e narrados pelos Apóstolos e discípulos de Jesus, mas que em muitos casos são confirmados por seus adversários. Por exemplo, é significativo que estes últimos não neguem os milagres realizados por Jesus, mas que pretendam atribui-los ao poder do demônio”. Diziam, com efeito: “Está possuído por Belzebu e expulsa os demônios pelo príncipe dos demônios” (Mc 3,22; cf. também Mt 8,32; 12,24; Lc 11,14-15). É conhecida a resposta de Jesus a esta objeção, demostrando sua contradição interior: “Se Satanás se levanta contra si mesmo e se divide, não pode manter-se, mas se acaba” (Mc 3,26). Mas o que mais nos importa neste momento é o fato de que nem mesmo os adversários de Jesus podem negar seus “milagres, prodígios e sinais” como realidade, como “fatos” que verdadeiramente aconteceram.

É eloquente também a circunstância na qual os adversários observavam Jesus para ver se curava em dia de sábado, para poder assim acusá-lo de violação da Lei do Antigo Testamento. Isto aconteceu, por exemplo, no caso do homem que tinha uma mão seca (cf. Mc 3,1-2).

5. É preciso levar em consideração também a resposta dada por Jesus não mais aos seus adversários, mas desta vez aos mensageiros de João Batista, enviados por este para perguntar-lhe: “És tu aquele que há de vir ou devemos esperar outro?”. Jesus respondeu-lhes: “Ide contar a João o que estais ouvindo e vendo: cegos recobram a vista, paralíticos andam, leprosos são purificados, surdos ouvem, mortos ressuscitam e aos pobres é anunciado o Evangelho” (Mt 11,3-5; cf. também Lc 7,22). Jesus remete em sua resposta à profecia de Isaías sobre o futuro Messias (cf. Is 35,5-6), que sem dúvida podia ser entendida no sentido de uma renovação e de uma cura espiritual de Israel e da humanidade, mas que no contexto evangélico no qual é posta nos lábios de Jesus, indica fatos comumente conhecidos e aos quais os discípulos do Batista podem referir-se como sinais da messianidade de Cristo.

6. Todos os evangelistas registram os fatos aos quais Pedro se refere no Pentecostes: “milagres, prodígios, sinais” (At 2,22). Os Sinóticos narram muitos acontecimentos em particular, mas às vezes usam também fórmulas genéricas. Assim, por exemplo, no Evangelho de Marcos: “Ele curou a muitos que sofriam de diversas enfermidades. Expulsou também muitos demônios” (Mc 1,34). De modo semelhante Mateus e Lucas: “Curando toda espécie de doença e enfermidade no meio do povo” (Mt 4,23); “D’Ele saía uma força que curava a todos” (Lc 6,19). São expressões que dão a entender o grande número de milagres realizados por Jesus. No Evangelho de João não encontramos formas semelhantes, mas a descrição detalhada de sete acontecimentos que o evangelista chama “sinais” (e não “milagres”). Com essa expressão quer indicar o que há de mais essencial nesses fatos: a demonstração da ação de Deus em pessoa, presente em Cristo, enquanto a palavra “milagre” indica mais o aspecto “extraordinário” desses acontecimentos aos olhos daqueles que os viram ou ouviram falar deles. No entanto, também João, antes de concluir seu Evangelho, nos diz que “Jesus fez diante dos discípulos muitos outros sinais, que não estão escritos neste livro” (Jo 20,30). E dá a razão da escolha que fez: “Estes foram escritos para que creiais que Jesus é o Cristo, o Filho de Deus, e para que crendo tenhais a vida em seu nome” (v. 31). A isto visam tanto os Sinóticos como o Quarto Evangelho: mostrar através dos milagres a verdade do Filho de Deus e levar à fé, que é princípio de salvação.

7. Ademais, quando o Apóstolo Pedro, no dia de Pentecostes, dá testemunho de toda a missão de Jesus de Nazaré, confirmada por Deus por meio de “milagres, prodígios e sinais”, não pode deixar de recordar que o mesmo Jesus foi crucificado e ressuscitado (cf. At 2,22-24). Indica assim o acontecimento pascal, no qual foi oferecido o sinal mais completo da ação salvífica e redentora de Deus na história da humanidade. Podemos dizer que este sinal contém o “anti-milagre” da Morte na cruz e o “milagre” da Ressurreição (milagre dos milagres) que se fundem em um só mistério, para que nele o homem possa ler até o fim a autorrevelação de Deus em Jesus Cristo e, aderindo a ele na fé, entrar no caminho da salvação.

