Nesta Solenidade da Imaculada Conceição da Bem-aventurada Virgem Maria, reproduzimos aqui as duas meditações proferidas pelo Papa Bento XVI (†2022) no dia 08 de dezembro de 2011: na oração do Ângelus e na tradicional homenagem à Imaculada na Praça de Espanha em Roma.
Solenidade da Imaculada Conceição da Bem-Aventurada Virgem Maria
Papa Bento XVI
Ângelus
Quinta-feira, 08 de dezembro de 2011
Estimados irmãos e irmãs,
Hoje a Igreja
celebra solenemente a concepção imaculada de Maria. Como declarou o Beato Pio
IX na Carta Apostólica Ineffabilis Deus,
de 1854, ela «foi preservada, por particular graça e privilégio de Deus todo-poderoso,
em previsão dos méritos de Jesus Cristo, Salvador do gênero humano, imune de
toda a mancha de pecado original». Tal verdade de fé está contida nas palavras
da saudação que lhe dirigiu o Arcanjo Gabriel: «Alegra-te, cheia de graça, o
Senhor está contigo!» (Lc 1,28). A
expressão «cheia de graça» indica a obra maravilhosa do amor de Deus, que quis
restituir-nos a vida e a liberdade, perdidas com o pecado, mediante o seu Filho
Unigênito encarnado, morto e ressuscitado. Por isso, a partir do século II, no
Oriente e no Ocidente, a Igreja invoca e celebra a Virgem que, com o seu «sim»,
aproximou o Céu da terra, tornando-se «geradora de Deus e nutriz da nossa
vida», como se exprime São Romano, o Melode, em um antigo cântico (Canticum XXV in Nativitatem Beatae Mariae Virginis, in: J. B. Pitra, Analecta Sacra I, Paris, 1876, p. 198).
No século VII, São Sofrônio de Jerusalém elogia a grandeza de Maria, porque
nela o Espírito Santo escolheu a sua morada, e diz: «Tu superas todos os dons
que a magnificência de Deus jamais concedeu a qualquer pessoa humana. Mais que
todos, és rica da posse de Deus que habita em ti» (Oratio II, 25 in SS. Deiparae
Annuntiationem: PG 87, 3,
3248 AB). E São Beda, o Venerável, explica: «Maria é bendita entre as mulheres,
porque com o decoro da virgindade beneficiou da graça de ser geradora de um
Filho, que é Deus» (Homiliae I, 3: CCL 122, 16).
Também a nós é
concedida a «plenitude da graça», que devemos fazer resplandecer na nossa vida,
porque «o Pai de nosso Senhor Jesus Cristo», escreve São Paulo, «nos abençoou
com toda a bênção do seu Espírito... Em Cristo, Ele nos escolheu, antes da
fundação do mundo, para que sejamos santos e irrepreensíveis... Ele nos
predestinou para sermos seus filhos adotivos...» (Ef 1,3-5). Nós recebemos esta filiação por intermédio da Igreja, no
dia do Batismo. A tal propósito, Santa Hildegard de Bingen escreve: «Portanto,
a Igreja é a mãe virgem de todos os cristãos. Na força secreta do Espírito
Santo, concebe-os e dá-os à luz, oferecendo-os a Deus de tal modo que também
eles sejam chamados filhos de Deus» (Scivias,
Visio III, 12: CCL Continuatio Mediaevalis XLIII, 1978,
142). E, por fim, entre os antiquíssimos cantores da beleza espiritual da Mãe
de Deus, sobressai São Bernardo de Claraval, afirmando que a invocação: «Ave
Maria, cheia de graça» é «agradável a Deus, aos anjos e aos homens. Aos homens,
graças à maternidade; aos anjos, graças à virgindade; e a Deus, graças à
humildade» (Sermo XLVII, De Annuntiatione Dominica: SBO VI, I, Roma, 1970, 266).
Prezados amigos,
à espera de prestar esta tarde, segundo a tradição, a homenagem a Maria
Imaculada na Praça de Espanha, dirijamos agora a nossa oração fervorosa àquela
que intercede junto de Deus, a fim de que nos ajude a celebrar com fé o Natal
do Senhor, já próximo.
Ato de Veneração à Imaculada na Praça de Espanha
Discurso do Papa Bento XVI
Quinta-feira, 08 de dezembro de 2011
Queridos irmãos e irmãs,
A grande festa de Maria Imaculada convida-nos todos os anos
a reencontrar-nos aqui, em uma das praças mais bonitas de Roma, para prestar
homenagem a ela, à Mãe de Cristo e nossa Mãe. Saúdo todos vós aqui presentes
com afeto, bem como a quantos estão unidos a nós através da rádio e da
televisão. E agradeço-vos a vossa coral participação neste meu ato de oração.
