No ano de 2016, durante um retiro para sacerdotes, o Papa Francisco recomendou a leitura da Encíclica Haurietis Aquas, do Papa Pio XII, sobre o culto do Sagrado Coração de Jesus: "Fará bem a nós ler esta semana ou amanhã Haurietis aquas… Mas é pré-conciliar! Sim, mas faz bem! Pode-se ler, nos fará muito bem!".
Atendendo a recomendação do Papa, segue o texto integral da Encíclica:
Papa Pio XII
Carta Encíclica Haurietis
Aquas
Sobre
o culto do Sagrado Coração de Jesus
Introdução: Admirável desenvolvimento do Culto do Coração Sacratíssimo de Jesus
nos Tempos Modernos
1. "Haurireis águas com gáudio das fontes do Salvador" (Is 12,3). Essas palavras, com que o profeta Isaías prefigurava os múltiplos e
abundantes bens que os tempos cristãos haveriam de trazer, acodem-nos
espontaneamente ao espírito ao completar-se a primeira centúria desde que o
nosso predecessor de imperecível memória Pio IX, correspondendo aos desejos do
orbe católico, ordenou que se celebrasse na Igreja universal a festa do
Sacratíssimo Coração de Jesus.
2. Inumeráveis são as riquezas celestiais que nas almas dos fiéis
infunde o culto tributado ao sagrado coração, purificando-os, enchendo-os de
consolações sobrenaturais, e excitando-os a alcançar toda sorte de virtudes.
Portanto, tendo presentes as palavras do apóstolo são Tiago. "Toda dádiva
preciosa e todo dom perfeito vem do alto e desce do Pai das luzes" (Tg 1,17), neste culto, que cada vez mais se incende e se estende por toda parte, com
toda razão, podemos considerar o inapreciável dom que o Verbo encarnado e
salvador nosso, como único mediador da graça e da verdade entre o Pai celestial
e o gênero humano, concedeu à sua mística esposa nestes últimos séculos, em que
ela teve de suportar tantos trabalhos e dificuldades. Assim, pois, gozando
deste inestimável dom, pode a Igreja manifestar mais amplamente o seu amor ao
divino Fundador, e cumprir mais fielmente a exortação que o evangelista são
João põe na boca do próprio Jesus Cristo: "No último dia da festa, que é o
mais solene, Jesus pôs-se em pé, e em voz alta dizia: Se alguém tem sede, venha
a mim, e beba quem crê em mim. Do seu seio, como diz a Escritura, manarão rios
de água viva. Isto o disse pelo Espírito que haveriam de receber os que nele
cressem" (Jo 7,37-39). Ora, aos que escutavam essas palavras
de Jesus, pelas quais ele prometia que do seu seio haveria de manar uma fonte
"de água viva", certamente não lhes era difícil relacioná-las com os
vaticínios com que Isaías, Ezequiel e Zacarias profetizavam o reino do Messias,
e com a simbólica pedra que, golpeada por Moisés, de maneira milagrosa haveria
de jorrar água (cf. Is 12,3; Ez 47,1-12; Zc 13,1; Ex 17,1-7; Nm 20,7-13; 1Cor 10,4; Ap 7,17; 22,1).
3. A caridade divina tem a sua primeira origem no Espírito Santo, que é
o amor pessoal, assim do Pai como do Filho, no seio da Trindade augusta. Com
sobradíssima razão, pois, o apóstolo das gentes, como que fazendo-se eco das
palavras de Jesus Cristo, atribui a esse Espírito de amor a efusão da caridade
nas almas dos crentes: "A caridade de Deus foi derramada nos nossos
corações por meio do Espírito Santo, que nos foi dado" (Rm 5,5).
4. Este estreito vínculo que segundo a Sagrada Escritura, existe entre o
Espírito Santo, que é amor por essência, e a caridade divina, que deve
acender-se cada vez mais na alma dos fiéis, demonstra abundantemente a todos
nós, veneráveis irmãos, a natureza íntima do culto que se deve tributar ao
coração de Jesus Cristo. Com efeito, se lhe considerarmos a natureza
particular, manifesto é que este culto é um ato de religião excelentíssimo,
visto exigir de nós uma plena e inteira vontade de entrega e consagração ao
amor do divino Redentor, do qual é sinal e símbolo vivo o seu coração
traspassado. Consta igualmente, e em sentido ainda mais profundo, que este
culto aprofunda a correspondência do nosso amor ao amor divino. Pois só em
virtude da caridade se obtém que os homens se submetam mais perfeita e
inteiramente ao domínio de Deus, já que o nosso amor de tal maneira se apega à
divina vontade, que vem a fazer-se uma coisa só com ela, consoante aquelas
palavras: "Quem está unido ao Senhor é com ele um mesmo espírito" (1Cor 6,17).
I. Fundamentos e prefigurações do Culto ao Sagrado Coração de
Jesus no Antigo Testamento
1) Incompreensão da verdadeira natureza do culto ao Coração Sacratíssimo
de Jesus por parte de alguns cristãos
5. Conquanto a Igreja em tão grande estima tenha tido sempre e ainda
tenha o culto do sacratíssimo coração de Jesus, a ponto de se empenhar em
fomentá-lo e propagá-lo por toda parte entre o povo cristão, e conquanto se
esforce diligentemente por defendê-lo contra o "naturalismo" e o
"sentimentalismo", todavia é muito doloroso verificar que, no passado
e em nossos dias, alguns cristãos não têm este nobilíssimo culto na honra e
estima devidas, e às vezes não o têm nem mesmo aqueles que se dizem animados de
zelo sincero pela religião católica e pela própria perfeição.
6. "Se conhecesses o dom de Deus" (Jo 4,10).
Servimo-nos dessas palavras veneráveis irmãos, nós, que por disposição divina
fomos constituídos guardas e dispensadores do tesouro da fé e da religião que o
divino Redentor entregou à sua Igreja, para admoestar todos aqueles dos nossos
filhos que, apesar de, vencendo a indiferença e os erros humanos, já haver o
culto do sagrado coração de Jesus penetrado no seu corpo místico, ainda abrigam
preconceitos para com ele, e chegam até a reputá-lo menos adaptado, para não
dizer nocivo, às necessidades espirituais mais urgentes da Igreja e da
humanidade na hora presente. Porque não falta quem, confundindo ou equiparando
a índole primária deste culto com as diversas formas de devoção que a Igreja
aprova e favorece, mas não prescreve, o tem como um acréscimo que cada um pode
praticar à vontade, e alguns há também que consideram oneroso este culto, e
mesmo de nenhuma ou pouca utilidade, especialmente para os militantes do reino
de Deus, empenhados em consagrar o melhor das suas energias, dos seus recursos
e do seu tempo à defesa da verdade católica, para ensiná-la e propagá-la, e para
difundir a doutrina social católica, fomentando práticas religiosas e obras por
eles julgadas mais necessárias nos nossos dias. Por último, há quem creia que
este culto, longe de ser um poderoso meio para estabelecer e renovar os
costumes cristãos na vida individual e familiar, é antes uma devoção sensível
não enformada em altos pensamentos e afetos, e, portanto, mais própria para
mulheres do que para pessoas cultas.
7. Outros, finalmente, ao considerarem que esta devoção pede penitência,
expiação e outras virtudes, sobretudo as que se chamam "passivas",
por não produzirem frutos externos; não a julgam a propósito para reacender a
piedade, a qual deve tender cada vez mais à ação intensa, encaminhada ao
triunfo da fé católica e à valente defesa dos costumes cristãos, os quais hoje,
como todos sabem, se vêm facilmente infectados pelo indiferentismo, que não
reconhece nenhum critério para distinguir o verdadeiro do falso no modo de
pensar e de agir, e, assim, se veem lamentavelmente alheados pelos princípios
do materialismo ateu e do laicismo.
2) Estima e bênção dos Sumos Pontífices ao culto do Sagrado Coração
de Jesus
8. Quem não vê, veneráveis irmãos, quão alheias são essas opiniões do
sentir dos nossos predecessores, que desta cátedra de verdade publicamente
aprovaram o culto do sacratíssimo coração de Jesus? Quem ousará chamar inútil
ou menos acomodada aos nossos tempos esta devoção que o nosso predecessor de
imperecível memória Leão XIII chamou de "estimadíssima prática
religiosa", e na qual viu um poderoso remédio para os próprios males que,
nos nossos dias de maneira mais aguda e com mais extensão, afligem os
indivíduos e a sociedade? "Esta devoção - dizia ele - que a todos
recomendamos, a todos será de proveito". E acrescentava estes avisos e
exortações que também se referem à devoção ao sagrado coração: "Daí a
violência dos males que, há tempo, estão como que implantados entre nós, e que
reclamam urgentemente busquemos a ajuda do único que tem poder para os afastar.
E quem pode ser este senão Jesus Cristo, o unigênito de Deus? Pois nenhum outro
nome foi dado aos homens sob o céu no qual devamos salvar-nos" (At 4,12).
"Cumpre recorrer a ele, que é caminho, verdade e vida" [1].
9. Nem menos dignos de aprovação e adequado para fomentar a piedade
cristã julgou-o o nosso imediato predecessor, de feliz memória, Pio XI, que, na
sua encíclica "Miserentissimus Redemptor", escrevia: "Acaso
não está contido nessa forma de devoção o compêndio de toda a religião, e mesmo
a norma de vida mais perfeita, como quer que ele guie mais suavemente as almas
para o profundo conhecimento de Cristo Senhor nosso, e com maior eficácia as
mova a amá-lo mais apaixonadamente e a imitá-lo mais de perto?" [2]. Nós, por nossa parte, com não menor agrado do que os nossos predecessores,
aprovamos e aceitamos essa sublime verdade; e, quando fomos elevado ao sumo
pontificado, ao contemplarmos o feliz e triunfal progresso do culto ao sagrado
coração de Jesus entre o povo cristão, sentimos o nosso ânimo cheio de alegria
e regozijamo-nos com os inúmeros frutos de salvação que ele havia produzido em
toda a Igreja, sentimentos que tivemos a satisfação de exprimir logo na nossa
primeira encíclica [3]. Através dos anos do nosso pontificado – cheios não só de calamidades e
angústias, como também de inefáveis consolações -, esses frutos não diminuíram
nem em número, nem em eficácia, nem em beleza, antes aumentaram. Com efeito,
iniciativas múltiplas e muito acomodadas às necessidades dos nossos tempos
surgiram para reacender este culto: referimo-nos às associações destinadas à
cultura intelectual e à promoção da religião e da beneficência; às publicações
de caráter histórico, ascético e místico encaminhadas a este mesmo fim; às
piedosas práticas de reparação e, de modo especial, às manifestações de
ardentíssima piedade que têm promovido o Apostolado da oração, a cujo zelo e
atividade se deve o se haverem famílias, colégios, instituições, e mesmo
algumas nações, consagrado ao sacratíssimo coração de Jesus; e não raras vezes,
por ocasião dessas manifestações de culto, mediante cartas, discursos e mesmo
radiomensagens temos expressado a nossa paternal complacência [4].
10. Portanto, ao vermos que
tamanha abundância de águas, quer dizer, de dons celestiais do supremo amor,
que têm brotado do sagrado coração do nosso Redentor, se derramam sobre
incontáveis filhos da Igreja católica por obra e inspiração do Espírito Santo,
não podemos, veneráveis irmãos, deixar de exortar-vos com ânimo paterno a que,
juntamente conosco, tributeis louvores e profundas ações de graças ao
dispensador de todos os bens, repetindo estas palavras do apóstolo das gentes:
"Aquele que é poderoso para fazer, acima de toda medida, com incomparável
excesso, mais do que pedimos ou pensamos, segundo o poder que desenvolve em nós
a sua energia, a ele glória na Igreja e em Cristo Jesus por todas as gerações,
nos séculos dos séculos. Amém" (Ef 3,20-21). Mas, depois de
tributarmos as devidas graças ao Deus eterno, queremos por meio desta encíclica
exortar-vos, a vós e a todos os amadíssimos alhos da Igreja, a uma mais atenta
consideração dos princípios doutrinais contidos na Bíblia, nos santos padres, e
nos teólogos; princípios nos quais, como em sólidos fundamentos, se apóia o
culto do sacratíssimo coração de Jesus. Porque nós estamos plenamente
persuadidos de que só quando à luz da divina revelação houvermos penetrado a
fundo a natureza e a essência íntima deste culto, é que poderemos apreciar
devidamente a sua incomparável excelência e a sua inexaurível fecundidade em
toda sorte de graças celestiais, e destarte, meditando e contemplando
piedosamente os inúmeros bens que ela produz, poderemos celebrar dignamente o
primeiro centenário da festa do sacratíssimo coração de Jesus na Igreja
universal.
