Em sua 40ª Catequese sobre Jesus Cristo, o Papa São João Paulo II concluiu a seção dedicada aos milagres de Jesus.
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Catequeses do Papa João Paulo II sobre o Creio
CREIO EM JESUS CRISTO
40. Os milagres como sinais de
ordem sobrenatural
João Paulo II - 13 de janeiro
de 1988
1. Falando dos milagres realizados
por Jesus durante sua missão na terra, Santo Agostinho os interpreta em um interessante
texto como sinais do poder e do amor salvífico e como estímulos para elevar-se
ao reino das coisas celestes.
“Os milagres que fez nosso Senhor Jesus
Cristo - escreve - são obras divinas que ensinam à mente humana a elevar-se acima
das coisas visíveis, para compreender quem é Deus” (In Iohannis Evangelium
Tractatus 24, 1).
2. A este pensamento podemos nos
referir ao reafirmar o estrito vínculo dos “milagres-sinais” realizados por Jesus
com o chamado à fé. Com efeito, tais milagres demostravam a existência
da ordem sobrenatural, que é objeto da fé. A quem os observava e, particularmente,
a quem os experimentava pessoalmente, esses milagres fizeram-lhes constatar que
a ordem da natureza não esgota toda a realidade. O universo em que vive o homem
não está encerrado apenas no quadro da ordem das coisas accessíveis aos
sentidos e ao próprio intelecto condicionado pelo conhecimento sensível. O milagre
é “sinal” de que esta ordem é superada pela “força do alto”, e, portanto,
também está sujeita a ela. Esta “força do alto” (Lc 24,49),
isto é, o próprio Deus, está acima de toda a ordem da natureza. Ele dirige essa
ordem natural e, ao mesmo tempo, dá a conhecer que - mediante esta ordem e acima
dela - o destino do homem é o reino de Deus. Os milagres de Cristo
são “sinais” desse reino.
Ressurreição de Lázaro |
3. Os milagres, no entanto, não
estão em contraposição com as forças e as leis da natureza, mas
comportam apenas certa “suspensão” experimentável da sua função ordinária, não
sua anulação. Com efeito, os milagres descritos no Evangelho indicam a existência
de um Poder que supera as forças e as leis da natureza, mas que, ao mesmo tempo, atua
em sintonia com as exigências da própria natureza, ainda que acima da sua atual
capacidade normal. Não é isso que acontece, por exemplo, em toda cura milagrosa?
A potencialidade das forças da natureza é ativada pela intervenção divina, que a
estende para além da esfera da sua possibilidade normal de ação. Isto não elimina
nem frustra a causalidade que Deus comunicou às coisas na criação, nem viola as
“leis naturais” que Ele mesmo estabeleceu e inscreveu na estrutura do criação, mas
exalta e, de certo modo, enobrece a capacidade de agir ou então de receber os
efeitos da operação do outro, como precisamente acontece nas curas descritas pelo
Evangelho.
4. A verdade sobre a criação é a primeira
e fundamental verdade da nossa fé. No entanto, não é a única nem a suprema. A fé
nos ensina que a obra da criação está encerrada no âmbito do desígnio de Deus,
que com o seu entendimento chega muito além dos limites da própria criação. A criação -
particularmente a criatura humana chamada à existência no mundo visível - está
aberta a um destino eterno, que foi revelado plenamente em Jesus Cristo. Também
n’Ele a obra da criação é completada pela obra da salvação. E a salvação significa
uma nova criação (cf. 2Cor 5,17; Gl 6,15),
uma “criação ex novo”, uma criação à medida do desígnio originário do Criador,
um restabelecimento do que Deus havia feito e que na história do homem havia sofrido
a “convulsão” e a “corrupção” como consequências do pecado.
Os milagres de Cristo entram
no projeto da “nova criação” e estão, pois, vinculados à ordem da salvação.
Eles são “sinais” salvíficos que chamam à conversão e à fé e, nesta linha, à
renovação do mundo submetido à “corrupção” (cf. Rm 8,19-21).
Eles, portanto, não se detêm na ordem ontológica da criação (“creatio”),
que também afetam e restauram, mas entram na ordem soteriológica da nova criação
(“re-creatio totius universi”), da qual são coeficientes e da qual, como
“sinais”, dão testemunho.
