quinta-feira, 17 de julho de 2025

Homilia do Papa: Missa pelo cuidado da criação (2025)

Missa pelo cuidado da criação
Homilia do Papa Leão XIV
Borgo Laudato si’, Castel Gandolfo
Quarta-feira, 09 de julho de 2025

Foi celebrada a nova Missa pelo cuidado da criação com suas leituras (Cl 1,15-20; Sl 103; Mt 8,23-27) [1].

Neste lindo dia, antes de tudo gostaria de convidar todos, começando por mim mesmo, a viver o que estamos celebrando na beleza de uma “catedral”, que poderíamos dizer “natural”, com as plantas e tantos elementos da criação que nos conduziram aqui para celebrar a Eucaristia, que significa: dar graças ao Senhor.

Há muitos motivos pelos quais queremos agradecer ao Senhor nesta Eucaristia: esta poderia ser a primeira celebração com o uso do novo formulário da Santa Missa pelo cuidado da criação, que é expressão do trabalho dos diferentes Dicastérios do Vaticano.

A título pessoal, agradeço a tantas pessoas aqui presentes, que trabalharam neste sentido para a Liturgia. Como sabeis, a Liturgia representa a vida e vós sois a vida deste Centro Laudato si’. Gostaria de vos agradecer neste momento, nesta ocasião, por tudo o que fazem seguindo esta belíssima inspiração do Papa Francisco, que deu esta pequena porção dos jardins precisamente para continuar a tão importante missão relacionada com tudo o que conhecemos após 10 anos da publicação da Laudato si’: a necessidade de cuidar da criação, da casa comum.


Aqui é como nas igrejas antigas dos primeiros séculos, que tinham uma pia batismal pela qual era preciso passar para entrar na igreja. Não gostaria de ser batizado nesta água, mas o símbolo de passar pela água para que todos sejamos lavados dos nossos pecados, das nossas fraquezas, e assim poder entrar no grande mistério da Igreja, é algo que vivemos também hoje. No início da Missa rezamos pela conversão, a nossa conversão. Gostaria de acrescentar que devemos rezar pela conversão de tantas pessoas, dentro e fora da Igreja, que ainda não reconhecem a urgência de cuidar da nossa casa comum.

Inúmeros desastres naturais que ainda vemos no mundo quase todos os dias em muitos lugares e em muitos países são em parte causados pelos excessos do ser humano, com o seu estilo de vida. Por isso, devemos nos perguntar se nós mesmos estamos vivendo ou não essa conversão: quanto ela é necessária!

Tendo dito tudo isto, tenham um pouco mais de paciência, pois tenho também uma homilia que preparei e que vou partilhar: há alguns elementos que realmente ajudam a continuar a reflexão desta manhã, compartilhando este momento familiar e sereno, em um mundo em chamas, tanto pelo aquecimento global quanto pelos conflitos armados, que tornam tão atual a mensagem do Papa Francisco nas suas Encíclicas Laudato si’ e Fratelli tutti. Podemos reconhecer-nos exatamente neste Evangelho que acabamos de ouvir (Mt 8,23-27), observando o medo dos discípulos no meio da tempestade, o mesmo medo de grande parte da humanidade. Todavia, no coração do Ano do Jubileu, nós confessamos, e podemos repeti-lo várias vezes: há esperança! Encontramo-la em Jesus. Mais uma vez, Ele acalma a tempestade. O seu poder não traz agitação, mas cria algo; não destrói, mas faz ser, dando nova vida. E também nós nos perguntamos: «Quem é este homem, que até os ventos e o mar lhe obedecem?» (v. 27).

A admiração que esta pergunta exprime é o primeiro passo que nos faz sair do medo. Jesus tinha vivido e rezado nos arredores do lago da Galileia. Ali, nos seus locais de vida e de trabalho, chamou os primeiros discípulos. As parábolas com que anunciava o Reino de Deus revelam uma profunda ligação com aquela terra e com aquelas águas, com o ritmo das estações e com a vida das criaturas.

O evangelista Mateus descreve a tempestade como uma “agitação da terra” (a palavra seismos): ele usará a mesma palavra para o terremoto no momento da Morte de Jesus e ao amanhecer da sua Ressurreição. Cristo se eleva, de pé, sobre esta agitação: já aqui o Evangelho nos faz perceber o Ressuscitado, presente na nossa história às avessas. A repreensão que Jesus dirige ao vento e ao mar manifesta o seu poder de vida e salvação, que supera aquelas forças diante das quais as criaturas se sentem perdidas.