11. Com o fim, pois, de oferecer à
mente dos féis o alimento de salutares reflexões, com as quais possam eles mais
facilmente compreender a natureza deste culto, tirando dele frutos mais
abundantes, deter-nos-erros antes de tudo nas páginas do Antigo e do Novo
Testamento que contêm a revelação e descrição da caridade infinita de Deus para
com o gênero humano, caridade cuja sublime grandeza jamais poderemos
esquadrinhar suficientemente; depois aduziremos o comentário que sobre ela nos
deixaram os padres e doutores da Igreja; e, finalmente, procuraremos esclarecer
a íntima conexão que existe entre a forma de devoção que se deve tributar ao
coração do divino Redentor e o culto que os homens estão obrigados a render ao
amor, que ele e as outras pessoas da Santíssima Trindade têm a todo gênero
humano. Pois achamos que, uma vez considerados à luz da Sagrada Escritura e da
tradição os elementos constitutivos desta nobilíssima devoção, aos cristãos
será mais fácil chegarem-se "com gáudio às águas das fontes do
Salvador" (Is 12,3); quer dizer, poderão eles apreciar melhor
a singular importância que o culto ao coração sacratíssimo de Jesus adquiriu na
liturgia da Igreja, na sua vida interna e externa, e também nas suas obras; e
assim cada um poderá obter frutos espirituais que assinalarão uma salutar
renovação nos seus costumes, segundo os desejos dos pastores do rebanho de
Cristo.
3) O amor de Deus,
motivo dominante do culto ao Santíssimo Coração de Jesus, no Antigo Testamento
12. Para melhor poder compreender
a força que com relação a esta devoção encerram alguns textos do Antigo e do
Novo Testamento, é preciso entender bem o motivo pelo qual a Igreja tributa ao
coração do divino Redentor o culto de latria. Duplo, veneráveis irmãos, como
bem sabeis, é tal motivo: o primeiro, que é comum também aos demais membros adoráveis
do corpo de Jesus Cristo, funda-se no fato de, sendo o seu coração parte
nobilíssima da natureza humana, estar unido hipostaticamente à pessoa do Verbo
de Deus, e, portanto, dever-se-lhe tributar o mesmo culto de adoração com que a
Igreja honra a pessoa do próprio Filho de Deus encarnado. Trata-se, pois, de
uma verdade de fé católica, solenemente definida no Concílio Ecumênico de Éfeso
e no II de Constantinopla [5]. O outro motivo concerne de maneira especial ao coração do divino
Redentor, e, pela mesma razão, confere-lhe um título inteiramente próprio para
receber o culto de latria. Provém ele de que, mais do que qualquer outro membro
do seu corpo, o seu coração é o índice natural ou o símbolo da sua imensa
caridade para com o gênero humano. Como observava o nosso predecessor Leão
XIII, de imortal memória, "é ínsita no sagrado coração a qualidade de ser
símbolo e imagem expressiva da infinita caridade de Jesus Cristo que nos incita
a retribuir-lhe o amor por amor" [6].
13. Coisa indubitável é que nos
livros sagrados nunca se faz menção certa de um culto de especial veneração e
amor tributado ao coração físico do Verbo encarnado pela sua prerrogativa de
símbolo da sua inflamadíssima caridade. Mas este fato, que cumpre reconhecer
abertamente, não nos deve admirar, nem de modo algum fazer-nos duvidar de que a
caridade divina para conosco – razão principal deste culto – é exaltada tanto
pelo Antigo como pelo Novo Testamento com imagens sumamente comovedoras. E, por
se encontrarem nos livros santos que prediziam a vinda do Filho de Deus feito
homem, podem essas imagens considerar-se como um presságio daquilo que havia de
ser o símbolo e índice mais nobre do amor divino, a saber: o coração
sacratíssimo e adorável do Redentor divino.
14. Pelo que se refere ao nosso
propósito, não julgamos necessário aduzir muitos textos do Antigo Testamento
nos quais estão contidas as primeiras verdades reveladas por Deus, mas cremos
bastará recordar o pacto estabelecido entre Deus e o povo eleito, pacto
sancionado com vítimas pacíficas – e cujas leis fundamentais, esculpidas em
duas tábuas, Moisés promulgou (cf. Ex 34,27-28) e os profetas
interpretaram -, esse pacto não se baseava somente nos vínculos do supremo
domínio de Deus e na devida obediência da parte do homem, mas consolidava-se e
vivificava-se com os mais nobres motivos do amor. Porque também para o povo de
Israel a razão suprema de obedecer a Deus, devia ser não tanto o temor das
divinas vinganças suscitado nos ânimos pelos trovões e relâmpagos procedentes
do ardente cume do Sinai, mas, antes, o amor devido a Deus: "Escuta,
Israel: O Senhor, nosso Deus, é o único Senhor. Amarás, pois, o Senhor teu Deus
com todo o teu coração, com toda a tua alma e com todas as tuas forças. E estas
palavras que hoje te ordeno estarão sobre o teu coração" (Dt 6,4-6).
15. Não nos deve, pois, causar
estranheza que Moisés e os profetas, aos quais o Doutor angélico chama com
razão os "maiorais" do povo eleito [7], compreendendo bem que o fundamento de toda a lei se baseava neste
mandamento do amor, descrevessem as relações todas existentes entre Deus e a
sua nação, recorrendo a semelhanças tiradas do amor recíproco entre pai e
filhos, ou do amor dos esposos, em vez de representá-las com imagens severas
inspiradas no supremo domínio de Deus ou na nossa devida servidão cheia de
temor. Assim, por exemplo, no seu celebérrimo cântico pela libertação do seu
povo da servidão do Egito, ao querer exprimir como essa libertação era devida à
intervenção onipotente de Deus, o próprio Moisés recorre a estas comovedoras
expressões e imagens: "Assim como a águia provoca seus filhotes a alçarem
o vôo e acima deles revoluteia, assim também (Deus) estendeu as suas asas e
acolheu (Israel) e carregou-o nos seus ombros" (Dt 32,11).
Talvez, porém, entre os profetas, nenhum exprima e descubra melhor, tão clara e
ardentemente, quanto Oséias, o amor constante de Deus para com seu povo. Com
efeito, nos escritos deste profeta, que entre os profetas menores sobressai
pela profundeza de conceitos e pela concisão da linguagem, Deus é descrito
amando o seu povo escolhido com um amor justo e cheio de santa solicitude, qual
é o amor de um pai cheio de misericórdia e de amor, ou de um esposo ferido na
sua honra. É um amor que, longe de decair e de cessar à vista de monstruosas
infidelidades e pérfidas traições, castiga-os, sim, como eles merecem, mas não
para os repudiar e os abandonar a si mesmos, mas só com o fim de limpar, de
purificar a esposa afastada e infiel e os filhos ingratos, para tornar a
uni-los novamente consigo uma vez renovados e confirmados os vínculos de amor:
"Quando Israel era criança amei-o; e do Egito chamei meu filho... Ensinei Efraim
a andar, tomei-o nos meus braços, mas eles não reconheceram que eu cuidava
deles. Com vínculos humanos atraí-los-ei, com laços de amor... Sanar-lhes-ei as
rebeldias, amá-los-ei generosamente, pois minha ira não se afastou deles. Serei
como o orvalho para Israel, ele florescerá como o lírio e lançará suas raízes
qual o Líbano" (Os 11,1.3-4; 14,5-6).
16. Expressões semelhantes tem o
profeta Isaías quando apresenta o próprio Deus e o povo escolhido como que
dialogando entre si com estas palavras: "Mas Sião disse: O Senhor
abandonou-me e esqueceu-se de mim. Pode, acaso, uma mulher esquecer o seu
pequenino de sorte que não se apiede do filho de suas entranhas? Ainda que esta
se esquecesse, eu não me esquecerei de ti" (Is 49,14-15). Nem
menos comovedoras são as palavras com que, servindo-se do simbolismo do amor
conjugal, o autor do Cântico dos cânticos descreve com vivas cores os laços de
amor mútuo que unem entre si, Deus e a nação predileta: "Como lírio entre
os espinhos, assim é minha amada entre as donzelas... Eu sou de meu amado e meu
amado é meu: o que se apascenta entre os lírios... Põe-me como selo sobre teu
coração, como selo sobre teu braço, pois forte como a morte é o amor, duros
como o inferno os ciúmes: seus ardores são ardores de fogo e de chamas" (Ct 2,2; 6,2; 8,6).
17. Com todo esse amor,
terníssimo, indulgente e longânime mesmo quando se indigna pelas repetidas
infidelidades do povo de Israel, Deus nunca chega a repudiá-lo definitivamente;
mostra-se, sim, veemente e sublime; mas, contudo, em substância isso não passa
do prelúdio daquela inflamadíssima caridade que o Redentor prometido havia de
mostrar a todos com o seu amantíssimo coração, e que ia ser o modelo do nosso
amor e a pedra angular da nova aliança. Porque, em verdade, só aquele que é o
Unigênita do Pai e o Verbo feito carne "cheio de graça e de verdade"
(Jo 1,14), tendo descido até os homens oprimidos de inúmeros
pecados e misérias, podia fazer brotar da sua natureza humana, unida
hipostaticamente à sua pessoa divina, "um manancial de água viva" que
regasse copiosamente a terra árida da humanidade, transformando-a em florido e
fértil jardim. E essa obra admirável que o amor misericordioso e eterno de Deus
devia realizar, de certo modo já parece prenunciá-la o profeta Jeremias com
estas palavras: "Amei-te com amor eterno; por isso atrai-te a mim cheio de
misericórdia... Eis vêm dias, afirma o Senhor, em que pactuarei com a casa de
Israel e com a casa de Judá uma aliança nova: este será o pacto que eu
concertarei com a casa de Israel depois daqueles dias, declara o Senhor: Porei
minha lei no interior dele e escrevê-la-ei no seu coração, e serei o seu Deus e
eles serão o meu povo...; porque perdoarei a sua culpa e não mais me lembrarei
dos seus pecados" (Jr 31,3.31.33-4).
II. Legitimidade do
Culto ao Santíssimo Coração de Jesus segundo a Doutrina do Novo
Testamento e da Tradição
1) O amor de Deus no
mistério da encarnação redentora segundo o Evangelho
18. Mas somente pelo Evangelho
chegamos a conhecer com perfeita clareza que a nova aliança estipulada entre
Deus e a humanidade – aliança da qual a pactuada por Moisés entre o povo e Deus
foi somente uma prefiguração simbólica, e o vaticínio de Jeremias mera predição
– é aquela que o Verbo encarnado estabeleceu e levou à prática merecendo-nos a
graça divina. Esta aliança é incomparavelmente mais nobre e mais sólida,
porque, a diferença da precedente, não foi sancionada com sangue de cabritos e
novilhos, mas com o sangue sacrossanto daquele que esses animais pacíficos e
privados de razão, prefiguravam: "o Cordeiro de Deus que tira o pecado do
mundo (cf. Jo 1,29; Hb 9,18-28; 10,1-17). Porque a aliança cristã, ainda mais do que a antiga, manifesta-se
claramente como um pacto, não inspirado em sentimentos de servidão, não fundado
no temor, mas apoiado na amizade que deve reinar nas relações entre pai e
filhos, sendo ela alimentada e consolidada por uma mais generosa distribuição
da graça divina e da verdade, conforme a sentença do evangelho de João:
"Da sua plenitude todos nós participamos, e recebemos uma graça por outra
graça. Porque a lei foi dada por Moisés, mas a graça foi trazida por Jesus
Cristo" (Jo 1,16-17).
