Santa Missa Crismal
Homilia do Papa Francisco
Basílica de São Pedro
Quinta-feira Santa, 17 de abril de 2025
A homilia preparada pelo Papa foi lida pelo Cardeal Domenico
Calcagno, Presidente Emérito da Administração do Patrimônio da Sé Apostólica,
que presidiu a celebração.
Caríssimos Bispos e sacerdotes,
Queridos irmãos e irmãs!
«O Alfa e o Ômega, Aquele que é, que era e que vem, o
Todo-poderoso» (Ap 1,8) é Jesus. O mesmo Jesus que Lucas nos
descreve na sinagoga de Nazaré, entre aqueles que o conheciam desde pequeno e
que agora se maravilham com Ele. A revelação - “apocalipse” - oferece-se dentro
dos limites do tempo e do espaço: a carne é o ponto de apoio que sustenta a
esperança. A carne de Jesus e a nossa. O último livro da Bíblia narra essa
esperança. E o faz de uma forma original, dissipando todos os medos
apocalípticos com o sol do amor crucificado. Em Jesus o livro da história se abre
e pode ser lido.
Também nós, sacerdotes, temos uma história: renovando as
nossas promessas de Ordenação na Quinta-feira Santa, confessamos que só podemos
lê-la em Jesus de Nazaré. Aquele «que nos ama e que por seu sangue nos libertou
dos nossos pecados» (v. 5) abre também o livro da nossa vida e nos ensina a
encontrar as passagens que revelam o seu sentido e missão. Quando nos deixamos
instruir por Ele, o nosso ministério se torna um ministério de esperança,
porque em cada uma das nossas histórias Deus abre um jubileu, isto é, um tempo
e um oásis de graça. Perguntemo-nos: estou aprendendo a ler minha vida ou tenho
medo de fazê-lo?
Quando o jubileu começa na nossa vida, todo um povo encontra
descanso: não só uma vez a cada vinte e cinco anos - assim o espero! -, mas na
proximidade quotidiana do padre ao seu povo, na qual se cumprem as profecias de
justiça e paz. «Fez de nós um reino, sacerdotes para seu Deus e Pai» (v. 6):
eis o povo de Deus. Este reino de sacerdotes não coincide com um clero. O “nós”
que Jesus plasma é um povo cujos limites não se veem, e no qual caem muros e
alfândegas. Aquele que diz «Eis que faço novas todas as coisas» (Ap 21,5)
rasgou o véu do templo e tem reservada para a humanidade uma cidade-jardim, a
nova Jerusalém, que tem portas sempre abertas (cf. v. 25). Assim,
Jesus lê e nos ensina a ler o sacerdócio ministerial como puro serviço ao povo
sacerdotal, o qual em breve habitará uma cidade que não precisa de templo.
Portanto, para nós sacerdotes, o Ano Jubilar representa um
apelo específico a recomeçar sob o sinal da conversão: peregrinos de esperança
para sairmos do clericalismo e nos tornarmos arautos de esperança. Certamente,
se Jesus é o Alfa e o Ômega da nossa vida, também nós podemos encontrar a
oposição experimentada por Ele em Nazaré. O pastor que ama o seu povo não vive
à procura de consenso e aprovação a qualquer custo. No entanto, a fidelidade do
amor converte, os pobres reconhecem-no em primeira mão, mas, pouco a pouco,
inquieta e atrai também os outros. «Olhai! (...) Todos os olhos o verão -
também aqueles que o transpassaram. Todas as nações da terra baterão no peito
por causa d’Ele. Sim. Amém!» (Ap 1,7).
Caríssimos, estamos aqui reunidos para repetir e assumir
como nosso este «Sim. Amém!». Trata-se da profissão de fé do povo de Deus:
“Sim, é verdade, é firme como uma rocha!”. A Paixão, Morte e Ressurreição de
Jesus, que estamos prestes a reviver, são o terreno que sustenta firmemente a
Igreja e, nela, o nosso ministério sacerdotal. E que terreno é este? Em que
húmus podemos não só crescer, mas florescer? Para o compreendermos, temos de
regressar a Nazaré, como tão acertadamente intuiu São Charles de Foucauld.
«Veio à cidade de Nazaré, onde se tinha criado. Conforme seu
costume, entrou na sinagoga no sábado, e levantou-se para fazer a leitura» (Lc 4,16).
Temos aqui mencionados pelo menos dois costumes: frequentar a sinagoga e ler. A
nossa vida é mantida por bons hábitos. Eles podem até esmorecer, mas revelam
onde está o nosso coração. O Coração de Jesus é apaixonado pela Palavra de
Deus: aos doze anos, já a compreendia, e agora, uma vez adulto, as Escrituras
são a sua casa. Aqui está o terreno, o húmus vital que encontramos ao nos
tornarmos seus discípulos. «Deram-lhe o livro do profeta Isaías. Abrindo o
livro, Jesus achou a passagem...» (v. 17). Jesus sabe o que está procurando. O
ritual da sinagoga o permitia: depois da leitura da Torah, cada
rabino podia encontrar páginas proféticas para atualizar a mensagem. Mas aqui
há algo mais: a página da sua vida. Lucas quer dizer o seguinte: entre tantas
profecias, Jesus escolhe a que vai cumprir.
Queridos sacerdotes, todos nós temos uma Palavra a cumprir.
Cada um de nós tem uma relação com a Palavra de Deus que vem de longe.
