Vésperas da Conversão de São Paulo Apóstolo
57ª Semana de Oração pela Unidade dos Cristãos
Homilia do Papa Francisco
Basílica de São Paulo fora dos muros
Quinta-feira, 25 de janeiro de 2024
No
Evangelho que ouvimos (Lc 10,25-37), o doutor da Lei, embora se dirija a
Jesus tratando-o por «Mestre», não quer deixar-se instruir por Ele, mas pô-lo à
prova. Entretanto, um equívoco ainda maior emerge da sua pergunta: «Que hei de
fazer para possuir a vida eterna?» (v. 25). Fazer para possuir, fazer para ter:
estamos perante uma religiosidade deturpada, assentada na posse e não no dom,
onde Deus é o meio para obter aquilo que quero, e não o fim que devo amar com
todo o coração. Mas Jesus é paciente e convida aquele homem a encontrar a
resposta na Lei em que é perito; nela se prescreve: «Amarás ao Senhor, teu
Deus, com todo o teu coração, com toda a tua alma, com todas as tuas forças e
com todo o teu entendimento, e ao teu próximo como a ti mesmo» (v. 27).
Então o doutor da
Lei, «querendo justificar a pergunta», coloca uma segunda questão: «E quem é o
meu próximo?» (v. 29). Se, na primeira pergunta, se arriscava a reduzir Deus ao
próprio «eu», nesta procura-se dividir: dividir as pessoas entre aquelas que devemos
amar e aquelas que podemos ignorar. E dividir nunca vem de Deus; é do diabo,
que sempre divide. Jesus, porém, não replica com uma teoria, mas com a parábola
do bom samaritano, com uma história concreta, que interpela também a nós. Com
efeito, queridos irmãos e irmãs, quem se comporta mal, com indiferença, é o
sacerdote e o levita que antepõem, às carências de quem sofre, a salvaguarda
das suas tradições religiosas. Ao contrário, é um herege, um samaritano, que dá
sentido à palavra «próximo», porque se faz próximo: sente
compaixão, aproxima-se e inclina-se com ternura sobre as feridas daquele irmão;
cuida dele, independentemente do seu passado e das suas culpas, e serve-o com o
melhor de si mesmo (vv. 33-35). Isto permite a Jesus concluir que a pergunta
correta não é: «Quem é o meu próximo?», mas: «Eu… faço-me próximo?».
Só este amor que se torna serviço gratuito, só este amor que Jesus proclamou e
viveu, aproximará uns dos outros os cristãos separados. Sim, só este amor, que
não esquadrinha o passado para justificar distâncias ou acusações; só este amor
que, em nome de Deus, antepõe o irmão à férrea defesa do próprio sistema
religioso; só este amor nos unirá. Primeiro o irmão, depois o sistema.
Irmãos e irmãs,
entre nós não deveríamos jamais perguntar-nos «quem é o meu próximo?».
Porque todo o batizado pertence ao mesmo Corpo de Cristo; mais ainda, porque
cada pessoa no mundo é meu irmão ou minha irmã e, todos, compomos a «sinfonia
da humanidade», da qual Cristo é Primogênito e Redentor. Como recorda Santo Irineu
(que tive a alegria de proclamar «Doutor da unidade»), «quem ama a verdade não
deve deixar-se enganar pela diferença entre cada um dos sons, nem imaginar que
um músico seja o artífice e o criador deste som e outro o artífice e o criador
do outro (...), mas há de pensar que um único músico os produziu a ambos» (Adversus
haereses II, 25, 2). Assim não devo perguntar «quem é o meu
próximo?», mas «eu…faço-me próximo?». Eu e, depois, a minha
comunidade, a minha Igreja, a minha espiritualidade... fazemo-nos próximos? Ou
ficamos entrincheirados na defesa dos próprios interesses, ciosos da própria
autonomia, fechados no cálculo das próprias vantagens, estabelecendo relações
com os outros apenas para ganhar qualquer coisa? Se assim fosse, não se
trataria apenas de erros estratégicos, mas de infidelidade ao Evangelho.
«Que hei de
fazer para possuir a vida eterna?»: começara assim o diálogo entre o doutor
da Lei e Jesus. Mas tal pergunta também acaba alterada graças ao Apóstolo
Paulo, de quem hoje celebramos a Conversão, nesta Basílica a ele dedicada. Pois
bem, justamente quando Saulo de Tarso, perseguidor dos cristãos, encontra Jesus
naquela visão de luz que o envolve e muda a sua vida, pergunta-lhe: «Que hei de
fazer, Senhor?» (At 22,10). Não pergunta «que hei de fazer para
possuir…», mas «que hei de fazer, Senhor?». O Senhor é o fim do
pedido, a verdadeira herança, o bem supremo. Paulo não muda de vida em base aos
seus objetivos, não se torna melhor porque realiza os seus projetos. A sua conversão
nasce de uma reviravolta existencial, onde a primazia já não pertence à sua
valentia em praticar a Lei, mas à docilidade para com Deus, em uma abertura
total ao que Ele quer. Não à sua valentia, mas à sua docilidade: uma
reviravolta da valentia à docilidade. Se Jesus é o tesouro, o nosso programa
eclesial não pode consistir senão em fazer a sua vontade, em ir ao encontro dos
seus desejos. E Ele, na noite antes de dar a vida por nós, elevou uma ardente
súplica ao Pai por todos nós, «para que todos sejam um só» (Jo 17,21).