19. Introduzidos, por essas
palavras do "discípulo amado que durante a ceia reclinara a cabeça sobre o
peito de Jesus" (Jo 21, 20), no próprio mistério da infinita
caridade do Verbo encarnado, é coisa digna, justa, reta e salutar nos
detenhamos um pouco, veneráveis irmãos, na contemplação de tão suave mistério,
a fim de, iluminados pela luz que sobre ele projetam as páginas do Evangelho,
podermos também nós experimentar o feliz cumprimento do voto que o Apóstolo
formulava escrevendo aos fiéis de Éfeso: "Habite Cristo, pela fé, nos
vossos corações, vós que estais arraigados e cimentados em caridade, para que
possais compreender com todos os santos qual é a largura e comprimento, a
altura e profundidade deste mistério, e conhecer também o amor de Cristo a nós,
o qual sobrepuja todo conhecimento, para que sejais plenamente cumulados de
todos os dons de Deus" (Ef 3,17-19).
20. Com efeito, o mistério da
divina redenção é, antes de tudo e pela sua própria natureza, um mistério de
amor: isto é, um mistério de amor justo da parte de Cristo para com seu Pai
celeste, a quem o sacrifício da cruz, oferecido com coração amante e obediente,
apresenta uma satisfação superabundante e infinita pelos pecados do gênero
humano: Cristo, sofrendo por caridade e obediência, ofereceu à Deus alguma
coisa de valor maior do que o exigia a compensação por todas as ofensas feitas
a Deus pelo gênero humano [8]. Além disso, o mistério da redenção é um mistério de amor
misericordioso da augusta Trindade e do divino Redentor para com a humanidade
inteira, visto que, sendo esta totalmente incapaz de oferecer a Deus uma
satisfação condigna pelos seus próprios delitos [9], mediante a imperscrutável riqueza de méritos que nos ganhou com a
efusão do seu precioso sangue, Cristo pode restabelecer e aperfeiçoar aquele
pacto de amizade entre Deus e os homens violado pela primeira vez no paraíso
terrestre por culpa de Adão e depois, inúmeras vezes, pela infidelidade do povo
escolhido. Portanto, havendo na sua qualidade de nosso legítimo e perfeito
mediador, e sob o estímulo de uma caridade energética para conosco, conciliando
as obrigações e compromissos do gênero humano com os direitos de Deus, o divino
Redentor foi, sem dúvida, o autor daquela maravilhosa reconciliação entre a
divina justiça e a divina misericórdia, a qual justamente constitui a absoluta
transcendência do mistério da nossa salvação, tão sabiamente expresso pelo
doutor angélico com estas palavras: "Convém observar que a libertação do
homem, mediante a paixão de Cristo, foi conveniente tanto para a justiça como
para a misericórdia do mesmo Cristo. Antes de tudo para a justiça, porque com a
sua paixão Cristo satisfez pela culpa do gênero humano, e, por conseguinte,
pela justiça de Cristo foi o homem libertado. E, em segundo lugar, para a
misericórdia, porque, não sendo possível ao homem satisfazer pelo pecado, que
manchava toda a natureza humana, deu-lhe Deus um reparador na pessoa de seu
Filho. Ora, isto foi, da parte de Deus, um gesto de mais generosa misericórdia
do que se ele houvesse perdoado os pecados sem exigir qualquer satisfação. Por
isso está escrito: 'Deus, que é rico em misericórdia, movido pelo excessivo
amor com que nos amou quando estávamos mortos pelos pecados, deu-nos vida
juntamente em Cristo'" (Ef 2,4) [10].
2) Tríplice amor do
Redentor para com o gênero humano: divino, espiritual e sensível
21. Mas, a fim de, na medida que
isso é dado aos homens mortais, poderdes "compreender com todos os santos
qual é a largura e comprimento, a altura e profundidade" (Ef 3,18)
da insondável caridade do Verbo encarnado para com seu Pai celestial e para com
os homens manchados de tantas culpas, convém ter bem presente que o amor não
foi unicamente espiritual, como convém a Deus, visto que "Deus é
espírito" (Jo 4,24). Indubitavelmente, de índole puramente
espiritual foi o amor nutrido por Deus para com nossos progenitores e para com
o povo hebreu; por isso, as expressões de amor humano, quer conjugal, quer
paterno, que se leem nos Salmos, nos escritos dos profetas e no Cântico dos
cânticos, são indícios e símbolos de um amor verdadeiros mas totalmente
espiritual, com que Deus amava o gênero humano; ao contrário, o amor que se
exala do Evangelho, das cartas dos apóstolos e das páginas do Apocalipse, onde
se descreve o amor do coração de Jesus, não compreende somente a caridade
divina, mas se estende também aos sentimentos do afeto humano. Para todo aquele
que faz profissão de fé católica, essa verdade é indiscutível. Com efeito, o
Verbo de Deus não tomou um corpo ilusório e fictício; como já no primeiro
século da era cristã ousaram afirmar alguns hereges, que atraíram a severa
condenação do apóstolo João: "porque muitos sedutores que não confessam a
Jesus Cristo encarnado espalham-se pelo mundo. Este é o Sedutor, o Anticristo"
(2Jo 7); porém ele, o Verbo de Deus, uniu à sua divina pessoa uma
natureza humana indivídua, íntegra e perfeita, concebida no seio imaculado de
Maria Virgem por obra do Espírito Santo (cf. Lc 1,35). Nada,
pois, faltou à natureza humana assumida pelo Verbo de Deus; em verdade, ele a
possui sem nenhuma diminuição, sem nenhuma alteração, tanto nos elementos
constitutivos espirituais quanto nos corporais, a saber: dotada de inteligência
de vontade e demais faculdades cognoscitivas internas e externas; dotada igualmente
das potências afetivas, sensitivas e das suas correspondentes paixões. É isso o
que ensina a Igreja católica, por estar sancionado e solenemente confirmado
pelos romanos pontífices e pelos concílios ecumênicos: "Inteiro nas suas
propriedades, inteiro nas nossas" [11]; "perfeito na divindade e perfeito ele próprio na
humanidade" [12]; "todo Deus (feito) homem e todo o homem
(subsistente em) Deus" [13].
22. Não havendo, pois, dúvida alguma de que Jesus possuía um verdadeiro
corpo humano, dotado de todos os sentimentos que lhe são próprios, entre os
quais campeia o amor, do mesmo modo é muito verdade que ele foi provido de um
coração físico em tudo semelhante ao nosso, não sendo possível que a vida
humana, privada deste excelentíssimo membro do corpo, tenha a sua natural
atividade afetiva. Por conseguinte, o coração de Cristo, unido hipostaticamente
à pessoa divina do Verbo, sem dúvida deve ter palpitado de amor e de qualquer
outro afeto sensível; contudo, esses sentimentos eram tão conformes e estavam
tão em harmonia com a vontade humana, transbordante de caridade divina, e com o
próprio amor infinito que o Filho tem com o Pai e com o Espírito Santo, que
jamais se interpôs a mínima oposição e discórdia entre esses três amores [14].
23. Todavia, o fato de haver o Verbo de Deus assumido a verdadeira e
perfeita natureza humana, e de lhe ter sido plasmado e como que modelado um
coração de carne que, não menos do que o nosso, fosse capaz de sofrer e de ser
ferido, esse fato, digamos, se não é visto e considerado à luz que emana não só
da união hipostática e substancial, mas também da verdade da redenção humana,
que é, por assim dizer, o complemento daquela, a alguns poderia parecer
"escândalo" e "loucura", como de fato aos judeus e gentios
pareceu "Cristo crucificado" (cf. 1Cor 1,23). Ora,
os símbolos da fé, perfeitamente concordes com as divinas Escrituras,
asseguram-nos que o Filho unigênito de Deus assumiu a natureza passível e
mortal com a mira posta principalmente no sacrifício cruento da cruz, que ele
desejava oferecer com o fim de realizar a obra da salvação do homem. Além
disso, esta é a doutrina exposta pelo Apóstolo das gentes: "Porque aquele
que santifica, e os santificados, todos tiram de um a sua origem. Razão pela
qual ele não tem escrúpulos de chamá-los irmãos, dizendo: 'Anunciarei teu nome
a meus irmãos...' Outrossim: `Eis-nos aqui, eu e meus filhos que Deus me deu'.
E por isso que os filhos têm comuns a carne e o sangue, ele também participou
das mesmas coisas... Pelo que, em tudo teve de se assemelhar a seus irmãos,
afim de ser um pontífice misericordioso e fiel para com Deus, em ordem a expiar
os pecados do povo. Já que, em razão de haver ele mesmo padecido e de ter sido
tentado, pode também dar a mão aos que são tentados" (Hb 2,11-14.17-18).
3) O testemunho dos Santos Padres em favor dos afetos sensíveis do Verbo
encarnado
24. Os santos Padres, testemunhas verazes da doutrina revelada,
advertiram muito oportunamente o que já Paulo apóstolo claramente significara,
a saber: que o amor divino é como o princípio e a culminância da obra da
encarnação e redenção. Lê-se freqüentemente nos escritos deles que Jesus Cristo
tomou em si a natureza humana perfeita, o nosso corpo frágil e caduco, para nos
proporcionar a salvação eterna e manifestar, patentear em forma sensível o seu
infinito amor a nós.
25. Fazendo-se eco da voz do Apóstolo das gentes, São Justino escreve o
seguinte: "Amamos e adoramos o Verbo nascido de Deus inefável e que não
tem princípio; já que ele se fez homem por nós para que, tornado participante
das nossas doenças, proporcionasse-nos o seu remédio" [15]. E São Basílio, o primeiro dos três Padres da
Capadócia, afirma que os afetos sensíveis de Cristo foram verdadeiros e ao
mesmo tempo santos: "É manifesto que o Senhor possuiu os afetos naturais
em confirmação da sua verdadeira, e não fantástica, encarnação; manifesto é
também que ele repeliu como indignos da divindade os afetos viciosos, que
mancham a pureza da nossa vida" [16]. Igualmente São João Crisóstomo, luminar da
Igreja antioquena, confessa que as emoções sensíveis de que o Senhor deu mostra
provam irrecusavelmente haver ele possuído integralmente a nossa natureza
humana: "A não haver ele possuído a nossa natureza, não teria
experimentado, uma e mais vezes, a tristeza" [17]. Entre os Padres latinos, merecem lembrança
os que hoje a Igreja venera como doutores máximos. Santo Ambrósio afirma que a
união hipostática é a origem natural dos afetos e sentimentos que o Verbo de
Deus encarnado experimentou: "Portanto, já que ele tomou a alma, tomou as
paixões da alma; pois Deus, como Deus que é, não podia perturbar-se nem
morrer" [18]. Nessas mesmas reações apoia São Jerônimo o
principal argumento para provar que Cristo assumiu realmente a natureza humana:
nosso Senhor entristeceu-se realmente, para manifestar a sua humana natureza [19]. Particularmente santo Agostinho faz notar a
íntima união existente entre os sentimentos do Verbo encarnado e a finalidade
da redenção humana: "O Senhor revestiu-se dos afetos da fragilidade
humana, do mesmo modo que aceitou a fragilidade da nossa carne e a morte desta,
não por necessária coação, mas sim pelo estímulo da sua misericórdia, para
assimilar a si o seu corpo; que é a Igreja, da qual ele se dignou ser a cabeça,
ou seja, assimilar seus membros em seus santos e fiéis; de modo que, se por
efeito das tentações humanas algum deles se entristecesse e sofresse, nem por
isso pensasse estar privado do influxo da sua graça; e, assim como um coro fica
alerta à voz que lhe dá o tom, assim também o seu corpo soubesse da sua cabeça
que por si mesmos, tais movimentos não são pecado, senão somente indício da
humana fragilidade" [20]. Com maior concisão e não menor força estas
passagens de São João Damasceno atestam a doutrina da Igreja: "O Deus todo
tomou todo o homem, e o todo se uniu ao todo para proporcionar a salvação do
homem todo. De outra maneira não teria ele podido sanar aquilo que não
assumiu" [21]; "Tomou, pois, tudo para santificar
tudo" [22].
