O II Domingo do Tempo Comum (antigo II
Domingo após a Epifania) também é conhecido como Domingo “Omnis terra”,
em referência à antífona de entrada tomada do Sl 65,4: “Omnis terra
adóret te, Deus...” (“Toda terra te adore, ó Deus...”).
No tempo do Papa Inocêncio III (†1216) esse domingo era dedicado à devoção à Santa Face de Jesus, com uma procissão da Basílica de São Pedro até a igreja do
Espírito Santo in Sassia, junto à qual funcionava um hospital, exortando
assim a ver a face de Cristo no rosto dos irmãos sofredores (cf. Mt
25,31-46).
Para celebrar esse domingo, propomos aqui o
discurso do Papa Bento XVI (†2022) durante sua visita ao Santuário da
Santa Face de Manoppello, na região italiana dos Abruzos, no dia 01 de
setembro de 2006.
Visita ao Santuário da Santa Face de Manoppello
Discurso do Papa Bento XVI
Sexta-feira, 01 de setembro de 2006
Queridos irmãos e irmãs!
Antes de tudo, desejo mais uma vez
agradecer profundamente este acolhimento, as suas palavras, Excelência [Dom
Bruno Forte, Arcebispo de Chieti-Vasto], tão profundas, tão cordiais, a
expressão da sua amizade, da vossa amizade, e os dons de grandíssimo
significado: a Face de Cristo que aqui se venera, para mim, para a minha casa,
e depois estes dons da vossa terra, que expressam a beleza e a bondade da
terra, dos homens que vivem e trabalham aqui, e a beleza e bondade do próprio
Criador.
Bento XVI venera a “Santa Face de Manoppello” |
Desejo simplesmente agradecer ao Senhor
o encontro de hoje, simples e familiar, em um lugar onde podemos meditar sobre
o mistério do amor divino, contemplando o ícone da Santa Face. A todos vós aqui
presentes dirijo o meu agradecimento mais sentido pelo vosso cordial
acolhimento e pelo empenho e discrição com que favorecestes esta peregrinação
particular, que, contudo, como peregrinação eclesial não pode ser totalmente
particular. Saúdo e agradeço, repito, em particular ao vosso Arcebispo, amigo
desde muitos anos. Colaboramos na Comissão Teológica Internacional. E em tantos diálogos
aprendi sempre da sua sabedoria, e também dos seus livros. Obrigado pelos dons
que me oferecestes e que aprecio muito precisamente na sua qualidade de “sinais”,
como os chamou Dom Bruno Forte.
De fato, eles são sinais da comunhão
afetiva e efetiva que liga o povo desta querida terra dos Abruzos ao Sucessor
de Pedro. Dirijo uma saudação especial a vós, sacerdotes, religiosos,
religiosas e seminaristas aqui reunidos. Sinto-me particularmente feliz por ver
um grande número de seminaristas, por conseguinte o futuro da Igreja presente
entre nós. Não sendo possível encontrar toda a Comunidade diocesana - talvez
seja na próxima - sinto-me feliz que vós a representeis aqui, vós, que sois
pessoas já dedicadas ao ministério presbiteral e à vida consagrada ou
encaminhadas para o sacerdócio.
Pessoas que me apraz considerar
apaixonadas por Cristo, atraídas por Ele e comprometidas a fazer da própria
existência uma busca contínua da Santa Face. Por fim, dirijo uma grata saudação
à comunidade dos Padres Capuchinhos, que nos hospeda, e que há séculos se ocupa
deste Santuário, meta de tantos peregrinos.
Há pouco, quando estava em oração,
pensei nos dois primeiros Apóstolos que, impelidos por João Batista, seguiram
Jesus nas proximidades do rio Jordão como lemos no início do Evangelho de
João (Jo 1,35-42). O evangelista narra que Jesus se voltou e
lhes perguntou: “O que estais procurando?”. Eles responderam: “Rabi,
Mestre, onde moras?”. Ele respondeu: “Vinde ver” (vv. 38-39). Naquele mesmo dia
os dois que O seguiram fizeram uma experiência inesquecível, que os fez dizer: “Encontramos
o Messias” (v. 41). Aquele que pouco tempo antes consideravam um simples “rabi”,
tinha adquirido uma identidade bem definida, a do Cristo esperado há séculos.
Mas, na realidade, quanto caminho
tinham ainda diante de si aqueles discípulos! Nem sequer podiam imaginar quão
profundo seria o mistério de Jesus de Nazaré; quanto se poderia revelar
imperscrutável o seu “rosto”. A ponto que, depois de ter vivido junto com ele
três anos, Filipe, um deles, ouvirá na Última Ceia: “Há tanto tempo estou
convosco, e não me conheces, Filipe?”. E depois aquelas palavras que expressam
toda a novidade da revelação de Jesus: “Quem me vê, vê o Pai” (Jo 14,9).
Só depois da sua Paixão, quando o
encontrarem Ressuscitado, quando o Espírito iluminar as suas mentes e os seus
corações, os Apóstolos compreenderão o significado das palavras que Jesus tinha
dito, e O reconhecerão como o Filho de Deus, o Messias prometido para a
redenção do mundo. Então se tornarão seus mensageiros infatigáveis, testemunhas
corajosas até ao martírio.
“Quem me vê, vê o Pai”. Sim, queridos
irmãos e irmãs, para “ver Deus” é preciso conhecer Cristo e deixar-se plasmar
pelo seu Espírito, que guia os que creem “à plena verdade” (Jo 16,13).
