Confira as Catequeses nn. 38-39 do Papa São João Paulo II sobre Jesus Cristo, sobre os milagres como manifestação do amor de Deus e como chamado à fé.
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Catequeses do Papa João Paulo II sobre o Creio
CREIO EM JESUS CRISTO
38. Os milagres como manifestação
do amor misericordioso
João Paulo II - 09 de dezembro
de 1987
1. “Sinais” da onipotência divina e
do poder salvífico do Filho do homem, os milagres de Cristo, narrados pelos Evangelhos,
são também a revelação do amor de Deus pelo homem, particularmente pelo
homem que sofre, que tem necessidade, que implora cura, perdão e piedade. São, pois,
“sinais” do amor misericordioso proclamado pelo Antigo e pelo Novo
Testamento (cf. Encíclica Dives in misericordia). Especialmente
a leitura do Evangelho nos faz compreender e quase “sentir” que os milagres de Jesus
têm sua fonte no coração amoroso e misericordioso de Deus, que vive e vibra no
seu coração humano. Jesus os realiza para superar toda classe de mal
existente no mundo: o mal físico, o mal moral - isto é, o pecado - e, finalmente,
aquele que é “pai do pecado” na história do homem: Satanás.
Os milagres, portanto, são “para o
homem”. São obras de Jesus que, em harmonia com a finalidade redentora da sua missão,
restabelecem o bem ali onde se aninhou o mal, produzindo desordem e confusão. Aqueles
que os recebem, que os presenciam, se dão conta deste fato, tanto que, segundo
Marcos, “cheios de admiração, diziam: ‘Tudo Ele tem feito bem. Faz os surdos
ouvirem e os mudos falarem” (Mc 7,37).
Ressurreição da filha de Jairo: Manifestação do amor misericordioso de Deus |
2. Um estudo atento dos textos
evangélicos nos revela que nenhum outro motivo, a não ser o amor pelo homem, o
amor misericordioso, pode explicar os “milagres e sinais” do Filho do homem. No
Antigo Testamento, Elias se serve do “fogo do céu” para confirmar seu poder de profeta
e punir a incredulidade (cf. 2Rs 1,10). Quando os Apóstolos
Tiago e João tentam induzir a Jesus destruir com “fogo do céu” uma
povoado de samaritanos que lhes havia negado sua hospitalidade, Ele lhes
proibiu decididamente de formular semelhante pedido. O evangelista precisa
que Jesus “voltou-se e os repreendeu” (Lc 9,55). Muitos códices e a
Vulgata acrescentam: “Vós não sabeis de que espírito sois. Pois o Filho do homem
não veio para perder as almas dos homens, mas para salvá-las”. Nenhum milagre
foi realizado por Jesus para punir alguém, nem mesmos os que eram culpados.
3. Significativo a este respeito é
o detalhe relacionado com a prisão de Jesus no jardim do Getsêmani.
Pedro estava disposto a defender o Mestre com a espada, e inclusive “feriu o servo
do sumo sacerdote, cortando-lhe a orelha direita. O servo chamava-se Malco” (Jo 18,10).
Mas Jesus o proibiu de empunhar a espada. Além disso, “tocando a orelha do
homem, curou-o” (Lc 22,51). É uma confirmação de que Jesus
não se serve da capacidade de realizar milagres para sua própria defesa. E
confidencia aos seus que não pede ao Pai para que lhe mande “mais de doze legiões
de anjos” (Mt 26,53) para salvá-lo do assédio dos inimigos. Tudo o
que Ele faz, também na realização dos milagres, o faz em estreita união com o Pai,
o faz por causa do reino de Deus e da salvação do homem, o faz por amor.
4. Por isso, já no início da sua missão
messiânica, rejeita todas as “propostas de milagres” apresentadas pelo Tentador,
começando por aquela da transformação das pedras em pão (cf. Mt 4,3-4).
O poder de Messias lhe foi dado não para fins de aparência ou a serviço
da vanglória. Aquele que veio “para dar testemunho da verdade” (Jo
18,37), antes, que é “a verdade” (Jo 14,6), atua sempre em absoluta
conformidade com a sua missão salvífica. Todos os seus “milagres e sinais”
expressam esta conformidade, no quadro do “mistério messiânico” do Deus como
que escondido na natureza do Filho do homem, como mostram os Evangelhos,
especialmente o de Marcos. Se nos milagres há quase sempre um lampejo do poder
divino, que os discípulos e a multidão às vezes conseguem captar, tanto que reconhecem
e exaltam em Cristo o “Filho de Deus”, descobrindo neles também a bondade, a sinceridade
e a simplicidade, que são as qualidades mais visíveis do “Filho do homem”.