4) O simbolismo natural do Coração de Jesus Cristo afirmado veladamente
na Sagrada Escritura e nos Santos Padres
26. Bem verdade é que nem os autores sagrados, nem os Padres da Igreja
que citamos, e outros semelhantes, embora provem abundantemente que Jesus
Cristo esteve sujeito aos sentimentos e afetos humanos, e que, por isso
precisamente, tomou a natureza humana a fim de nos proporcionar a eterna
salvação, contudo não atribuem concretamente ditos afetos ao seu coração
fisicamente considerado, apontando nele o símbolo do seu amor infinito. Embora
os evangelistas e os outros autores sacros não nos descrevam abertamente o
coração do nosso Redentor não menos vivo e sensível do que o nosso, e as
palpitações e estremecimentos devidos às diversas emoções e afetos da sua alma
e à ardentíssima caridade da sua dupla vontade, todavia freqüentemente põem em
relevo o seu divino amor e as emoções sensíveis com ele relacionadas: o desejo,
a alegria, a tristeza, o temor e a ira, consoante as expressões do seu olhar,
das suas palavras e dos seus gestos. E, principalmente, o rosto adorável de
nosso Salvador foi, sem dúvida, o índice e como que o espelho fidelíssimo dos
afetos que, comovendo-lhe de vários modos a alma, à semelhança das ondas que se
entrechocam, chegavam ao seu coração santíssimo e lhe excitavam as pulsações.
Na verdade, a propósito de Jesus Cristo vale também o que o Doutor angélico,
ensinado pela experiência, observa em matéria de psicologia humana e dos
fenômenos dela derivados: "A turbação que a ira produz repercute nos
membros externos, e principalmente naqueles em que mais se reflete a influência
do coração, como são os olhos, o semblante, a língua" [23].
27. Com muita razão, pois, o coração do Verbo encarnado é considerado
índice e símbolo do tríplice amor com que o divino Redentor ama continuamente o
Eterno Pai e todos os homens. Ele é, antes de tudo, símbolo do divino amor, que
nele é comum com o Pai e com o Espírito Santo, e que só nele, como Verbo
encarnado, se manifesta por meio do caduco e frágil instrumento humano,
"pois nele habita corporalmente a plenitude da divindade" (Cl 2,9).
Ademais, o coração de Cristo é símbolo de enérgica caridade, que, infundida em
sua alma, constitui o precioso dote da sua vontade humana, e cujos atos são
dirigidos e iluminados por uma dupla e perfeita ciência, a beatífica e a
infusa [24]. Finalmente, e isto de modo mais natural e
direto, o coração de Jesus é símbolo do seu amor sensível, já que o corpo de
Jesus Cristo, plasmado no seio imaculado da Virgem Maria por obra do Espírito
Santo, supera em perfeição, e portanto em capacidade perceptiva, qualquer outro
organismo humano [25].
28. Instruídos pelos sagrados textos e pelos símbolos da fé acerca da
perfeita consonância e harmonia reinante na alma santíssima de Jesus Cristo, e
a respeito do fato de haver ele dirigido com finalidade redentora todas as
manifestações do seu tríplice amor, com toda segurança podemos contemplar e
venerar no coração do Redentor divino a imagem eloquente da sua caridade e o
testemunho da nossa redenção, e como que uma mística escada para subir ao
amplexo "de Deus nosso Salvador" (Tt 3,4). Por isso, nas
palavras, nos atos, nos ensinamentos, nos milagres, e especialmente nas obras
mais esplendorosas do seu amor para conosco, como a instituição da divina
eucaristia, a sua dolorosa paixão e morte, a benigna doação de sua santíssima
Mãe, a fundação da Igreja para proveito nosso, e, finalmente, a missão do
Espírito Santo sobre os apóstolos e sobre nós, em todas essas obras, repetimos,
devemos admirar outros tantos testemunhos do seu tríplice amor, e meditar as
pulsações do seu coração, com as quais ele quis medir os instantes da sua
peregrinação terrena até o momento supremo em que, como atestam os
evangelistas, "clamando com grande voz, disse: Tudo está consumado. E,
inclinando a cabeça, entregou o espírito" (Mt 27,50; Jo 19,30). Então o seu coração parou e deixou de bater, e o seu amor sensível
permaneceu como que suspenso, até que, triunfando da morte, ele se levantou do
sepulcro. Depois que seu corpo conseguiu o estado da glória sempiterna e se
uniu novamente à alma do divino Redentor, vitorioso da morte, o seu coração
sacratíssimo nunca deixou nem deixará de palpitar com imperturbável e plácida
pulsação, nem tampouco cessará de demonstrar o tríplice amor com que o Filho de
Deus se une a seu Pai eterno e à humanidade inteira, de quem é, com pleno
direito, a cabeça mística.
III. Participação ativa e profunda que teve o Sagrado Coração de
Jesus na missão salvadora do Redentor
1) O Sagrado Coração de Jesus, símbolo de amor perfeito: sensível,
espiritual, humano e divino, durante a vida terrena do Salvador
29. Agora, veneráveis irmãos, para que destas piedosas considerações
possamos tirar abundantes e salutares frutos, bom é meditarmos e contemplarmos
brevemente os múltiplos afetos humanos e divinos de nosso Salvador Jesus
Cristo, dos quais; durante o curso da sua vida mortal, o seu coração participou
e continua agora participando e não deixará de participar por toda a
eternidade. Nas páginas do Evangelho é onde principalmente encontraremos a luz
pela qual iluminados e fortalecidos poderemos penetrar no segredo deste divino
coração, e admirar com o Apóstolo das gentes "as abundantes riquezas da
graça (de Deus) na bondade usada conosco por amor de Jesus Cristo" (Ef 2,7).
30. O adorável coração de Jesus Cristo pulsa de amor ao mesmo tempo
humano e divino desde que a virgem Maria pronunciou aquela palavra magnânima:
"Fiat", e o Verbo de Deus, como nota o Apóstolo, "ao entrar no
mundo disse: Não quiseste sacrifício nem oferenda, mas me apropriaste um corpo;
holocaustos pelo pecado não te agradaram. Então disse: Eis que venho: segundo
está escrito de mim no princípio do livro, para cumprir, ó Deus, a tua
vontade... Por esta vontade, pois, somos santificados pela oblação do corpo de
Cristo feita uma só vez" (Hb 10,5-7.10). De maneira semelhante
palpitava de amor o seu coração, em perfeita harmonia com os afetos da sua
vontade humana e com o seu amor divino, quando, na casa de Nazaré, ele mantinha
aqueles celestiais colóquios com sua dulcíssima Mãe e com seu pai putativo, s.
José, a quem obedecia e com quem colaborava no fatigante ofício de carpinteiro.
Esse mesmo tríplice amor movia o seu coração nas suas contínuas excursões
apostólicas, quando realizava aqueles inúmeros milagres, quando ressuscitava os
mortos ou restituía a saúde a toda sorte de enfermos, quando sofria aqueles
trabalhos, suportava o suor, a fome e a sede; nas vigílias noturnas passadas em
oração a seu Pai amado; e, finalmente, nos discursos que pronunciava e nas
parábolas que propunha, especialmente naquelas que tratam da misericórdia, como
a da dracma perdida, a da ovelha desgarrada e a do filho pródigo. Nessas
palavras e nessas obras, como diz Gregório Magno, manifesta-se o próprio
coração de Deus. "Conhece o coração de Deus nas palavras de Deus, para que
com mais ardor suspires pelas coisas eternas" [26].
31. De amor ainda maior pulsava o coração de Jesus Cristo quando da sua
boca saíam palavras que inspiravam amor ardente. Assim, para dar algum exemplo,
quando, ao ver as turbas cansadas e famintas, ele disse: "Tenho compaixão
desta multidão" (Mc 8,2), e quando, ao avistar Jerusalém, a
sua cidade predileta, destinada a uma ruína fatal por causa da sua obstinação
no pecado, exclamou: "Jerusalém, Jerusalém, que matas os profetas e
apedrejas os que te são enviados: quantas vezes eu quis recolher teus filhos,
como a galinha recolhe debaixo das asas os seus pintinhos, e não o
quiseste!" (Mt 23,37). O seu coração também palpitou de amor
para com seu Pai, e de santa indignação, quando ele viu o comércio sacrílego
que se fazia no templo, e verberou os violadores com estas palavras:
"Escrito está: minha casa será chamada casa de oração; mas vós fizestes
dela uma espelunca de ladrões" (Mt 21,13).
32. Pois o seu coração bateu particularmente de amor e de pavor quando
ele viu iminente a hora dos seus cruéis padecimentos, e quando experimentando
uma repugnância natural às dores e à morte, exclamou: "Meu Pai, se é
possível, passe de mim este cálice" (Mt 26,39); palpitou com
amor invicto e com suma amargura quando, ao receber o beijo do traidor,
dirigiu-lhe aquelas palavras que parecem o convite último do seu coração
misericordioso ao amigo que com ânimo ímpio, infiel e obstinado, devia
entregá-lo aos seus algozes: "Amigo, a que vieste? Com um beijo entregas o
Filho do homem?" (Mt 26,50; Lc 22,48);
palpitou de compaixão e de amor íntimo quando disse às piedosas mulheres que
choravam a sua imerecida condenação ao suplício da cruz: "Filhas de
Jerusalém, não choreis por mim; chorai por vós mesmas e por vossos filhos...,
pois, se assim tratam a árvore verde, que se não fará à seca?" (Lc 23,28.31).
33. Finalmente, quando o divino Redentor pendia da cruz, sentiu o seu
coração arder dos mais vários e veementes afetos, isto é, de afetos de amor
ardente, de consternação, de misericórdia, de desejo inflamado, de paz serena;
afetos claramente manifestados naquelas palavras: "Pai, perdoa-lhes;
porque eles não sabem o que fazem" (Lc 23,34); "Deus
meu, Deus meu, por que me abandonaste?" (Mt 27,46); "Em
verdade te digo que hoje estarás comigo no paraíso" (Lc 23,43); "Tenho sede" (Jo 19,28); "Pai, nas tuas mãos
entrego meu espírito" (Lc 23,46).
2) A Eucaristia, a Santíssima Virgem e o sacerdócio são dons do Coração
amado de Jesus
34. Quem poderá descrever dignamente as pulsações do coração divino,
índices do seu infinito amor, naqueles momentos em que ele deu aos homens os
seus mais apreciados dons, isto é, a si mesmo no sacramento da eucaristia, sua
mãe santíssima, e a participação no oficio sacerdotal?
35. Ainda antes de celebrar a última ceia com seus discípulos, ao pensar
em que ia instituir o sacramento do seu corpo e do seu sangue, com cuja efusão
devia confirmar-se a nova aliança, sentiu o seu coração agitado de intensa
emoção, que ele manifestou aos seus apóstolos com estas palavras:
"Ardentemente desejei comer convosco este cordeiro pascal antes da minha
paixão" (Lc 22,15); emoção que, sem dúvida, foi ainda mais
veemente quando ele "tomou o pão, deu graças, partiu-o e deu-o a eles,
dizendo: 'Isto é meu corpo, que se dá por vós; fazei isto em memória de mim'.
Do mesmo modo tomou o cálice, depois de haver ceado, dizendo: 'Este cálice é a
nova aliança em meu sangue, que por vós será derramado'" (Lc 22,19-20).
36. Com razão, pois, pode-se afirmar que a divina eucaristia, como
sacramento que ele dá aos homens e como sacrifício que ele mesmo continuamente
imola "desde o nascente até o poente" (Ml 1,11), e
também o sacerdócio, são, sem dúvida, dons do sagrado coração de Jesus.
37. Dom igualmente precioso do mesmo sagrado coração é, como
indicávamos, a santíssima Virgem, Mãe excelsa de Deus e Mãe amadíssima de todos
nós, era justo que o gênero humano tivesse por mãe espiritual aquela que foi
mãe natural do nosso Redentor, a ele associada na obra de regeneração dos
filhos de Eva para a vida da graça. A propósito disso, escreve a respeito dela
santo Agostinho: "Evidentemente ela é mãe dos membros do Salvador, que
somos nós, porque com a sua caridade cooperou para que nascessem na Igreja os
fiéis, que são membros daquela cabeça" [27].