Colocamo-la ao serviço de todos somente quando a Bíblia continua a ser a nossa
primeira casa. Nela cada um de nós tem páginas que lhe são mais caras, o que é
bom e importante! Ajudemos também outros a encontrar as páginas das suas vidas:
por exemplo, os noivos, quando escolhem as leituras do seu Matrimônio; ou
aqueles que estão de luto e procuram passagens para confiar a pessoa falecida à
misericórdia de Deus e às orações da comunidade. Geralmente há uma página
vocacional no início do caminho de cada um de nós. Através dela, se a
conservamos, Deus continua a chamar-nos para que o amor não se enfraqueça.
Todavia, é também importante para cada um de nós, e de uma
forma especial, a página escolhida por Jesus. Nós o seguimos e, por isso mesmo,
a sua missão diz-nos respeito e envolve-nos.
«Abrindo o livro, Jesus achou a passagem em que está
escrito: “O Espírito do Senhor está sobre mim, porque Ele me consagrou com a
unção para anunciar a Boa-Nova aos pobres; enviou-me para proclamar a
libertação aos cativos e aos cegos a recuperação da vista; para libertar os
oprimidos e para proclamar um ano da graça do Senhor”. Depois fechou o livro,
entregou-o ao ajudante, e sentou-se» (vv. 17-20).
Nesse momento, todos os nossos olhos estão fixos n’Ele, que
acaba de anunciar um jubileu, e não o fez como quem fala de outrem. Ele disse:
«O Espírito do Senhor está sobre mim» como quem conhece de qual Espírito está
falando. E, com efeito, acrescenta: «Hoje se cumpriu esta passagem da Escritura
que acabastes de ouvir» (v. 21). Isto é divino: que a Palavra se torne
realidade. As ações agora falam, as palavras realizam-se. Isto é novo e
potente. «Eis que faço novas todas as coisas». Não há graça, nem Messias, se as
promessas permanecem promessas, se não se tornam realidade aqui em baixo. Tudo
se transforma.
É este o Espírito que invocamos sobre o nosso sacerdócio:
fomos investidos d’Ele e é precisamente o Espírito de Jesus que permanece o
protagonista silencioso do nosso serviço. Quando as palavras se tornam
realidade em nós, o povo sente o seu sopro. Os pobres - antes de todos os
outros -, as crianças, os adolescentes, as mulheres, e também aqueles que na
sua relação com a Igreja foram magoados, têm o “faro” do Espírito Santo:
distinguem-no de outros espíritos mundanos, reconhecem-no na correspondência, em
nós, entre anúncio e vida. Podemos tornar-nos uma profecia cumprida, e isso é
bonito! O santo Crisma, que hoje consagramos, confirma este mistério
transformador nas diferentes etapas da vida cristã. Mas atenção: nunca
desanimar, porque é obra de Deus. Acreditar, sim! Acreditar que Deus não me
falha! Deus nunca falha. Recordemos aquelas palavras da Ordenação: «Queira Deus
consumar o bem que em ti começou». E assim faz.
É obra de Deus, não nossa: levar a Boa-Nova aos pobres, a
libertação aos cativos, a vista aos cegos, a liberdade aos oprimidos. Se Jesus
encontrou esta passagem no livro, hoje continua a lê-la na biografia de cada um
de nós. Antes de tudo porque, até o último dia, é sempre Ele que nos
evangeliza, que nos liberta das nossas prisões, que abre os nossos olhos, que
nos alivia dos fardos que carregamos aos ombros. E depois porque, ao chamar-nos
para a sua missão, inserindo-nos sacramentalmente na sua vida, Ele liberta
também os outros através de nós. Por norma, sem que percebamos. O nosso
sacerdócio torna-se um ministério jubilar, como o d’Ele, mas sem tocar as
trombetas: em uma entrega que não é estridente, mas radical e gratuita. É o
Reino de Deus, aquele do qual falam as parábolas, eficaz e discreto como o
fermento, silencioso como a semente. Quantas vezes os pequeninos o reconheceram
em nós? E nós, somos capazes de dizer obrigado?
Somente Deus sabe como a messe é grande. Nós, os operários,
experimentamos o trabalho e a alegria da colheita. Vivemos depois de Cristo, no
tempo messiânico. Lancemos para longe o desespero! E, ao invés disso,
restituam-se e redimam-se as dívidas; redistribuam-se as responsabilidades e os
recursos: o povo de Deus espera por isso. Ele quer participar e, em virtude do
Batismo, é um enorme povo sacerdotal. Os óleos que consagramos nesta solene
celebração são para a sua consolação e alegria messiânica.
O campo é o mundo. A nossa casa comum tão ferida e a
fraternidade humana tão negada, embora indelével, impelem-nos a fazer escolhas.
A colheita de Deus é para todos: um campo vivo, no qual o que se semeou cresce
cem vezes mais. Na nossa missão, sejamos animados pela alegria do Reino, que
compensa todo o esforço. Realmente, todos os agricultores conhecem épocas em
que não se vê germinar nada. Também nas nossas vidas elas não faltam. É Deus
que faz crescer e que unge os seus servos com o óleo da alegria.
Queridos fiéis, povo da esperança, rezai hoje pela alegria
dos sacerdotes. Que chegue até vós a libertação prometida pelas Escrituras e
alimentada pelos Sacramentos. Muitos medos habitam em nós e terríveis
injustiças nos rodeiam, mas um mundo novo já despontou. Deus amou tanto o mundo
que nos deu o seu Filho, Jesus. Ele unge as nossas feridas e enxuga as nossas
lágrimas. «Ele vem com as nuvens» (Ap 1,7). São d’Ele o reino e a
glória para todo o sempre. Amém.
Fonte: Santa Sé.
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