Em sua 27ª Catequese sobre Jesus Cristo, o Papa São João Paulo II prossegue a reflexão sobre Jesus Cristo como “verdadeiro Deus”.
Confira a postagem que serve de introdução a essa série, com os links para todas as Catequeses, clicando aqui.
Catequeses do Papa João Paulo II sobre o Creio
CREIO EM JESUS CRISTO
27. Jesus Cristo refere a si mesmo
os atributos divinos
João Paulo II - 09 de setembro
de 1987
1. O ciclo das Catequeses sobre Jesus
Cristo tem como centro a realidade revelada do Deus-Homem. Jesus
Cristo é verdadeiro Deus e verdadeiro homem: é a realidade expressa coerentemente
na verdade da unidade inseparável da pessoa de Cristo. Não podemos
tratar desta verdade de modo desarticulado nem, muito menos, separando um
aspecto do outro. No entanto, devido ao caráter analítico e progressivo do conhecimento
humano e, em parte, também pelo modo de propor esta verdade, que encontramos na
própria fonte da Revelação - sobretudo a Sagrada Escritura -, devemos buscar
indicar aqui, em primeiro lugar, o que demonstra a divindade, e então o que demonstra
a humanidade do único Cristo.
“Eu sou o caminho, a verdade e a vida” (Cristo Pantocrator - Abadia de Maria Laach, Alemanha) |
2. Jesus Cristo é verdadeiro
Deus. É Deus-Filho, consubstancial ao Pai (e ao Espírito Santo). Na
expressão “Eu sou”, que Jesus Cristo utiliza ao referir-se à sua pessoa,
encontramos um eco do nome com o qual Deus manifestou a si mesmo falando a
Moisés (cf. Ex 3,14). Visto que Cristo aplica a si mesmo
esse “Eu sou” (cf. Jo 13,19), convém recordar que este
nome define Deus não só como Absoluto (existência em si do Ser
por si mesmo), mas também como Aquele que estabeleceu a Aliança com Abraão e
com a sua descendência e que, em virtude da aliança, envia Moisés para libertar
Israel (isto é, os descendentes de Abraão) da escravidão do Egito. Assim, pois,
aquele “Eu sou” contém em si também um significado soteriológico: fala
do Deus da aliança que está com o homem (e com Israel) para salvá-lo. Indiretamente
fala do Emmanuel (cf. Is 7,14), o “Deus conosco”.
3. O “Eu sou” de Cristo (sobretudo
no Evangelho de João) deve ser entendido do mesmo modo. Sem dúvida
indica a Preexistência divina do Verbo-Filho (da qual falamos na Catequese anterior),
mas, ao mesmo tempo, refere-se ao cumprimento da profecia de Isaías sobre o Emmanuel,
o “Deus conosco”. “Eu sou” significa, pois - tanto no Evangelho de João
como nos Evangelhos Sinóticos -, também “Eu estou convosco” (cf. Mt 28,20).
“Saí do Pai e vim ao mundo” (Jo 16,28) para “procurar e salvar o
que estava perdido” (Lc 19,10). A verdade sobre a salvação (a
soteriologia), presente já no Antigo Testamento na revelação do nome de Deus, é
reconfirmada e expressa plenamente pela autorrevelação de Deus em Jesus
Cristo. Precisamente neste sentido o “Filho do homem” é verdadeiro Deus: Filho
da mesma natureza do Pai, que quis estar “conosco” para salvar-nos.
4. Devemos ter sempre presentes
estas considerações preliminares quando buscamos “extrair” do Evangelho tudo o
que revela a divindade de Cristo. Eis algumas passagens evangélicas importantes
nesta perspectiva: antes de tudo, o último diálogo do Mestre com os Apóstolos, na
véspera da Paixão, quando fala da “casa do Pai”, na qual Ele vai preparar-lhes
um lugar (cf. Jo 14,1-3). A Tomé que lhe pergunta sobre o
caminho, Jesus responde: “Eu sou o caminho, a verdade e a vida”. Jesus é o caminho
porque ninguém vai ao Pai senão por meio d’Ele (v. 6). Mais ainda: quem o vê, vê
o Pai (v. 9). “Não crês que Eu estou no Pai e que o Pai está em mim?” (v. 10).
É bastante fácil dar-se conta de
que, nesse contexto, proclamar-se “verdade” e “vida” equivale a referir a si mesmo
atributos próprios do Ser divino: Ser-Verdade, Ser-Vida.
No dia seguinte Jesus dirá a
Pilatos: “Eu nasci e vim ao mundo para isto: para dar testemunho da verdade” (Jo
18,37). O testemunho da verdade pode ser dardo pelo homem, mas “ser
a verdade” é um atributo exclusivamente divino. Quando Jesus, enquanto
verdadeiro homem, dá testemunho da verdade, tal testemunho tem sua fonte no fato
de que Ele mesmo “é a verdade” na subsistente verdade de Deus: “Eu
sou... a verdade”. Por isso Ele pode dizer também que é “a luz do mundo”,
e assim quem o segue “não caminha na escuridão, mas terá a luz da vida” (Jo 8,12).