Quem encontra Jesus, quem se deixa
atrair por Ele e está disposto a segui-lo até o sacrifício da vida, experimenta
pessoalmente, como Ele fez na cruz, que só o “grão de trigo” que é lançado à
terra e morre, “dá muito fruto” (Jo 12,24). Esse é o caminho de
Cristo, o caminho do amor total que vence a morte: quem o percorrer e desprezar
“a si mesmo, neste mundo, assegura para si a vida eterna” (Jo 12,25).
Isto é, vive em Deus já nesta terra, atraído e transformado pelo esplendor do
seu rosto. Esta é a experiência dos verdadeiros amigos de Deus, os santos, que
reconheceram e amaram nos irmãos, especialmente nos mais pobres e necessitados,
o rosto daquele Deus longamente contemplado com amor na oração.
Eles são para nós exemplos
encorajadores a ser imitados; garantem-nos que se percorrermos com fidelidade
este caminho, o caminho do amor, também nós, como canta o salmista, “nos
saciaremos da presença de Deus” (cf. Sl 16,15).
“Jesu... quam bonus te quaerentibus!”
- “Jesus, quanto és bom para quem te procura!”: assim cantamos há pouco
executando o antigo hino “Jesu, dulcis memoria”, que alguns
atribuem a São Bernardo. É um hino que adquire eloquência particular neste
santuário dedicado à Santa Face e que recorda o Salmo 23: esta é “a geração dos
que o procuram, e do Deus de Israel buscam a face” (v. 6). Mas qual é a “geração”
que procura o rosto de Deus, qual geração é digna de “subir até o monte do
Senhor”, de “ficar em sua santa habitação”? O salmista explica: são aqueles que
têm “mãos puras e inocente coração”, que não dizem mentiras, que não juram
falso contra o próximo (vv. 3-4).
Portanto, para entrar em comunhão com
Cristo e contemplar o seu rosto, para reconhecer o rosto do Senhor no dos
irmãos e nas vicissitudes de todos os dias, são necessárias “mãos puras e corações
inocentes”. Mãos puras, isto é, existências iluminadas pela verdade do amor que
vence a indiferença, a dúvida, a mentira e o egoísmo; e além disso, são
necessários corações inocentes, corações arrebatados pela beleza divina, como
diz a pequena Teresa de Lisieux na sua oração à Santa Face, corações que têm
impresso o rosto de Cristo.
Queridos sacerdotes, se permanecer
impressa em vós, pastores do rebanho de Cristo, a santidade da sua face, não
tenhais receio, também os fiéis confiados aos vossos cuidados serão por Ele
contagiados e transformados. E vós, seminaristas, que vos preparais para ser
guias responsáveis do povo cristão, não vos deixeis atrair por mais nada a não
ser por Jesus e pelo desejo de servir a sua Igreja.
Também a vós, religiosos e religiosas,
gostaria de dizer o mesmo, para que cada uma das vossas atividades seja um
reflexo visível da bondade e da misericórdia divina. “Senhor, é vossa face que
eu procuro” (Sl 26,8): procurar a face de Jesus deve ser o anseio de
todos nós, cristãos; de fato, nós somos a “geração” que neste tempo procura a
sua face, o rosto do “Deus de Israel”. Se perseverarmos na busca da face do
Senhor, no final da nossa peregrinação terrena será Ele, Jesus, a nossa alegria
eterna, a nossa recompensa e glória para sempre: “Sis Jesu nostrum, qui
es futurus praemium: sit nostra in te gloria, per cuncta semper saecula” - “Sê,
Jesus, nossa alegria, Tu que serás nosso prêmio futuro: que a nossa glória
repouse em ti, pelos séculos dos séculos”.
Foi esta certeza que animou os santos
da vossa região, entre os quais me apraz citar particularmente Gabriel da Virgem
Dolorosa e Camillo de Lellis; a eles dirigimos a nossa recordação reverente e a
nossa oração. Mas dirigimos agora um pensamento de especial devoção à “Rainha
de todos os santos”, a Virgem Maria, que vós venerais em diversos santuários e
capelas espalhados nos vales e montes dos Abruzos. Que ela, em cujo rosto mais
do que em qualquer outra criatura se veem os traços do Verbo Encarnado, vigie
sobre as famílias e paróquias, sobre as cidades e nações de todo o mundo.
Ajude-nos a Mãe do Criador a respeitar
também a natureza, grande dom de Deus que podemos admirar olhando para as
maravilhosas montanhas que nos circundam. Mas este dom está sempre exposto a
sérios riscos de degradação ambiental e por isso deve ser defendido e tutelado.
Trata-se de uma urgência que, como observou Dom Bruno Forte, é oportunamente
realçada pelo Dia de reflexão e oração pelo cuidado da criação, que é celebrado
precisamente hoje pela Igreja italiana.
Queridos irmãos e irmãs, ao agradecer
mais uma vez a vossa presença e os vossos dons, invoco sobre todos vós e vossos
familiares a bênção de Deus com a antiga fórmula bíblica: “O Senhor te abençoe
e te guarde! O Senhor faça brilhar sobre ti a sua face e se compadeça de ti. O
Senhor volte para ti o seu rosto e te dê a paz!” (Nm 6,
24-26). Amém!
Fonte: Santa Sé.
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