5. No próprio modo de realizar os milagres
se nota a grande simplicidade e, podemos dizer, humildade, graça,
delicadeza de trato de Jesus. Quanto nos fazem pensar, desde este ponto de
vista, as palavras que acompanham a ressurreição da filha de Jairo: “A menina não
morreu, ela dorme” (Mc 5,39), como se quiser “minimizar” o
significado do que ia realizar. E depois “recomendou-lhes com insistência que ninguém
soubesse do fato” (v. 43). Assim fez também em outros casos, por exemplo depois
da cura de um surdo (Mc 7,36) e depois da profissão de fé de Pedro
(Mc 8,29-30).
Para curar o surdo (que também falava
com dificuldade) é significativo que Jesus o tenha levado “à parte, longe da multidão”.
Ali, “levantando os olhos para o céu, suspirou”. Este “suspiro”
parece ser um sinal de compaixão e, ao mesmo tempo, uma oração. A
palavra “Efatá!” (“Abre-te!”) faz com que se abram “os ouvidos” e se solte
“a língua” do surdo (cf. Mc 7,32-35).
6. Se Jesus realiza alguns de
seus milagres em dia de sábado, o faz não para violar o caráter sagrado
do dia dedicado a Deus, mas para demonstrar que este dia santo
está marcado de modo particular pela ação salvífica de Deus. “Meu Pai trabalha
até agora, e Eu também trabalho” (Jo 5,17). E este “trabalhar” é para
o bem do homem; portanto, não é contrário à santidade do sábado, mas a destaca:
“O sábado foi feito para o homem, não o homem para o sábado. Assim,
o filho do homem é senhor também do sábado” (Mc 2,27-28).
7. Se aceitamos a narração evangélica
dos milagres de Jesus - e não há motivos para não aceitá-la, salvo o preconceito
contra o sobrenatural -, não podemos duvidar que há uma lógica única,
que une todos esses “sinais”, fazendo-os derivar da economia salvífica
de Deus: esses sinais estão a serviço da revelação do seu amor por nós, desse
amor misericordioso que vence o mal com o bem, como demonstra a própria presença
e ação de Jesus Cristo no mundo. Enquanto inseridos nesta economia, os “milagres
e sinais” são objeto da nossa fé no plano da salvação de Deus e no mistério da redenção
realizada por Cristo.
Como fatos, pertencem à
história evangélica, cujos relatos são tão credíveis e até mais do que os
contidos em outras obras históricas. Está claro que o verdadeiro obstáculo para
aceitá-los como dados, tanto de história como de fé, é o preconceito “anti-sobrenatural”
ao qual já nos referimos. É o preconceito de quem quer limitar o poder de Deus
ou restringi-lo à ordem natural das coisas, quase como uma auto-obrigação de Deus
a limitar-se às suas próprias leis. Mas esta concepção choca contra a mais elementar
ideia filosófica e teológica de Deus, Ser infinito, subsistente e onipotente,
que não tem limites senão no não-ser e, portanto, no absurdo.
Como conclusão desta Catequese
resulta espontâneo notar que esta infinitude no ser e no poder é também infinitude
no amor, como demonstram os milagres inseridos na economia da Encarnação e da
Redenção, “sinais” do amor misericordioso pelo qual Deus enviou ao mundo seu Filho
“para que todo o que n’Ele crer não pereça”, generoso conosco até a morte. “Sic
dilexit!”, “De tal modo amou-nos...” (Jo 3,16).
Que a um amor tão grande não falte
a resposta generosa da nossa gratidão, traduzida no testemunho coerente das ações.
39. Os milagres como chamado à fé
João Paulo II - 16 de dezembro
de 1987
1. Os “milagres e sinais” que Jesus
realizava para confirmar a sua missão messiânica e a vinda do reino de Deus,
estão ordenados e estreitamente ligados ao chamado à fé. Em relação
ao milagre, este chamado tem duas formas: a fé precede o milagre, mais
ainda, é condição para que ele se realize; a fé constitui um efeito do milagre,
porque provocada por ele na alma de quem o recebeu ou de quem o testemunhou.