5. De maneira análoga, isso vale
também para a outra palavra de Jesus: “Eu sou... a vida”. O homem, que é uma
criatura, pode “ter” vida, a pode inclusive “dar”, assim como Cristo “dá” a sua
vida pela salvação do mundo (cf. Mc 10,45 e paralelos). Quando
Jesus fala deste “dar a vida”, se expressa como verdadeiro homem. Mas Ele
“é a vida” porque é verdadeiro Deus. Ele mesmo o afirma antes
de ressuscitar Lázaro, quando diz à irmã do defunto, Marta: “Eu sou a ressurreição
e a vida” (Jo 11,25). Na Ressurreição Ele confirmará
definitivamente que a vida que possui como Filho do homem não está submetida à
morte, porque Ele é a vida e, portanto, é Deus.
Sendo a Vida, Ele pode comunicá-la também aos outros: “Quem crê em mim, ainda que
tenha morrido, viverá” (Jo 11,25). Cristo também pode tornar-se, na
Eucaristia, “pão da vida” (Jo 6,35.48), “pão vivo que desceu do céu”
(v. 51). Também neste sentido Cristo se compara à videira, a qual
vivifica os ramos nela enxertados (cf. Jo 15,1), ou seja, todos aqueles
que fazem parte do seu Corpo místico.
6. A estas expressões tão
transparentes sobre o mistério da divindade escondida no “Filho do homem”,
podemos acrescentar alguma outra, onde o mesmo conceito é revestido de imagens pertencentes
já ao Antigo Testamento, especialmente aos Profetas, e que Jesus atribui a si mesmo.
É o caso, por exemplo, da imagem
do pastor. É bem conhecida a parábola do Bom Pastor, na que Jesus fala
de si mesmo e da sua missão salvífica: “Eu sou o bom pastor. O bom pastor dá sua
vida pelas ovelhas” (Jo 10,11). No Livro de Ezequiel lemos:
“Pois assim fala o Senhor Deus: Eu mesmo buscarei minhas ovelhas e delas tomarei
conta. (...). Eu mesmo apascentarei minhas ovelhas e as farei repousar... Procurarei
a ovelha perdida, reconduzirei a desgarrada, enfaixarei a quebrada, fortalecerei
a doente... Vou apascentá-las conforme o direito” (Ez 34,11.15-16).
“E vós, minhas ovelhas, ovelhas de minha pastagem, e Eu sou o vosso
Deus” (v. 31). Uma imagem parecida a encontramos também em Jeremias (cf.
Jr 23,3).
7. Falando de si mesmo como Bom
Pastor, Cristo indica a sua missão redentora - “Eu dou minha vida pelas ovelhas”
(Jo 10,15); ao mesmo tempo, dirigindo-se aos ouvintes que conheciam as
profecias de Ezequiel e de Jeremias, indica com bastante clareza sua
identidade com Aquele que, no Antigo Testamento, havia falado de si mesmo
como um pastor dedicado, declarando: “Eu sou o vosso Deus” (Ez 34,31).
No ensinamento dos profetas, o Deus
da Antiga Aliança havia se apresentado também como o Esposo de Israel, seu povo:
“Pois teu esposo é o teu criador, Senhor dos exércitos é o seu nome! Quem
te resgatará é o Santo de Israel” (Is 54,5; cf. também Os 2,21-22).
Em seu ensinamento Jesus faz várias vezes referência a esta imagem (cf. Mc 2,19-20; Mt 25,1-12; Lc 12,36;
Jo 3,27-29). Esta será depois desenvolvida por São Paulo, que em suas
Cartas apresenta Cristo como o Esposo da sua Igreja (cf.
Ef 5,25-29).
8. Todas estas expressões, e outras
similares, usadas por Jesus no seu ensinamento, adquirem todo o seu significado
se as relemos no contexto do que Ele fazia e dizia. Essas expressões
constituem as “unidades temáticas” que, no presente ciclo das Catequeses sobre Jesus
Cristo, devem estar constantemente unidas ao conjunto das meditações sobre o Homem-Deus.
Cristo: verdadeiro Deus e verdadeiro
homem. “Eu sou” como nome de Deus indica a Essência divina, cujas propriedades
ou atributos são: a Verdade, a Luz, a Vida,
e também aquilo que se exprime mediante as imagens do Bom Pastor e
do Esposo. Aquele que disse de si mesmo: “Eu sou aquele que sou” (Ex 3,14),
se apresentou também como o Deus da Aliança, como o Criador e também
como o Redentor, como o Emmanuel: Deus que salva. Tudo isto se
confirma e realiza na Encarnação de Jesus Cristo.
Jesus Cristo, o Bom Pastor (Catacumbas de Calisto, Roma - Século III) |
Tradução nossa a partir do texto
italiano divulgado no site da Santa Sé (09 de setembro de 1987).
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