5. A ordem soteriológica tem sua “pedra
angular” na Encarnação; e também os “milagres-sinais” dos quais falam os Evangelhos
encontram seu fundamento na mesma realidade do Homem-Deus. Esta
realidade-mistério abrange e supera todos os acontecimentos milagrosos conectados
com a missão messiânica de Cristo. Podemos dizer que a Encarnação é o “milagre
dos milagres”, o “milagre” radical e permanente da nova ordem da criação. O
ingresso de Deus na dimensão da criação ocorre na realidade da Encarnação de
modo único e, aos olhos da fé, se torna um “sinal” incomparavelmente superior a
todos os outros “sinais” milagrosos da presença e da ação divinas no mundo. Mais
ainda, todos esses outros “sinais” têm sua raiz na realidade da
Encarnação, irradiam sua força atrativa, dão testemunho dela. Eles fazem
todos os crentes repetir o que escreve o evangelista João no final do Prólogo
sobre a Encarnação: “Nós contemplamos a sua glória, glória como do Unigênito
do Pai, cheio de graça e de verdade” (Jo 1,14).
6. Se a Encarnação é o sinal
fundamental ao qual estão ligados todos os “sinais” que dão testemunho aos
discípulos e à humanidade de que “já chegou... o reino de Deus” (Lc 11,20),
há também um sinal último e definitivo, ao qual alude Jesus, referindo-se
ao profeta Jonas: “Como Jonas esteve três dias e três noites no ventre da
baleia, assim também o Filho do homem estará três dias e três noites no seio da
terra” (Mt 12,40): é o “sinal” da Ressurreição.
Jesus prepara os Apóstolos para
este “sinal” definitivo, mas o faz gradualmente e com tato, recomendando-lhes
discrição “até certo tempo”. Uma alusão particularmente clara tem
lugar depois da transfiguração sobre o monte: “Ao descerem da montanha, Jesus
ordenou-lhes que não contassem a ninguém o que tinham visto, até quando o Filho
do homem ressuscitasse dentre os mortos” (Mc 9,9). Poderíamos nos perguntar
o porquê dessa gradualidade. Podemos responder que Jesus sabia bem como se complicariam
as coisas se os Apóstolos e os demais discípulos tivessem começado a discutir
sobre a Ressurreição, para cuja compreensão não estavam suficientemente preparados,
como transparece no comentário do próprio evangelista sobre a recomendação que
ouvimos: “Eles guardaram para si o que foi dito, mas discutiam sobre o que significaria
esse ‘ressuscitar dos mortos’” (v. 10). Além disso, podemos dizer que a Ressurreição
dos mortos, embora anunciada uma e outra vez, estava no cume daquela espécie de
“secreto messiânico” que Jesus quis manter ao longo de todo o desenvolvimento da
sua vida e da sua missão, até o momento do cumprimento e da revelação finais, que
tiveram lugar precisamente com o “milagre dos milagres”, a Ressurreição, que,
segundo São Paulo, é o fundamento da nossa fé (cf. 1Cor 15,12-19).
7. Depois da Ressurreição, da
Ascensão e do Pentecostes, os “milagres-sinais” realizados por Cristo são
“continuados”, se “prolongam” através dos Apóstolos e,
depois, através dos santos que se sucederam de geração em geração. Os Atos dos
Apóstolos nos oferecem numerosos testemunhos sobre os milagres realizados “em
nome de Jesus Cristo” por Pedro (cf. At 3,1-8; 5,15; 9,32-41),
Estêvão (At 6,8), Paulo (At 14,8-10)... A vida dos
santos, a história da Igreja e, em particular, os processos conduzidos para as
causas de canonização dos Servos de Deus constituem uma documentação que, submetida
ao escrutínio - inclusive o mais severo - da crítica histórica e da ciência
médica, confirma a existência da “força do alto” que atua
na ordem da natureza e a supera. Trata-se de “sinais” milagrosos realizados
desde os tempos apostólicos até hoje, cujo objetivo essencial é dar a conhecer o
destino e a vocação do homem ao reino de Deus.
Assim, mediante esses “sinais”, se
confirma nos diversos tempos e nas mais várias circunstâncias a verdade
do Evangelho e se demonstra o poder salvífico de
Cristo, que não cessa de chamar os homens (através da Igreja) ao caminho da fé.
Este poder salvífico do Deus-Homem se manifesta também quando os “milagres-sinais”
são realizados por intercessão dos homens, dos santos, dos devotos,
assim como o primeiro “sinal” em Caná da Galileia foi realizado pela intercessão
da Mãe de Cristo.
Jesus caminha sobre as águas (Julius Sergius von Klever) |
Tradução nossa a partir do texto italiano
divulgado no site da Santa Sé (13 de janeiro de 1988).
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