38. Ao dom incruento de si mesmo sob as espécies do pão e do vinho,
Jesus Cristo nosso Salvador quis unir, como testemunho da sua caridade íntima e
infinita, o sacrifício cruento da cruz. Fazendo isso, deu exemplo daquela
sublime caridade que com as seguintes palavras ele mostrara aos seus discípulos
como meta suprema de amor: "Ninguém tem amor maior do que aquele que dá
sua vida pelos amigos" (Jo 15,13). Pelo que o amor de Jesus
Cristo, Filho de Deus, revela no sacrifício do Gólgota, de modo o mais
eloqüente, o amor do próprio Deus: "Nisto conhecemos a caridade de Deus:
em haver ele dado sua vida por nós; e assim nós devemos dar a nossa vida por
nossos irmãos" (1Jo 3,16). Certamente, o divino Redentor foi
crucificado mais pela força do amor do que pela violência dos algozes, e o seu
holocausto voluntário é dom supremo feito a cada um dos homens, segundo a
incisiva expressão do Apóstolo: "Amou-me e entregou-se por mim" (Gl 2,20).
3) Também a Igreja e os sacramentos são dons do Sagrado Coração de Jesus
39. Não se pode, pois, duvidar de que, participando intimamente da vida
do Verbo encarnado, e pelo mesmo motivo sendo, não menos do que os demais
membros da sua natureza humana, como que instrumento conjunto da Divindade na
realização das obras da graça e da onipotência divina [28], o sagrado coração de Jesus é também símbolo
legítimo daquela imensa caridade que moveu o nosso Salvador a celebrar, com o
derramamento do seu sangue, o seu místico matrimônio com a Igreja: "Sofreu
a paixão por amor à Igreja que ele devia unir a si como esposa" [29]. Portanto, do coração ferido do Redentor nasceu
a Igreja, verdadeira administradora do sangue da redenção, e do mesmo coração
flui abundantemente a graça dos sacramentos, na qual os filhos da Igreja bebem
a vida sobrenatural, como lemos na sagrada liturgia: "Do coração aberto
nasce a Igreja desposada com Cristo... Tu, que do coração fazes manar a
graça" [30]. A respeito desse símbolo, que nem mesmo dos
antigos Padres, escritores e eclesiásticos foi desconhecido, o Doutor comum,
fazendo-se eco deles, assim escreve: "Do lado de Cristo brotou água para
lavar e sangue para redimir. Por isso, o sangue é próprio do sacramento da
eucaristia; a água, do sacramento do batismo, o qual, entretanto, tem força
para lavar em virtude do sangue de Cristo" [31]. O que aqui se afirma do lado de Cristo,
ferido e aberto pelo soldado, cumpre aplicá-lo ao seu coração, ao qual, sem
dúvida, chegou a lançada desfechada pelo soldado precisamente para que
constasse de maneira certa a morte de Jesus Cristo. Por isso, durante o curso
dos séculos, a ferida do coração sacratíssimo de Jesus, morto já para esta vida
mortal, tem sido a imagem viva daquele amor espontâneo com que Deus entregou
seu Unigênito pela redenção dos homens, e com o qual Cristo nos amou a todos
tão ardentemente que a si mesmo se imolou como hóstia cruenta no Calvário:
"Cristo amou-nos e ofereceu-se a Deus em oblação e hóstia de odor
suavíssimo" (Ef 5,2).
4) O Sagrado Coração de Jesus, símbolo do seu tríplice amor a humanidade
na vida gloriosa do céu
40. Depois que o nosso Salvador subiu ao céu com seu corpo glorificado,
e se sentou à direita de Deus Pai, não tem cessado de amar sua esposa, a
Igreja, com aquele amor inflamado que palpita no seu coração. Traz nas mãos,
nos pés e no lado os esplendentes sinais das suas feridas, troféus da sua
tríplice vitória: contra o demônio, contra o pecado e contra a morte. E traz no
seu coração, como em preciosa arca aqueles imensos tesouros de méritos, frutos
dessa tríplice vitória, os quais ele com largueza distribui ao gênero humano. É
essa uma verdade consoladora, ensinada pelo Apóstolo das gentes quando escreve:
"Ao subir para o alto, levou consigo cativa uma grande multidão de cativos
e derramou seus dons sobre os homens... Aquele que desceu, esse mesmo foi o que
ascendeu sobre todos os céus, para dar cumprimento a todas as coisas" (Ef 4,
8.10).
5) Os dons do Espírito Santo também são dons do Coração adorável de
Jesus
41. A missão do Espírito Santo junto aos discípulos é o primeiro e
esplêndido sinal do seu amor munificente, depois da sua subida triunfal à
direita do Pai. Aos dez dias, o Espírito Paráclito, dado pelo Pai celestial,
baixou sobre eles, reunidos no cenáculo, segundo a promessa que ele lhes fizera
na última ceia: "Rogarei ao Pai, e ele vos dará outro Consolador para
estar convosco eternamente" (Jo 14,16). O qual Espírito
Paráclito, sendo, como é, o amor mútuo pessoal com que o Pai ama o Filho e o
Filho ama o Pai, por ambos é enviado, e, sob forma de línguas de fogo, infunde
na alma dos discípulos a abundância da caridade divina e dos demais carismas
celestes. Esta infusão da caridade divina brotou também do coração de nosso
Salvador, "no qual estão encerrados todos os tesouros da sabedoria e da
ciência" (Cl 2,3). Essa caridade é, portanto, dom do coração
de Jesus e do seu Espírito. A esse comum Espírito do Pai e do Filho deve-se o
nascimento e a propagação admirável da Igreja no meio de todos os povos pagãos,
contaminados pela idolatria, pelo ódio fraterno, pela corrupção de costumes e
pela violência. Foi essa divina caridade, dom preciosíssimo do coração de
Cristo e do seu Espírito, que deu aos apóstolos e aos mártires aquela fortaleza
com que eles lutaram até uma morte heróica, para pregarem a verdade evangélica
e testemunhá-la com o seu sangue; foi ela que deu aos doutores da Igreja aquele
zelo intenso por ilustrar e defender a fé católica; foi ela que alimentou as
virtudes nos confessores e os excitou a levarem a cabo obras admiráveis e
úteis, para a própria santificação, para a salvação eterna e temporal do
próximo; e, finalmente, foi ela que persuadiu as virgens a espontânea e
alegremente renunciarem aos gozos dos sentidos e se consagrarem inteiramente ao
amor do esposo celeste. A essa divina caridade, que transborda do coração do
Verbo encarnado e por obra do Espírito Santo se difunde nas almas de todos os
crentes, o Apóstolo das gentes entoou aquele hino de vitória que exalta a um
tempo o triunfo de Jesus Cristo cabeça e o triunfo dos membros do seu corpo
místico, sobre todos quantos de algum modo obstam ao estabelecimento do reino
divino de amor entre os homens: "Quem poderá separar-nos do amor de
Cristo? A tribulação? Ou a angústia? Ou a fome? Ou a nudez? Ou o risco? Ou a
perseguição? Ou o cutelo?... Por meio de todas essas coisas triunfamos por
virtude daquele que nos amou. Pelo qual estou seguro de que nem a morte, nem a
vida, nem os anjos, nem os principados, nem as virtudes, nem o presente, nem o
futuro, nem a força, nem o que há de mais alto, nem de mais profundo, nem outra
criatura, poderá jamais separar-nos do amor de Deus que se funda em Jesus Cristo
nosso Senhor" (Rm 8,35.37-39).
6) O culto ao Coração Sacratíssimo de Jesus é o culto da pessoa do Verbo
encarnado
42. Nada, portanto, proíbe que adoremos o Coração Sacratíssimo de Jesus
Cristo, enquanto é participante, símbolo natural e sumamente expressivo daquele
amor inexaurível em que ainda hoje o divino Redentor arde para com os homens.
Mesmo quando já não está submetido às perturbações desta vida mortal, ainda
então ele vive, palpita, e está unido de modo indissolúvel com a pessoa do
Verbo divino, e, nela e por ela, com a sua divina vontade. Superabundando o
coração do Cristo de amor divino e humano, e sendo imensamente rico com os
tesouros de todas as graças que o nosso Redentor adquiriu com sua vida, seus
padecimentos e sua morte, ele é, sem dúvida, uma fonte perene daquela caridade
que o seu Espírito infunde em todos os membros do seu corpo místico.
43. Assim, pois, o coração do nosso Salvador reflete de certo modo a
imagem da divina pessoa do Verbo, e, igualmente, das suas duas naturezas: humana
e divina; e nele podemos considerar não só um símbolo, mas também como que um
compêndio de todo o mistério da nossa redenção. Quando adoramos o coração de
Jesus Cristo, nele e por ele adoramos tanto o amor incriado do Verbo divino
como seu amor humano e os seus demais afetos e virtudes, já que um e outro amor
moveu o nosso Redentor a imolar-se por nós e por toda a Igreja, sua esposa,
segundo a sentença do Apóstolo: "Cristo amou a sua Igreja e sacrificou-se
por ela para santificá-la, lavando-a no batismo de água com a palavra de vida,
a fim de fazê-la comparecer perante si cheia de glória, sem mancha, nem ruga,
nem coisa semelhante, mas santa e imaculada" (Ef 5,25-27).
44. Assim como amou a Igreja, Cristo continua amando-a intensamente, com
aquele tríplice amor de que falamos (cf. 1Jo 2,1); e esse
amor é que o impele a fazer-se nosso advogado para nos obter do Pai graça e
misericórdia, "estando sempre vivo para interceder por nós" (Hb 7,25). As preces que brotam do seu inesgotável amor, dirigidas ao Pai, não sofrem
interrupção alguma. Como nos dias da sua carne" (Hb 5,7),
também agora, que está triunfante no céu, ele suplica o Pai com não menor
eficácia; e aquele que "amou tanto o mundo que deu seu Filho unigênito,
afim de que todos os que nele creem não pereçam, mas vivam vida eterna" (Jo 3,16).
Ele mostra o seu coração vivo e como ferido e inflamado de um amor mais ardente
do que quando, já exânime, o feriu a lança do soldado romano: "Por isto
foi ferido (o teu coração), para que pela ferida visível víssemos a ferida
invisível do amor" [32].
45. Por conseguinte, não pode haver dúvida alguma de que, ante as
súplicas de tão grande advogado, e feitas com tão veemente amor, o Pai
celestial, "que não perdoou seu próprio filho, mas o entregou por todos
nós" (Rm 8,32), por meio dele derramará incessantemente sobre todos os
homens a abundância das suas graças divinas.
IV. Nascimento e desenvolvimento progressivo do culto ao
Sagrado Coração de Jesus
1) Albores do culto ao Sagrado Coração na devoção às Chagas
Sacrossantas da Paixão
46. À vossa consideração, veneráveis irmãos, e à do povo cristão
quisemos expor em suas linhas gerais a íntima natureza e as perenes riquezas do
culto ao coração sacratíssimo de Jesus, atendo-nos à doutrina da revelação
divina como à sua fonte primária. Estamos persuadidos de que estas nossas
reflexões, ditadas pelo próprio ensinamento do Evangelho, mostraram claramente
como, em substância, este culto não é outra coisa senão o culto ao amor divino
e humano do Verbo encarnado, e também o culto àquele amor com que o Pai e o
Espírito Santo amam os homens pecadores. Porque, como observa o Doutor
angélico, a caridade das três Pessoas divinas é o princípio da redenção humana
nisto que inundando copiosamente a vontade humana de Jesus Cristo e o seu
coração adorável, com a mesma caridade o induziu a derramar o seu sangue para
nos resgatar da servidão do pecado [33]: "Com um batismo tenho de ser batizado,
e como me sinto oprimido enquanto ele não se cumpre!" (Lc 12,50).
47. Aliás, é persuasão nossa que o culto tributado ao amor de Deus e de
Jesus Cristo para com o gênero humano, através do símbolo augusto do coração
transfixado do Redentor, nunca esteve completamente ausente da piedade dos
fiéis, embora a sua manifestação clara e a sua admirável difusão em toda a
Igreja se haja realizado em tempos não muito distantes de nós, sobretudo depois
que o próprio Senhor revelou este divino mistério a alguns de seus filhos após
havê-los cumulado com abundância de dons sobrenaturais, e os elegeu para seus
mensageiros e arautos.