No cimo da coluna em volta da qual nos reunimos, Maria é
representada por uma estátua que em parte recorda o trecho do Apocalipse
que acabamos de proclamar: «Apareceu no céu um grande sinal: uma mulher vestida
do sol, tendo a lua debaixo dos pés e sobre a cabeça uma coroa de doze estrelas»
(Ap 12,1). Qual é o significado desta imagem? Ela representa ao
mesmo tempo Maria e a Igreja.
Antes de tudo a «mulher» do Apocalipse é Maria. Ela
está «revestida de sol», ou seja, revestida de Deus: de fato, a Virgem Maria
está totalmente circundada pela luz de Deus e vive em Deus. Este símbolo da
veste luminosa expressa claramente uma condição que diz respeito a todo o ser
de Maria: Ela é a «cheia de graça», plena do amor de Deus. E «Deus é luz», diz
ainda São João (1Jo 1,5). E eis que a «cheia de graça», a
«Imaculada», reflete com toda a sua pessoa a luz do «sol» que é Deus.
Esta mulher tem debaixo dos pés a lua, símbolo da morte e
da mortalidade. Com efeito, Maria está plenamente associada à vitória de Jesus
Cristo, seu Filho, sobre o pecado e a morte; está livre de qualquer sombra de
morte e totalmente repleta de vida. Pois a morte já não tem poder algum sobre
Jesus Ressuscitado (cf. Rm 6,9), também por uma graça e
um privilégio singulares de Deus Onipotente, Maria deixou-a atrás de si,
superou-a. E isto manifesta-se nos dois grandes mistérios da sua existência: no
início, o fato de ter sido concebida sem pecado original, que é o mistério que
hoje celebramos; e no fim, o fato de ter sido elevada ao Céu em corpo e alma,
na glória de Deus. Mas também toda a sua vida terrena foi uma vitória sobre a
morte, porque se dedicou totalmente ao serviço de Deus, na oblação total de si
a Ele e ao próximo. Por isso, Maria é em si mesma um hino à vida: é a criatura
na qual já se realizou a palavra de Cristo: «Vim para que tenham vida, e a
tenham em abundância» (Jo 10,10).
Na visão do Apocalipse há outro pormenor: sobre a
cabeça da mulher revestida de sol há «uma coroa de doze estrelas». Este sinal
representa as doze tribos de Israel e significa que a Virgem Maria está no
centro do Povo de Deus, de toda a comunhão dos santos. E assim esta imagem da
coroa de doze estrelas introduz-nos na segunda grande interpretação do sinal
celeste da «mulher revestida de sol»: além de representar Maria, este sinal
encarna a Igreja, a comunidade cristã de todos os tempos. Ela está grávida, no
sentido de que leva no seu seio Cristo e deve dá-lo à luz para o mundo: eis a
labuta da Igreja peregrina na terra, que entre a consolação de Deus e as
perseguições do mundo deve levar Jesus aos homens.
É precisamente por isto, porque leva Jesus, que a Igreja
encontra a oposição de um adversário feroz, representado na visão apocalíptica
por «um grande dragão vermelho» (Ap 12,3). Este dragão procurou em
vão devorar Jesus - o « filho homem, que veio para governar todas as nações» (v.
5) -, em vão porque Jesus, através da sua Morte e Ressurreição, subiu para Deus
e sentou-se no seu trono. Por isso o dragão, derrotado uma vez para sempre no
céu, orienta os seus ataques contra a mulher - a Igreja - no deserto do mundo.
Mas em todas as épocas a Igreja é apoiada pela luz e pela força de Deus, que a
alimenta no deserto com o pão da sua Palavra e da sagrada Eucaristia. E assim,
em cada tribulação, através de todas as provações que encontra ao longo dos
tempos e nas diversas partes do mundo, a Igreja sofre a perseguição, mas
resulta vencedora. E precisamente desta forma a comunidade cristã é a presença,
a garantia do amor de Deus contra todas as ideologias do ódio e do egoísmo.
A única armadilha da qual a Igreja pode e deve ter receio é
o pecado dos seus membros. De fato, enquanto Maria é Imaculada, livre de
qualquer mancha, a Igreja é santa, mas ao mesmo tempo marcada pelos nossos
pecados. Por isso o Povo de Deus, peregrinante no tempo, dirige-se à sua Mãe
celeste e pede a sua ajuda; pede para que ela acompanhe o caminho de fé, a fim
de que encoraje o compromisso de vida cristã e para que apoie a esperança. Dela
temos necessidade, sobretudo neste momento tão difícil para a Itália, para a
Europa, para várias partes do mundo. Maria nos ajude a ver que há uma luz além
da barreira de nevoeiro que parece envolver a realidade. Por isso, também nós,
sobretudo nesta celebração, não cessamos de pedir com confiança filial a sua
ajuda: «Ó Maria, concebida sem pecado, intercede por nós que recorremos a ti». Ora
pro nobis, intercede pro nobis ad Dominum Iesum Christum!
Fonte: Santa Sé (Ângelus / Homenagem à Imaculada).
Nenhum comentário:
Postar um comentário