Sabemos que a fé é uma
resposta do homem à palavra da Revelação Divina. O milagre ocorre em união
orgânica com esta Palavra de Deus que se revela. É um “sinal” da sua presença e
da sua obra, um sinal, podemos dizer, particularmente intenso. Todo isto explica
de modo suficiente o vínculo particular que existe entre os “milagres-sinais” de
Cristo e a fé: vínculo delineado tão claramente nos Evangelhos.
2. Com efeito, há nos Evangelhos uma
larga série de textos nos quais o chamado à fé aparece como um coeficiente indispensável
e sistemático dos milagres de Cristo.
No início desta série é preciso
nomear as páginas a respeito da Mãe de Cristo, com seu
comportamento em Caná da Galileia e, antes ainda e sobretudo, no momento da
Anunciação. Poderíamos dizer que precisamente aqui se encontra o ponto culminante
da sua adesão à fé, que encontrará sua confirmação nas palavras de Isabel
durante a Visitação: “Bem-aventurada aquela que acreditou, porque se cumprirá o
que se lhe foi dito da parte do Senhor” (Lc 1,45). Sim, Maria acreditou
como nenhuma outra pessoa, estando convencida de que “para Deus nada é impossível”
(Lc 1,37).
E em Caná da Galileia sua
fé antecipou, em certo sentido, a hora da revelação de Cristo. Por sua intercessão
se realizou aquele primeiro milagre-sinal, graças ao qual os
discípulos de Jesus “creram n’Ele” (Jo 2,11). Se o Concílio
Vaticano II ensina que Maria precede constantemente o povo de Deus pelos caminhos
da fé (cf. Lumen gentium, nn. 58.63; Encíclica Redemptoris
Mater, nn. 5-6), podemos dizer que o primeiro fundamento dessa afirmação se
encontra já no Evangelho, que refere os “milagres-sinais” em Maria e por Maria
em ordem ao chamado à fé.
3. Este chamado se repete
muitas vezes... Ao chefe da sinagoga, Jairo, que tinha vindo suplicar que
sua filha voltasse à vida, Jesus diz: “Não tenhas medo, crê somente”
(Mc 5,36). Diz “não tenhas medo” porque alguns desaconselhavam
Jairo ir a Jesus.
Quando o pai do epiléptico pede a
cura do seu filho, dizendo: “Se pode fazer alguma coisa... ajuda-nos”, Jesus lhe
responde: “Se podes... Tudo é possível para aquele que crê”. Tem
lugar então o belo ato de fé em Cristo daquele homem provado: “Eu creio,
mas vem em socorro à minha falta de fé” (Mc 9,22-24).
Recordemos, por fim, o diálogo bem
conhecido de Jesus com Marta antes da ressurreição de Lázaro: “Eu sou a ressurreição
e a vida... Crês isto? (...) Sim, Senhor, eu creio...”
(Jo 11,25-27).
4. O mesmo vínculo entre o “milagre-sinal”
e a fé é confirmado por oposição com outros atos de sinal negativo.
Recordemos alguns. No Evangelho de Marcos lemos que, em Nazaré, Jesus “não
conseguia fazer nenhum milagre, apenas curou uns poucos enfermos, impondo-lhes as
mãos. E admirava-se da incredulidade deles” (Mc 6,5-6).
Conhecemos as delicada repreensão que
Jesus dirigiu uma vez a Pedro: “Homem fraco na fé, por que duvidaste?”. Isto aconteceu
quando Pedro, que a princípio caminhava corajosamente sobre as ondas em direção
a Jesus, ao ser sacudido pela violência do vento, se assustou e começou a afundar
(cf. Mt 14,29-31).
5. Jesus enfatiza mais de uma vez
que os milagres que Ele realiza estão vinculados à fé. “Tua fé te salvou”,
diz à mulher que sofria de hemorragias há doze anos e que, aproximando-se por
detrás d’Ele, lhe tocou a borla do manto e ficou curada (cf. Mt 9,20-22;
Lc 8,48; Mc 5,34).