35. “Eu te digo, levanta-te”
João Paulo II - 18 de novembro de 1987

1. Se observamos atentamente os “milagres, prodígios e sinais” com os quais Deus confirmou a missão de Jesus Cristo, segundo as palavras pronunciadas pelo Apóstolo Pedro no dia de Pentecostes em Jerusalém, constatamos que Jesus, ao realizar estes milagres-sinais, atuou em seu próprio nome, convencido do seu poder divino, e, ao mesmo tempo, da mais íntima união com o Pai. Encontramo-nos, pois, ainda e sempre diante do mistério do “Filho do homem - Filho de Deus”, cujo “Eu” transcende todos os limites da condição humana, embora pertencendo a ela por livre escolha, e todas as possibilidades humanas de realização e mesmo de conhecimento.

2. Um olhar sobre alguns acontecimentos particulares registrados pelos evangelistas nos permite perceber aquela presença misteriosa em cujo nome Jesus Cristo realiza seus milagres. Ei-la quando, respondendo às súplicas de um leproso que lhe diz: “Se queres, podes purificar-me!”, Ele, na sua humanidade, “movido de compaixão”, pronuncia uma palavra de ordem que, em um caso como aquele, corresponde a Deus, não a um simples homem: “Eu quero, fica purificado!”. E imediatamente a lepra desapareceu e ele ficou purificado (cf. Mc 1,40-42). E do mesmo modo no caso do paralítico que foi descido por uma abertura feita no teto da casa: “Eu te digo: levanta-te, pega tua maca e vai para tua casa” (cf. Mc 2,1-12).

E também no caso da filha de Jairo lemos que “Ele segurou a mão da menina e disse-lhe: ‘Talitá cum!’, que quer dizer: ‘Menina, Eu te digo, levanta-te!’. Imediatamente a menina se levantou e começou a andar” (Mc 5,41-42). E no caso do jovem morto de Naim: “Jovem, Eu te digo, levanta-te!”. O que tinha morrido sentou-se e começou a falar (Lc 7,14-15).

Em quantos destes episódios vemos brotar das palavras de Jesus a expressão de uma vontade e de um poder ao qual Ele apela interiormente e que expressa, podemos dizer, com a máxima naturalidade, como se pertencesse à sua condição mais íntima, o poder de dar aos homens saúde, cura e mesmo a ressurreição e a vida!

3. Merece uma atenção particular a ressurreição de Lázaro, descrita detalhadamente pelo Quarto Evangelho. Lemos: “Jesus, levantando os olhos ao alto, disse: ‘Pai, Eu te dou graças porque me ouviste! Eu sei que sempre me ouves, mas falo assim por causa da multidão ao meu redor, para que creia que Tu me enviaste’. Dito isso, exclamou com voz forte: ‘Lázaro, vem para fora’. O que estivera morto saiu...” (Jo 11,41-44). Na cuidadosa descrição deste episódio se enfatiza que Jesus ressuscitou o amigo Lázaro com seu próprio poder e em união estreitíssima com o Pai. Aqui encontra confirmação a afirmação de Jesus: “Meu Pai trabalha até agora, e Eu também trabalho” (Jo 5,17), e se demonstra, de maneira que podemos dizer “preventiva”, aquilo que Jesus dirá no Cenáculo, durante o diálogo com os Apóstolos na Última Ceia, sobre sua relação com o Pai e, mais ainda, sobre sua identidade consubstancial com Ele.

4. Os Evangelhos mostram com diversos milagres-sinais como o poder divino que atua em Jesus Cristo se estende para além do mundo humano e se manifesta como poder de domínio também sobre as forças da natureza. É significativo o caso da tempestade acalmada: “Surgiu uma tempestade bem forte”. Os Apóstolos-pescadores assustados despertam Jesus que dormia na barca. Ele, “despertando, repreendeu o vento e disse ao mar: ‘Silêncio! Cala-te!’. O vento parou e fez-se grande calmaria. (...) Tomados de grande temor, (os Apóstolos) diziam uns para os outros: ‘Quem é este, que até o vento e o mar obedecem?’” (Mc 4,37-41).