48. De fato, sempre houve almas especialmente consagradas a Deus que,
inspirando-se nos exemplos da excelsa mãe de Deus, dos apóstolos e de insignes
padres da Igreja, tributaram culto de adoração, de ação de graças e de amor à humanidade
santíssima de Cristo, e de modo especial às feridas abertas no seu corpo pelos
tormentos da paixão salvadora.
49. Aliás, como não reconhecer nas próprias palavras: "Meu Senhor e meu Deus " (Jo 20,28), pronunciadas pelo Apóstolo Tomé e reveladoras da sua
súbita transformação de incrédulo em fiel, uma clara profissão de fé, de
adoração e de amor, que da humanidade chagada do Salvador se elevava até a
majestade da Pessoa divina?
50. Mas, ainda que o coração ferido do Redentor tenha sempre levado os homens
a venerarem o seu infinito amor a tempos sempre tiveram valor as palavras do
profeta Zacarias que o evangelista João aplicou a Jesus crucificado:
"Verão a quem traspassaram" (Jo 19,37; cf. Zc 12,10), todavia cumpre
reconhecer que só gradualmente esse coração chegou a ser objeto de culto
especial, como imagem do amor humano e divino do Verbo encarnado.
2) Princípio e progresso do culto ao Sagrado Coração na Idade Média
e nos séculos seguintes
51. Querendo agora indicar somente as etapas gloriosas percorridas por
este culto na história da piedade cristã, mister é recordar, antes de tudo, os
nomes de alguns daqueles que bem podem ser considerados os porta-estandartes
desta devoção, a qual, em forma privada e de modo gradual, foi-se difundindo
cada vez mais nos institutos religiosos. Assim, por exemplo, distinguiram-se
por haver estabelecido e promovido cada vez mais este culto ao coração
sacratíssimo de Jesus: São Boaventura, Santo Alberto Magno, Santa Gertrudes, Santa Catarina de Sena, o Beato Henrique Suso, São Pedro Canísio e São Francisco de
Sales. A São João Eudes deve-se o primeiro ofício litúrgico em honra do sagrado
coração de Jesus, cuja festa se celebrou pela primeira vez, com o beneplácito
de muitos bispos de França, a 20 de outubro de 1672. Mas entre todos os
promotores desta excelsa devoção merece lugar especial Santa Margarida Maria
Alacoque, que, com a ajuda do seu diretor espiritual, o beato Cláudio de la
Colombière, e com o seu ardente zelo, conseguiu, não sem admiração dos féis,
que este culto adquirisse um grande desenvolvimento e, revestido das
características do amor e da reparação, se distinguisse das demais formas da
piedade cristã [34].
52. Basta essa evocação daquela época em que se propagou o culto do
coração de Jesus para nos convencermos plenamente de que o seu admirável
desenvolvimento se deve principalmente ao fato de se achar ele em tudo conforme
com a índole da religião cristã, que é religião de amor. Por conseguinte, não
se pode dizer nem que este culto deve a sua origem a revelações privadas, nem
que apareceu de improviso na Igreja, mas sim que brotou espontaneamente da fé
viva, da piedade fervorosa de almas prediletas para com a pessoa adorável do
Redentor e para com aquelas suas gloriosas feridas, testemunhos do seu amor
imenso que intimamente comovem os corações. Evidente é, portanto, que as
revelações com que foi favorecida s. Margarida Maria não acrescentaram nada de
novo à doutrina católica. A importância delas consiste em que – ao mostrar o
Senhor o seu coração sacratíssimo – de modo extraordinário e singular quis
atrair a consideração dos homens para a contemplação e a veneração do amor
misericordioso de Deus para com o gênero humano. De fato, mediante manifestação
tão excepcional, Jesus Cristo expressamente e repetidas vezes indicou o seu
coração como símbolo com que estimular os homens ao conhecimento e à estima do
seu amor; e ao mesmo tempo constituiu-o sinal e penhor de misericórdia e de
graça para as necessidades da Igreja nos tempos modernos.
3) Aprovação pontifícia da Festa do Coração Sacratíssimo de Jesus
53. Prova evidente de que este culto promana das próprias fontes do
dogma católico dá-a o fato de haver a aprovação da festa litúrgica pela Sé
Apostólica precedido a aprovação dos escritos de s. Margarida Maria. Na
realidade, independentemente de toda revelação privada, e secundando só os
desejos dos féis, por decreto de 25 de janeiro de 1765, aprovado pelo nosso
predecessor Clemente XIII, a 6 de fevereiro do mesmo ano, a Sagrada Congregação
dos Ritos concedeu aos bispos da Polônia e à arquiconfraria romana do sagrado
coração de Jesus a faculdade de celebrar a festa litúrgica. Com esse ato, quis
a Santa Sé que tomasse novo incremento um culto já em vigor, cujo fim era
"reavivar simbolicamente a lembrança do amor divino" [35] que levara o Salvador a fazer-se vítima de
expiação pelos pecados dos homens.
54. A essa primeira aprovação, dada em forma de privilégio e
limitadamente, seguiu-se, a distância de quase um século, outra de importância
muito maior, e expressa em termos mais solenes. Referimo-nos ao decreto da
Sagrada Congregação dos Ritos de 23 de agosto de 1856, anteriormente
mencionado, com o qual o nosso predecessor Pio IX, de imortal memória,
acolhendo as súplicas dos bispos da França e de quase todo o orbe católico, estendeu
a toda a Igreja a festa do coração sacratíssimo de Jesus, e prescreveu a sua
celebração litúrgica [36]. Esse fato merece ser recomendado à lembrança
perene dos fiéis, pois, como vemos escrito na própria liturgia da festa,
"desde então o culto do sacratíssimo coração de Jesus, semelhante a um rio
que transborda, superou todos os obstáculos e difundiu-se pelo mundo todo".
55. De quanto até agora expusemos, veneráveis irmãos, aparece evidente
que é nos textos da Sagrada Escritura, na tradição e na sagrada liturgia que os
fiéis hão de encontrar principalmente os mananciais límpidos e profundos do
culto ao coração sacratíssimo de Jesus, se desejam penetrar na sua íntima
natureza e tirar da sua piedosa meditação alimento e incremento do fervor
religioso. Iluminada, e penetrando nela mais intimamente mediante esta
meditação assídua, a alma fiel não poderá deixar de chegar àquele doce
conhecimento da caridade de Cristo no qual se resume toda a vida cristã, tal
como, instruído pela própria experiência, o ensina o Apóstolo: "Por esta
causa dobro meus joelhos ante o Pai de nosso Senhor Jesus Cristo..., para que,
segundo as riquezas de sua glória, vos conceda por meio do seu Espírito serdes
fortalecidos em virtude no homem interior, e para que Cristo habite pela fé nos
vossos corações, estando vós arraigados e cimentados em caridade; a ~m de que
possais conhecer também aquele amor de Cristo que sobrepuja todo conhecimento,
para serdes plenamente cumulados de toda a plenitude de Deus" (Ef
3,14.16-19). Dessa plenitude universal é precisamente imagem esplendida o
coração de Jesus Cristo: plenitude da misericórdia própria do Novo Testamento,
no qual "Deus nosso Salvador manifestou a sua benignidade e amor para com
os homens" (Tt 3,4); pois "Deus não enviou seu Filho ao mundo para
condenar o mundo, mas sim para que, por meio dele, o mundo se salve" (Jo
3,17).
4) Espiritualidade e excelência do culto ao Coração Sacratíssimo de
Jesus
56. Desde quando promulgou os primeiros documentos oficiais relativos ao
culto do coração sacratíssimo de Jesus, tem sido constante persuasão da Igreja,
mestra da verdade para os homens, que os elementos essenciais desse culto, quer
dizer, os atos de amor e de reparação tributados ao amor infinito de Deus para
com os homens, longe de estarem contaminados de materialismo e de superstição,
constituem uma forma de piedade em que se põe plenamente em prática aquela religião
espiritual e verdadeira que o próprio Salvador anunciou à samaritana: "Já
chega o tempo, e já estamos nele, em que os verdadeiros adoradores adorarão o
Pai em espírito e em verdade" (Jo 4,23-24).
57. Lícito não é, portanto, afirmar que a contemplação do coração físico
de Jesus impede de chegar ao amor íntimo de Deus e retarda o progresso da alma
no caminho que leva à posse das mais excelsas virtudes. A Igreja repele
completamente esse falso misticismo, como, por boca do nosso predecessor
Inocêncio XI, de feliz memória, condenou a doutrina dos que divulgavam que não
devem (as almas desta via interior) fazer atos de amor à santíssima Virgem, aos
santos ou a humanidade de Cristo, porque, sendo sensíveis estes objetos, o amor
que a eles se dirige também há de ser sensível. Nenhuma criatura, nem mesmo a
santíssima Virgem e os santos, deve penetrar no nosso coração, porque só Deus
quer ocupá-lo e possuí-lo" [37]. Os que assim pensam são, naturalmente, de
opinião que o simbolismo do coração de Cristo não se estende a mais do que ao
seu amor sensível, e que, por conseguinte, não pode constituir novo fundamento
do culto de latria, culto reservado só àquilo que é essencialmente divino. Ora,
interpretação semelhante das sagradas imagens, todos veem que é absolutamente
falsa, porque lhes coarcta injustamente o significado. Contrária é a isso a
opinião e o ensino dos teólogos católicos, e entre eles s. Tomás assim escreve:
"Às imagens tributa-se culto religioso, não consideradas em si mesmas,
quer dizer, enquanto realidades, mas sim enquanto imagens que nos levam até
Deus encarnado. O movimento da alma para a imagem enquanto imagem não pára nesta,
mas tende ao objeto por ela representado. Por conseguinte, do fato de tributar
culto religioso às imagens de Cristo não resulta um culto de latria diverso nem
uma virtude de religião diferente" [38]. À própria pessoa do Verbo chega, pois, o
culto relativo tributado às suas imagens, sejam estas as relíquias da sua
acerba paixão, seja a imagem que supera todas em valor expressivo, quer dizer,
o coração ferido de Cristo crucificado.
58. E, assim, do elemento corpóreo, que é o coração de Jesus Cristo, e
do seu natural simbolismo, é legítimo e justo que, levados pelas asas da fé,
nos elevemos não só à contemplação do seu amor sensível, porém a mais alto, até
à consideração e adoração do seu excelentíssimo amor infuso, e, finalmente, num
vôo sublime e doce ao mesmo tempo, até à meditação e adoração do amor divino do
Verbo encarnado; já que à luz da fé, pela qual cremos que na pessoa de Cristo
estão unidas a natureza humana e a natureza divina, podemos conceber os
estreitíssimos vínculos que existem entre o amor sensível do coração físico de
Jesus e o seu duplo amor espiritual, o humano e o divino. Em realidade, não
devem esses amores ser considerados simplesmente como coexistentes na adorável
pessoa do Redentor divino, mas também como unidos entre si com vínculo natural,
nisto que ao amor divino estão subordinados o humano, o espiritual e o
sensível, os quais são uma representação analógica daquele. Com isso não
pretendemos que no coração de Jesus se deva ver e adorar a chamada imagem
formal, quer dizer, a representação perfeita e absoluta do seu amor divino, não
sendo possível, como não é, representar adequadamente por qualquer imagem
criada a íntima essência desse amor; mas a alma fiel, venerando o coração de
Jesus, adora juntamente com a Igreja o símbolo e como que a marca da caridade
divina, caridade que com o coração do Verbo encarnado chegou até a amar o
gênero humano contaminado de tantos crimes.
59. Portanto, neste assunto tão importante como delicado, é necessário
ter sempre presente que a verdade do simbolismo natural, que relaciona o
coração físico de Jesus com a pessoa do Verbo, repousa toda na verdade primária
da união hipostática; quem isto negasse renovaria erros mais de uma vez
condenados pela Igreja, por contrários à unidade da pessoa de Cristo em duas
naturezas íntegras e distintas.