Esta é a sua vontade.
Todos os esforços
feitos em vista da plena unidade são chamados a seguir o mesmo percurso de
Paulo, a pôr de lado a centralidade das nossas ideias para procurar a voz do
Senhor e deixar-lhe iniciativa e espaço. Bem o compreendera um outro Paulo,
grande pioneiro do movimento ecumênico, o Abade Paulo Couturier, que na oração
costumava implorar a unidade dos crentes «como Cristo a quer», «com os meios
que Ele quer». Precisamos desta conversão de perspectiva e sobretudo de
coração, pois, como afirmou o Concílio Vaticano II há sessenta anos,
«não há verdadeiro ecumenismo sem conversão interior» (Decreto Unitatis
redintegratio, n. 7). Enquanto rezamos juntos, reconheçamos - cada qual
partindo de si mesmo - que precisamos nos converter, precisamos permitir que o
Senhor mude os nossos corações. Esta é a estrada: caminhar juntos e servir
juntos, colocando a oração em primeiro lugar. De fato, quando os cristãos amadurecem
no serviço de Deus e do próximo, crescem também na compreensão mútua, como
afirma o mesmo Concílio: «Quanto mais unidos estiverem em comunhão estreita com
o Pai, o Verbo e o Espírito, tanto mais íntima e facilmente conseguirão
aumentar a fraternidade mútua» (ibid.).
Por isso
encontramo-nos aqui, nesta tarde, vindos de diferentes países, de diversas
culturas e tradições. Agradeço a Sua Graça Justin Welby, Arcebispo de Canterbury,
ao Metropolita Policarpo, representante do Patriarcado Ecumênico de
Constantinopla, e a todos vós que tornais presentes muitas comunidades cristãs.
Dirijo uma saudação especial aos membros da Comissão Mista Internacional para o
diálogo teológico entre a Igreja Católica e as Igrejas Ortodoxas Orientais, que
celebram o XX aniversário do seu caminho, e aos Bispos católicos e anglicanos
que participam no encontro da Comissão Internacional para a Unidade e a Missão.
É belo poder hoje, com o meu irmão Arcebispo Justin, conferir a estes pares de
Bispos o mandato de continuar a testemunhar a unidade querida por Deus para a
sua Igreja nas respectivas regiões, avançando juntos para «difundir a
misericórdia e a paz de Deus em um mundo delas necessitado» (Apelo dos Bispos
IARCCUM, Roma 2016). Saúdo também os bolsistas do Comitê para a Colaboração
Cultural com as Igrejas Ortodoxas do Dicastério para a Promoção da Unidade dos
Cristãos e os participantes nas visitas de estudo organizadas para jovens
sacerdotes e monges das Igrejas Ortodoxas Orientais, e para os estudantes do
Instituto Ecumênico de Bossey do Conselho Ecumênico das Igrejas.
Juntos, como
irmãos e irmãs em Cristo, rezemos com Paulo dizendo: «Que hei de fazer,
Senhor?». E, no próprio ato de colocar a pergunta, já existe uma resposta,
porque a primeira resposta é a oração. Rezar pela unidade é o primeiro dever do
nosso caminho. E é um dever santo, porque é estar em comunhão com o Senhor, que
antes de tudo rezou ao Pai pela unidade. E continuemos a rezar ainda pelo fim
das guerras, especialmente na Ucrânia e na Terra Santa. Penso sentidamente no
amado povo do Burkina Faso, em particular nas comunidades que lá prepararam o
material para esta Semana de Oração pela Unidade: oxalá o amor ao próximo tome
o lugar da violência que aflige o seu país.
«Que hei de
fazer, Senhor?». E o Senhor - conta Paulo - disse-me: «Levanta-te e vai...» (At 22,10). Levanta-te,
diz Jesus a cada um de nós e à nossa busca de unidade. Levantemo-nos então, em
nome de Cristo, dos nossos cansaços e das nossas rotinas, e prossigamos,
avancemos, porque Ele o quer, e o quer «para que o mundo creia» (Jo 17,21).
Rezemos, pois, e sigamos em frente, porque é isto que Deus deseja de nós. É
isto que Ele deseja de nós.
Fonte: Santa Sé.
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