Nesta ordem de acontecimentos entram também as pescas milagrosas, realizadas pela palavra de Jesus (“in verbo tuo”), depois de tentativas anteriores malsucedidas (cf. Lc 5,4-6; Jo 21,3-6). O mesmo podemos dizer, no que diz respeito à estrutura do acontecimento, do “primeiro sinal realizado em Caná da Galileia, onde Jesus ordena aos serventes encher as talhas de água e depois levas “a água transformada em vinho” ao mestre de cerimônias (cf. Jo 2,7-9). Como nas pescas milagrosas, assim também em Caná da Galileia atuam os homens: os Apóstolos- pescadores em um caso, os serventes das bodas em outro, mas está claro que o efeito extraordinário da ação não provém deles, mas d’Aquele que lhes deu a ordem de agir e que opera com seu misterioso poder divino. Isto é confirmado pela reação dos Apóstolos, particularmente de Pedro, que depois da pesca milagrosa “prostrou-se aos joelhos de Jesus, dizendo: ‘Afasta-te de mim, Senhor, porque sou um pecador!” (Lc 5,8). Este é um de tantos casos de emoção que toma a forma de temor reverencial ou mesmo de medo, seja nos Apóstolos como Simão Pedro, seja na multidão, quando se sente tocada pelo mistério divino.

5. Um dia, depois da Ascensão, semelhante “temor” invadirá aqueles que virem os “prodígios e sinais realizados “pelos Apóstolos” (At 2,43). Segundo o Livro dos Atos, as pessoas “chegavam a transportar para as praças os doentes em leitos e macas, a fim de que, quando Pedro passasse, pelo menos sua sombra cobrisse alguns deles” (At 5,15). No entanto, estes “prodígios e sinais” que acompanhavam os inícios da Igreja Apostólica, eram realizados pelos Apóstolos não em seu próprio nome, mas em nome de Jesus Cristo, e eram, portanto, uma ulterior confirmação do seu poder divino. Ficamos impressionados quando lemos a resposta e a ordem de Pedro ao homem coxo que pedia esmola junto a uma porta do templo de Jerusalém: “‘Não tenho ouro nem prata, mas o que tenho eu te dou: Em nome de Jesus Cristo, o Nazareno, levanta-se e anda’. E, tomando-o pela mão direita, Pedro o levantou. Na mesma hora, os pés e os tornozelos do homem ficaram firmes” (At 3,6-7). Ou então o que o mesmo Pedro diz a um paralítico de nome Eneias: “‘Jesus Cristo te cura! Levanta-te, arruma tu mesmo tua cama’. Imediatamente Eneias se levantou” (At 9,34).

Também o outro Príncipe dos Apóstolos, Paulo, quando na Carta aos Romanos recorda o que ele realizou como “ministro de Cristo para os gentios”, se apressa a acrescentar que nesse ministério reside seu único mérito: “Falo tão somente daquilo que Cristo realizou por meu intermédio, para trazer os gentios à obediência da fé, em palavras e ações, pelo poder de sinais e prodígios, pela força do Espírito” (Rm 15,18-19).

6. Na Igreja dos primeiros tempos, e especialmente na evangelização do mundo realizada pelos Apóstolos, abundaram estes “milagres, prodígios e sinais”, como o próprio Jesus lhes havia prometido (cf. At 2,22). Mas podemos dizer que estes sempre se repetiram na história da salvação, especialmente nos momentos decisivos para a realização do desígnio de Deus. Assim foi já no Antigo Testamento em relação ao “êxodo” de Israel da escravidão do Egito e ao caminho rumo à Terra prometida, sob a guia de Moisés. Quando, com a Encarnação do Filho de Deus, “chegou a plenitude dos tempos” (cf. Gl 4,4), estes sinais milagrosos do agir divino adquirem um novo valor e uma nova eficácia pela autoridade divina de Cristo e pela referência ao seu Nome - e, por conseguinte, à sua verdade, à sua promessa, ao seu mandato, à sua glória -, nos quais são cumpridos pelos Apóstolos e por tantos santos na Igreja. Também hoje se realizam milagres, e em cada um deles se delineia o rosto do “Filho do homem - Filho de Deus” e se afirma um dom de graça e salvação.

Cura de um leproso:
Um dos primeiros milagres de Jesus

Tradução nossa a partir do texto italiano divulgado no site da Santa Sé (11 de novembro e 18 de novembro de 1987).

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