60. Essa verdade fundamental permite-nos entender como o coração de
Jesus é o coração de uma pessoa divina, quer dizer, do Verbo encarnado, e que,
por conseguinte, representa e nos põe ante os olhos todo o amor que ele nos
teve e ainda nos tem. E aqui está a razão por que, na prática, o culto ao
sagrado coração é considerado como a mais completa profissão da religião
cristã. Verdadeiramente, a religião de Jesus Cristo funda-se toda no Homem-Deus
mediador; de maneira que não se pode chegar ao coração de Deus senão passando
pelo coração de Cristo, conforme o que ele mesmo afirmou: "Eu sou o caminho,
a verdade e a vida. Ninguém vem ao Pai senão por mim" (Jo 14,6). Assim
sendo, facilmente deduzimos que, pela própria natureza das coisas, o culto ao
sacratíssimo coração de Jesus é o culto ao amor com que Deus nos amou por meio
de Jesus Cristo, e, ao mesmo tempo, o exercício do amor que nos leva a Deus e
aos outros homens; ou, dito por outra forma, este culto dirige-se ao amor de
Deus para conosco, propondo-o como objeto de adoração, de ação de graças e de
imitação; e tem por fim a perfeição do nosso amor a Deus e aos homens mediante
o cumprimento cada vez mais generoso do mandamento "novo", que o
divino Mestre legou como sagrada herança aos seus apóstolos quando lhes disse:
"Um novo mandamento vos dou: que vos ameis uns aos outros, como eu vos
amei... O meu preceito é que vos ameis uns aos outros, como eu vos amei"
(Jo 13,34; 15,12). Esse mandamento, verdadeiramente, é "novo" e
"próprio" de Cristo; porque, como diz s. Tomás de Aquino: "Pouca
diferença há entre o Antigo e o Novo Testamento; pois, como diz Jeremias:
'Farei um pacto novo com a casa de Israel' (Jr 31,31). Porém que este
mandamento se praticasse no Antigo Testamento a impulsos de um santo temor e
amor, isto pertencia ao Novo Testamento; de sorte que este mandamento existia
na antiga lei não como próprio dela, porém como preparação da nova lei" [39].
V. Exortação à prática mais
pura e mais extensa do culto ao Sagrado Coração de Jesus
1) Convite a compreender e praticar melhor as várias formas da devoção
ao Coração de Jesus
61. Antes de terminarmos as considerações tão belas e tão consoladoras
que vos estamos fazendo sobre a natureza autêntica deste culto e a sua cristã
excelência, nós, cônscios do ofício apostólico confiado em primeiro lugar a s.
Pedro depois que ele por três vezes professou o seu amor a Jesus Cristo nosso
Senhor, julgamos conveniente, veneráveis irmãos, exortar-vos uma vez mais, e
por vosso intermédio exortar todos os caríssimos filhos que em Cristo temos, a
que vos esforceis com crescente entusiasmo por promover esta suavíssima
devoção, pois confiamos que dela hão de brotar grandes proveitos também nos
nossos tempos.
62. Em verdade, se se ponderam devidamente os argumentos em que se funda
o culto ao coração ferido de Jesus, todos verão claramente não se tratar aqui
de uma forma qualquer de piedade, que se possa pospor a outras ou ter em menos,
mas sim de uma prática religiosa sumamente apta para conseguir a perfeição
cristã. Se segundo o conceito teológico tradicional, expresso pelo Doutor
angélico – "a devoção não é outra coisa senão a vontade pronta de se
dedicar a tudo o que se relaciona com o serviço de Deus" [40], pode haver serviço divino mais devido e mais
necessário, e ao mesmo tempo mais nobre e mais suave, daquele que se presta ao
seu amor? Que coisa pode haver mais grata e mais aceita a Deus do que o serviço
que se faz à caridade divina, e que se faz por amor, sendo, como é, todo
serviço voluntário, de certo modo, um dom, e constituindo o amor "o dom
primeiro e origem de todos os dons gratuitos"? [41]. Digna é, pois, de sumo apreço uma forma de
culto mediante a qual o homem ama e honra mais a Deus e se consagra com maior
facilidade e liberdade à caridade divina; forma de culto que o nosso próprio
Redentor se dignou propor e recomendar ao povo cristão, e que os sumos
pontífices confirmaram com memoráveis documentos e enalteceram com grandes
louvores. Por isso, quem tivesse em pouco esse insigne benefício que Jesus
Cristo deu à sua Igreja, procederia temerária e perniciosamente, e ofenderia o
próprio Deus.
63. Isso posto, não se pode duvidar de que os cristãos que honram o
sacratíssimo coração do Redentor cumprem o dever, por demais gravíssimo, que
eles têm de servir a Deus, e que justamente se consagram a si mesmos e todas as
suas coisas, seus sentimentos interiores e sua atividade exterior, ao seu
Criador e Redentor, e que desse modo observam aquele divino mandamento:
"Amarás o Senhor teu Deus com todo o teu coração, com toda a tua alma, com
toda a tua mente e com todas as tuas forças" (Mc 12,30; Mt 22,37). Além
disso, têm a certeza de que honrar a Deus não os move principalmente o proveito
pessoal, corporal ou espiritual, temporal ou eterno, e sim a bondade do próprio
Deus, a quem eles procuram obsequiar com correspondência de amor, com atos de
adoração e com a devida ação de graças. Se assim não fora, o culto ao
sacratíssimo coração de Jesus não corresponderia ao caráter genuíno da religião
cristã, visto que com tal culto o homem não honraria principalmente o amor
divino; e não sem motivo, como às vezes sucede, poder-se-ia increpar de
excessivo amor e solicitude de si mesmos os que entendem mal esta nobilíssima
devoção ou não a praticam convenientemente.
64. Tenham, pois, todos a firme persuasão de que no culto ao
augustíssimo coração de Jesus o mais importante não são as práticas externas de
piedade, e que o motivo principal de abraçá-lo não deve ser a esperança dos
benefícios que Cristo nosso Senhor prometeu em revelações, e estas privadas,
precisamente para que os homens cumpram com mais fervor os principais deveres
da religião católica, a saber: o dever do amor e o da expiação, e assim também
obtenham da melhor maneira o seu próprio proveito espiritual.
65. Exortamos, pois, todos os nossos filhos em Cristo a praticarem com
entusiasmo esta devoção, tanto os que já costumam beber as águas salutares que
manam do coração do Redentor, como sobretudo os que, à guisa de espectadores,
olham de longe, com curiosidade e dúvida. Considerem esses com atenção
tratar-se, como já dissemos, de um culto desde há tempos arraigado na Igreja, e
que se apóia solidamente nos próprios Evangelhos; de um culto em favor do qual
está claramente a tradição e a sagrada liturgia, e que os próprios pontífices
romanos exaltaram com muitos e grandes louvores; pois não se contentaram com
instituir uma festa em honra do coração do Redentor e estendê-la a toda a
Igreja, mas ainda tomaram a iniciativa de dedicar e consagrar com rito solene
todo o gênero humano ao mesmo sacratíssimo coração [42]. Considerem, finalmente, os frutos copiosos e
consoladores que a Igreja tem colhido desta devoção: inúmeras conversões à
religião católica, a fé de muitos reavivada, a união mais estreita dos cristãos
com o nosso amantíssimo Redentor; frutos esses todos que, sobretudo nestes
últimos decênios, têm sido observados com maior frequência e esplendor.
66. Ao contemplarmos este magnífico espetáculo da extensão e do fervor
com que a devoção ao sacratíssimo coração de Jesus se tem propagado em toda
classe de fiéis, sentimo-nos cheios de alegria e de consolação; e, depois de
darmos as devidas graças ao nosso Redentor, que é tesouro infinito de bondade,
não podemos deixar de nos congratular paternalmente com todos os que têm
contribuído eficazmente para promover este culto, pertençam eles ao clero ou as
fileiras dos simples féis.
2) Grande utilidade do culto ao Sagrado Coração de Jesus nas atuais
necessidades da Igreja
67. Veneráveis irmãos, embora a devoção ao sagrado coração de Jesus
tenha produzido em toda parte frutos salutares de vida cristã, contudo ninguém
ignora que a Igreja militante na terra, e sobretudo a sociedade civil, ainda
não alcançaram o grau de perfeição que corresponde aos desejos de Jesus Cristo,
esposo místico da Igreja e Redentor do gênero humano. Não são poucos os filhos
da Igreja que com numerosas manchas e rugas deturpam o rosto materno que em si
mesmos refletem; nem todos os cristãos brilham por santidade de costumes, à
qual por vocação divina são chamados; nem todos os pecadores que em má hora
abandonaram a casa paterna têm voltado para de novo vestir-se nela com "a
veste preciosa" (Lc 15,22) e pôr no dedo o anel, símbolo de fidelidade
para com o esposo de sua alma; nem todos os infiéis se incorporaram ainda ao
corpo místico de Cristo. Há mais. Porque, se bem que nos encha de amarga dor o
ver a fé definhar nos bons, e contemplar como, pelo falaz atrativo dos bens
terrenos, lhes decresce nas almas e aos poucos se apaga o fogo da caridade
divina, muito mais nos atormentam as maquinações dos ímpios, que, agora mais do
que nunca, parecem incitados pelo inimigo infernal no seu ódio implacável e
aberto contra Deus, contra a Igreja e, sobretudo, contra aquele que representa
na terra a pessoa do divino Redentor e a sua caridade para com os homens,
consoante a conhecidíssima frase do doutor de Milão, "(Pedro) é
interrogado sobre aquilo de que há dúvida, mas não o duvida o Senhor; pergunta,
não para saber, mas para ensinar àquele que, na sua ascensão ao céu, ele
nos deixava como vigário do seu amor" [43].
68. Certamente, o ódio contra Deus e contra os que legitimamente lhe
fazem as vezes é o maior crime que o homem pode cometer, criado como foi este à
imagem e semelhança de Deus, destinado a gozar da sua amizade perfeita e eterna
no céu; visto que peio ódio a Deus o homem se afasta o mais possível do sumo
Bem, sente-se impelido a repelir de si e do seu próximo tudo quanto vem de
Deus, tudo quanto une com Deus, tudo quanto conduz a gozar de Deus, ou seja a
verdade, a virtude, a paz e a justiça [44].
69. Podendo, pois, observar que, por desgraça, cresce em algumas partes
o número dos que se jactam de ser inimigos do Senhor eterno, e que os falsos
princípios do "materialismo" se difundem teórica e praticamente; e
ouvindo como continuamente se exalta a licença desenfreada das paixões, como
estranharmos que em muitas almas se arrefeça a caridade, que é a suprema lei da
religião cristã, o fundamento mais firme da verdadeira e perfeita justiça, o
manancial mais abundante da paz e das castas delícias? Já o advertiu o nosso
Salvador: "Pela inundação dos vícios, arrefecer-se-á a caridade de
muitos" (Mt 24,12).
3) O culto ao Sagrado Coração de Jesus, lábaro de salvação também
para o mundo moderno
70. À vista de tantos males que, hoje como nunca, transtornaram
profundamente os indivíduos, as famílias, as nações e o orbe inteiro, onde
acharmos, veneráveis irmãos, um remédio eficaz? Poderemos encontrar alguma
devoção que se avantaje ao culto augustíssimo do coração de Jesus, que
corresponda melhor à índole própria da fé católica, que com mais eficácia
satisfaça as necessidades atuais da Igreja e do gênero humano? Que homenagem
religiosa mais nobre, mais suave e mais salutar do que este culto que se dirige
todo à própria caridade de Deus? [45]. Por último, que pode haver de mais eficaz do
que a caridade de Cristo – que a devoção ao sagrado coração promove e fomenta
cada dia mais – para estimular os cristãos a praticarem em sua vida a lei
evangélica, sem a qual não é possível haver entre os homens paz verdadeira,
como claramente ensinam aquelas palavras do Espírito Santo: "Obra da
justiça será a paz" (Is 32,17)?
71. Pelo que, seguindo o exemplo do nosso imediato antecessor, queremos
lembrar de novo a todos os nossos filhos em Cristo a exortação que, ao expirar
o século passado, Leão XIII, de feliz memória, dirigiu a todos os cristãos e a
quantos se sentiam sinceramente preocupados com a sua própria salvação e com a
salvação da sociedade civil: "Vede hoje ante vossos olhos um segundo
lábaro consolador e divino: o sacratíssimo coração de Jesus..., que brilha com
refulgente esplendor por entre as chamas. Nele devemos pôr toda a nossa
confiança; a ele devemos suplicar e dele devemos esperar a nossa salvação" [46].