Assim, voltemos a nos perguntar: « Quem é este homem, que até os ventos e o mar lhe obedecem?» (Mt 8,27). O hino que ouvimos da Carta aos Colossenses (Cl 1,15-20) parece responder precisamente a esta pergunta: Ele «é a imagem do Deus invisível, o primogênito de toda a criação, pois por causa d’Ele foram criadas todas as coisas no céu e na terra» (vv. 15-16). Naquele dia, os seus discípulos, à mercê da tempestade e dominados pelo medo, ainda não podiam professar este conhecimento sobre Jesus. Hoje, na fé que nos foi transmitida, podemos continuar: «Ele é a Cabeça do corpo, isto é, da Igreja. Ele é o princípio, o primogênito dentre os mortos; de sorte que em tudo Ele tem a primazia» (v. 18). Essas são palavras que nos comprometem ao longo da história, que fazem de nós um corpo vivo, o corpo do qual Cristo é cabeça. A nossa missão de cuidar a criação, de levar-lhe paz e reconciliação, é a sua própria missão: a missão que o Senhor nos confiou. Nós ouvimos o clamor da terra, nós ouvimos o clamor dos pobres porque esse clamor chegou ao coração de Deus. A nossa indignação é a sua indignação e o nosso trabalho é o seu trabalho.

O canto do salmista inspira-nos a este respeito: «Eis a voz do Senhor sobre as águas, sua voz sobre as águas imensas! Eis a voz do Senhor com poder! Eis a voz do Senhor majestosa, sua voz no trovão reboando!» (Sl 28,3-4). Esta voz compromete a Igreja com a profecia, mesmo quando exige a audácia de nos opormos ao poder destrutivo dos príncipes deste mundo. Com efeito, a aliança indestrutível entre o Criador e as criaturas move a nossa inteligência e os nossos esforços para que o mal se transforme em bem, a injustiça em justiça e a ganância em comunhão.

O único Deus criou todas as coisas com amor infinito e deu-nos a vida: por esta razão, São Francisco de Assis chama as criaturas de irmão, irmã e mãe. Somente um olhar contemplativo pode mudar a nossa relação com as coisas criadas e tirar-nos da crise ecológica que, devido ao pecado, tem como causa a ruptura das relações com Deus, com o próximo e com a terra (cf. Laudato si’, n. 66).

Caríssimos irmãos e irmãs, o Borgo Laudato si’, onde nos encontramos, pretende ser, por intuição do Papa Francisco, um “laboratório” onde é possível viver aquela harmonia com a criação que é cura e reconciliação para nós, elaborando novas e eficazes formas de cuidar da natureza que nos foi confiada. Portanto, a todos vós, que vos dedicais com empenho à realização deste projeto, asseguro a minha oração e o meu encorajamento.

A Eucaristia que estamos celebrando dá sentido e sustenta o nosso trabalho. Assim, como escreve o Papa Francisco, «a criação encontra a sua maior elevação na Eucaristia. A graça, que tende a manifestar-se de modo sensível, atinge uma expressão maravilhosa quando o próprio Deus, feito homem, chega ao ponto de fazer-se comer pela sua criatura. No apogeu do mistério da Encarnação, o Senhor quer chegar ao nosso íntimo através de um pedaço de matéria. Não o faz de cima, mas de dentro, para podermos encontrá-lo no nosso próprio mundo» (Laudato si’, n. 236). Sendo assim, a partir deste lugar, desejo concluir estes pensamentos confiando-vos as palavras com que Santo Agostinho, nas últimas páginas das suas Confissões, associa as coisas criadas e o homem em um louvor cósmico: ó Senhor, «tuas obras te louvam para que te amemos. E nós te amamos para que tuas obras te louvem» (Confissões, XIII, 33,48). Que seja esta a harmonia que transmitimos ao mundo.


Fonte: Santa Sé.

[1] A leitura (Cl 1,15-20) e o Evangelho (Mt 8,23-27) foram citados pelo Papa em sua homilia O salmo (Sl 103), por sua vez, consta em um breve vídeo divulgado pela Santa Sé. O outro salmo proposto (Sl 18), ademais, foi adaptado como canto de entrada.

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