Jesus pronuncia palavras semelhantes
quando cura o cego Bartimeu, que, na saída de Jericó, pedia com insistência sua
ajuda, gritando: “Jesus, Filho de Davi, tem compaixão de mim!” (cf. Mc 10,46-52).
Segundo Marcos, Jesus lhe responde: “Vai, tua fé te salvou”. E Lucas precisa a
resposta: “Vê! A tua fé te salvou” (Lc 18,42).
Uma declaração idêntica Ele faz ao
samaritano curado da lepra (Lc 17,19). Enquanto aos
dois cegos que pediam a recuperação da vista, Jesus pergunta: “Acreditais
que Eu posso fazer isso?”. “Sim, Senhor”. “Faça-se conforme a vossa fé” (Mt 9,28-29).
6. Particularmente tocante é o episódio
da mulher cananeia, que não cessava de pedir a ajuda de Jesus
para sua filha “cruelmente atormentada por um demônio”. Quando a cananeia se prostrou
diante de Jesus para implorar sua ajuda, Ele respondeu: “Não fica bem tirar o
pão dos filhos para jogá-lo aos cachorrinhos” (Era uma referência à diversidade
étnica entre israelitas e cananeus que Jesus, Filho de Davi, não podia ignorar
em seu comportamento prático, mas à qual alude em função metodológica para provocar
a fé). E aqui a mulher chega intuitivamente a um ato insólito de fé e de
humildade. Diz: “É verdade, Senhor; mas os cachorrinhos também comem as migalhas que
caem da mesa de seus donos”. Diante desta resposta tão humilde, elegante e confiante,
Jesus replica: “Mulher, grande é tua fé! Como queres, te seja feito!” (Mt 15,21-28).
É um acontecimento difícil de esquecer,
sobretudo se pensamos nos inumeráveis “cananeus” de todo tempo, país, cor e
condição social, que estendem a mão para pedir compreensão e ajuda em suas
necessidades!
7. Notemos como na narração
evangélica é posto continuamente em destaque o fato de que Jesus, quando “vê a
fé”, realiza o milagre. Isto é dito claramente no caso do paralítico baixado aos
seus pés através de uma abertura feita no teto (cf. Mc 2,5; Mt 9,2;
Lc 5,20). Mas essa observação pode ser feita em tantos outros casos
registrados pelos evangelistas. O fator “fé” é indispensável; mas, apenas se
verifica, o Coração de Jesus se projeta a atender os pedidos dos necessitados
que se dirigem a Ele para que os socorra com seu poder divino.
8. Mais uma vez constatamos que,
como dissemos no início, o milagre é um “sinal” do poder
e do amor de Deus que salvam o homem em Cristo. Mas, precisamente por isto, é
ao mesmo tempo um chamado do homem à fé. Deve levar a crer seja o destinatário
do milagre, seja aos suas testemunhas.
Isto vale para os próprios Apóstolos, desde o primeiro “sinal” realizado por Jesus em Caná da Galileia;
foi então quando “creram n’Ele” (Jo 2,11). Quando, mais tarde, tem
lugar a multiplicação milagrosa dos pães próximo a Cafarnaum, à qual
está ligado o anúncio da Eucaristia, o evangelista nota que “a partir desse
momento, muitos discípulos se afastaram e não mais andavam com Ele”, porque não
estavam em condições de acolher uma linguagem que lhes parecia demasiado “dura”.
Então Jesus perguntou aos Doze: “Vós também quereis ir embora?”. Pedro
respondeu: “A quem iremos, Senhor? Tu tens palavras de vida eterna. Nós cremos e
sabemos firmemente que Tu és o Santo de Deus” (Jo 6,66-69). Assim,
pois, o princípio da fé é fundamental na relação com Cristo, seja como condição
para obter o milagre, seja como objetivo pelo qual esse é realizado. Isto fica
bem claro no final do Evangelho de João, onde lemos: “Jesus fez diante
dos discípulos muitos outros sinais, que não estão escritos neste
livro. Estes, porém, foram escritos para que creiais que Jesus
é o Cristo, o Filho de Deus, e para que, crendo, tenhais a vida em seu nome” (Jo 20,30-31).
Bodas de Caná: “E seus discípulos creram n’Ele” (Jo 2,11) |
Tradução nossa a partir do texto
italiano divulgado no site da Santa Sé (09 de dezembro e 16 de dezembro de 1987).
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