72. Também vivamente desejamos que todos os que se gloriam do nome de
cristãos e lutam ativamente por estabelecer o reino de Jesus Cristo no mundo,
considerem a devoção ao coração de Jesus como bandeira e manancial de unidade,
de salvação e de paz. Ninguém pense que esta devoção prejudique no que quer que
seja as outras formas de piedade com que, sob a direção da Igreja, o povo
cristão venera o divino Redentor. Ao contrário, uma fervorosa devoção ao
coração de Jesus fomentará e promoverá, sobretudo, o culto a santíssima cruz,
não menos do que o amor ao augustíssimo sacramento do altar. E, em realidade –
como o evidenciam as revelações de Jesus Cristo a s. Gertrudes e a s. Margarida
Maria – podemos afirmar que ninguém chegará a sentir devidamente a respeito de
Jesus Cristo crucificado se não for penetrando nos arcanos do seu coração: Nem
será fácil entender o ímpeto do amor com que Jesus Cristo se deu a nós por
alimento espiritual se não é fomentando a devoção ao coração eucarístico de
Jesus; a qual – para nos valermos das palavras do nosso predecessor Leão XIII,
de feliz memória – nos recorda "aquele ato de amor supremo com que,
entornando todas as riquezas do seu coração, afim de prolongar a sua estada
conosco até a consumação dos séculos, o nosso Redentor instituiu o adorável
sacramento da eucaristia" [47]. Certamente, "não é pequena a parte que
na eucaristia teve o seu coração, sendo tão grande o amor do seu coração com
que ele no-la deu" [48].
73. Finalmente, desejando ardentemente opor segura barreira as ímpias
maquinações dos inimigos de Deus e da Igreja, como também fazer as famílias e
as nações voltarem ao amor de Deus e do próximo, não duvidamos em propor a
devoção ao sagrado coração de Jesus como escola eficacíssima de caridade
divina; dessa caridade divina sobre a qual se há de construir o reino de Deus
nas almas dos indivíduos, na sociedade doméstica e nas nações, como sabiamente
advertiu o nosso mesmo predecessor, de piedosa memória: "Da caridade
divina recebe o reino de Jesus Cristo a sua força e a sua beleza; o seu
fundamento e a sua síntese é amar santa e ordenadamente. Donde necessariamente
se segue o cumprir integralmente os próprios deveres, o não violar os direitos
alheios, o considerar os bens naturais como inferiores aos sobrenaturais, e o
antepor o amor de Deus a todas as coisas" [49].
74. A fim de que a devoção ao coração augustíssimo de Jesus produza
frutos mais copiosos na família cristã e mesmo em toda a humanidade, procurem
os féis unir a ela estreitamente a devoção ao coração imaculado da Mãe de Deus.
Foi vontade de Deus que, na obra da redenção humana, a santíssima virgem Maria
estivesse inseparavelmente unida a Jesus Cristo; tanto que a nossa salvação é
fruto da caridade de Jesus Cristo e dos seus padecimentos, aos quais foram
intimamente associados o amor e as dores de sua Mãe. Por isso, convém que o
povo cristão, que de Jesus Cristo, por intermédio de Maria, recebeu a vida
divina, depois de prestar ao sagrado coração o devido culto, renda também ao
amantíssimo coração de sua Mãe celestial os correspondentes obséquios de
piedade, de amor, de agradecimento e de reparação. Em harmonia com esse
sapientíssimo e suavíssimo desígnio da divina Providência, nós mesmo, por ato
solene, dedicamos e consagramos a santa Igreja e o mundo inteiro ao coração
imaculado da santíssima Virgem Maria [50].
4) Convite para celebrar dignamente o primeiro centenário da Festa do
Sagrado Coração de Jesus na Igreja universal
75. Completando-se felizmente este ano, como antes indicamos, o primeiro
século da instituição da festa do sagrado coração de Jesus em toda a Igreja,
instituição promovida pelo nosso predecessor Pio IX, de feliz memória, é vivo
desejo nosso, veneráveis irmãos, que o povo cristão celebre este centenário
solenemente em toda parte, com atos públicos de adoração, de ação de graças e
de reparação ao coração divino de Jesus. Com especial fervor serão, sem dúvida,
celebradas estas solenes manifestações de alegria cristã e de cristã piedade –
em união de caridade e em comunhão de orações com todos os demais fiéis naquela
nação em que por desígnio de Deus, nasceu a santa Virgem que foi promotora e propagadora
infatigável desta devoção.
76. Entrementes, animado de doce esperança, e já pressagiando os frutos
espirituais que da devoção ao sagrado coração de Jesus hão de transbordar
copiosamente na Igreja se esta devoção, conforme explicamos, for entendida
retamente e praticada com fervor, a Deus suplicamos que, com o poderoso auxílio
da sua graça, queira atender estes nossos vivos desejos, e fazer que, com a
ajuda divina, as celebrações deste ano aumentem cada vez mais a devoção dos
féis ao sagrado coração de Jesus, e assim se estenda mais por todo o mundo o
seu império e reino suave; esse "reino de verdade e de vida, reino de
santidade e de graça, reino de justiça, de amor e de paz" [51].
77. Como penhor destes dons celestiais, vos concedemos de todo o coração
a bênção apostólica, tanto a vós pessoalmente, veneráveis irmãos, como ao clero
e a todos os fiéis confiados à vossa solicitude pastoral, e em especial àqueles
que de propósito fomentam e promovem a devoção ao Sagrado Coração de Jesus.
Dado em Roma, junto de São Pedro, no dia 15 de maio de 1956, ano XVIII
do nosso pontificado.
PIO XII
Notas:
[1] Encíclica Annum Sacrum, 25 de maio de 1899; Acta
Leonis, 19 (1900), pp. 71.77-78.
[2] Encíclica Miserentissimus Redemptor, 08 de maio de
1928; AAS 20 (1928), p. 167.
[3] cf. Encíclica Summi Pontificatus, 20 de outubro de 1939; AAS 31 (1939), p. 415.
[4] cf. AAS 32 (1940), p. 276;
35 (1943), p. 170; 37 (1945), pp. 263-264; 40 (1948), p. 501; 41 (1949), p. 331.
[5] Conc. Ephes., cân. 8; cf. Mansi, Sacrorum
Conciliorum amplissima collectio, IV, 1083 C; Conc. Const. II, cân. 9;
cf. ibid., IX, 382 E.
[6] cf. Encíclica Annum Sacrum, Acta Leonis, 19
(1900), p. 76.
[7] Summa Theol., I-II, q. 2, a. 7;
ed. Leon. t. VIII, 1895, p. 34.
[8] ibid., III, q. 48. a. 2 ;
ed. Leon. t. XI, 1903, p. 464.
[9] cf. Encíclica Miserentissimus Redemptor; AAS
20 (1928), p. 170.
[10] Summa Theol., III, q. 46, a. l
ad 3; ed. Leon., t. XI, 1903, p. 436.
[11] São Leão Magno, Epist. dogm: "Lectis
dilectionis tuae" ad Flavianum Const. Patr. de 13 de junho de 449; cf.
PL 54, 763.
[12] Conc. Chaelced. (a. 451); cf. Mansi, op. cit.,
VII, 115 B.
[13] S. Gelasio Papa, Tract. III:
"Necessarium" De duabus naturis in Christo, cf. A.
Thiel, Epist. rom. pont, a s. Hilaro usque ad Pelagium II, p. 532.
[14] cf. Santo Tomás, Summa theol., III,
q. 15, a. 4; q. 18, a. 6; ed. Leon. t. Xl, 1903, pp.189.237.
[15] Apol. 2, 13; PG 6, 465.
[16] Epist. 261, 3; PG 32, 972.
[17] In Joann. Homil. 63, 2; PG 59,
350.
[18] De fide ad Gratianum, II, 7,
56; PL 16, 594.
[19] cf. Super Matth., 26, 37; PL 26,
205.
[20] Enarr. Ps. 87, 3; PL 37, 1111.
[21] De Fide Orth., III, 6; PG
94, 1006.
[22] ibid., III, 20; PG 94, 1081.
[23] Summa theol., I-II, q. 48, a. 4;
ed. Leon. t. VI, 1891, p. 306.
[24] cf. ibid., III, q. 9, aa.
l-3; ed. Leon. t. XI, 1903, p.142.
[25] cf. ibid., III, q. 33, a. 2 até
3; q. 46, a. 6; ed. Leon. t. XI, 1903, pp. 342.433.
[26] Registr. epist., lib. IV,
ep. 31 ad Theodorum medicum: PL 77, 706.
[27] De sancta virginitate, VI; PL 40,
399.
[28] cf. Santo Tomás, Summa theol., III,
q.19, a. l; ed. Leon., t. XI, 1903, p. 329.
[29] Summa theol., Suppl.,
q. 42, a. l até 3; ed. Leon., t. XII, 1906, p. 81.
[30] Hino das Vésperas da Festa do Sagrado Coração
de Jesus.
[31] Summa theol, III, q. 66, a. 3,
ed. Leon., t. XII, 1906, p. 65.
[32] S. Boaventura, Opusc. X: Vitis
mystica, c. III, n. 5: Opera Omnia, Ad Claras Aquas
(Quaracchi), 1898, t. VIII, p. 164; cf. Santo Tomás, Summa theol.,
III, q. 54, a. 4; ed. Leon., t. XI, 1903, p. 513.
[33] cf. Summa theol., III, q.
48, a. 5; ed. Leon., t. XI ,1903, p. 467.
[34] cf. Encíclica Miserentissimus Redemptor; AAS
20 (1928), pp.167-168.
[35] cf. A. Gardellini, Decreta
authentica, 1857, n. 4579, t. III, p.174.
[36] cf. Decr. S. C. Ritum in: N.
Nilles, De rationibus festorum Sacratissimi Cordis Iesu et purissimi
Cordis Mariae, 5e ed. Innsbruck, 1885, t. I, p. 167.
[37] Inocêncio XI, Const. Ap. Coelestis
Pastor (19 de novembro de 1687): Bullarium Romanum, Romae, 1734,
t. VIII, p. 443.
[38] Summa theol., II-II, q. 81, a.
3; ed. Leon., t. IX, 1897, p.180.
[39] Comment. in Evang, s. Joannis, c.
XIII, lect. VII, 3; ed. Parmae, 1860, t. X, p. 541.
[40] Summa theol., II-II, q. 82, a,
l; ed. Leon. t. IX, 1897, p. 187.
[41] ibid., I, q. 38, a. 2; ed. Leon.
t. IV, 1888, p. 393.
[42] cf. Leão XIII, Encíclica Annum Sacrum: Acta
Leonis, vol. 19 (1900), p. 71s; Decr. S. C. Rituum, 28 de junho de
1899, in: Decr. Auth. III, n. 3712; Pio XI, Encíclica Miserentissimus Redemptor; AAS, 20 (1928),
p.177s; Decr. S. C. Rituum, (29 de janeiro de 1929): AAS 21(1929), p.
77.
[43] Santo Ambrósio, Exposit. in Evang. sec.
Lucam, t. X, n.175: PL 15,1942.
[44] cf. Santo Tomás, Summa Teol.,
II-II, q. 34, a. 2; ed. Leon. t. VIII, 1895, p 274.
[45] cf. Encíclica Miserentissimus Redemptor; AAS 20(1928),
p. 166.
[46] Encíclica Annum sacrum: Acta
Leonis, 19 (1900,) p. 79; Encíclica Miserentissimus Redemptor: AAS
20 (1928), p. 167.
[47] Carta Apostólica quibus Archisodalitas a
Corde Eucharístico lesu ad S. Joachim de Urbe erigitur. (17 de
fevereiro de 1903): Acta Leonis, 22 (1903), p. 307s; cf.
Encíclica Mirae caritatis (22 de maio de 1902): Acta
Leonis, 22 (1903), p. 116.
[48] Santo Alberto Magno, De Eucharistia,
dist. VI, tr. l, c. l: Opera Omnia, ed. Borguet, vol. 38,
Paris, 1890, p. 358.
[49] Encíclica Tametsi: Acta Leonis,
20 (1900), p. 303.
[50] cf. AAS 34 (1942), p. 345s.
[51] Missal Romano, Prefácio de Cristo
Rei.
Fonte: Santa Sé.
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