No contexto da Semana Santa deste Ano Jubilar de 2025 recordamos a homilia proferida pelo Papa São João Paulo II (†2005) na Missa da Ceia do Senhor há 25 anos, na tarde da Quinta-feira Santa do Grande Jubileu do Ano 2000:
Santa Missa in Coena Domini
Homilia do Papa João Paulo II
Basílica de São Pedro
Quinta-feira Santa, 20 de abril de 2000
Com estas palavras Cristo dá a conhecer o significado
profético da Ceia pascal, que está para celebrar com os discípulos no Cenáculo
de Jerusalém.
Com a 1ª leitura, tomada do Livro do Êxodo, a
Liturgia pôs em evidência como a Páscoa de Jesus se inscreve no contexto da Páscoa
da Antiga Aliança. Com esta os israelitas faziam memória da ceia consumada
pelos seus pais no momento do êxodo do Egito, da libertação da escravidão. O
texto sagrado prescrevia que um pouco do sangue do cordeiro fosse posto nos dois
marcos e na travessa da porta das casas. E acrescentava como devia ser comido o
cordeiro: “Com os rins cingidos, sandálias nos pés e cajado na mão... às
pressas... Naquela noite passarei pela terra do Egito e ferirei todos os
primogênitos... O sangue servirá de sinal nas casas onde estiverdes. Ao ver o
sangue, passarei adiante, e não vos atingirá a praga exterminadora” (Ex 12,11-13).
O sangue do cordeiro obtém para os filhos e filhas de Israel
a libertação da escravidão do Egito, sob a guia de Moisés. A recordação de um acontecimento
tão extraordinário tornou-se ocasião de festa para o povo, grato ao Senhor pela
liberdade recuperada, dom divino e compromisso humano sempre atual: “Este dia
será para vós uma festa memorável em honra do Senhor” (v. 14). É a Páscoa do
Senhor! A Páscoa da Antiga Aliança!
2. “Desejei ardentemente comer convosco esta ceia pascal,
antes de sofrer” (Lc 22,15). No Cenáculo, obediente às prescrições
da Antiga Aliança, Cristo consuma a ceia pascal com os Apóstolos, mas dá a este
rito um novo conteúdo. Escutamos o que São Paulo fala a respeito na 2ª Leitura,
tomada da Primeira Carta aos Coríntios. Neste texto, considerado a mais
antiga descrição da Ceia do Senhor, é recordado que “na noite em que foi
entregue, o Senhor Jesus tomou o pão e, depois de dar graças, partiu-o e disse:
‘Isto é o meu Corpo que é dado por vós. Fazei isto em minha memória’. Do mesmo
modo, depois da ceia, tomou também o cálice e disse: ‘Este cálice é a nova
aliança, em meu Sangue. Todas as vezes que dele beberdes, fazei isto em minha
memória’. Todas as vezes, de fato, que comerdes deste pão e beberdes deste
cálice, estareis proclamando a Morte do Senhor, até que Ele venha” (1Cor 11,23-26).
Palavras solenes com as quais é transmitida através dos séculos
a memória da instituição da Eucaristia. Cada ano, neste dia, as recordamos
retornando espiritualmente ao Cenáculo. Com particular emoção as revivo nesta
tarde, porque conservo nos olhos e no coração as imagens do Cenáculo, onde tive
a alegria de celebrar a Eucaristia por ocasião da recente peregrinação jubilar à Terra Santa. A emoção torna-se ainda mais forte porque este é o ano do
Jubileu bimilenário da Encarnação. Nesta perspectiva, a celebração que estamos vivendo
adquire uma profundidade particular. No Cenáculo, com efeito, Jesus deu um novo
conteúdo às antigas tradições e antecipou os eventos do dia seguinte, quando o seu
Corpo, Corpo imaculado do Cordeiro de Deus, seria imolado e o seu Sangue
derramado para a redenção do mundo. A Encarnação se realizou precisamente em
vista deste acontecimento, em vista da Páscoa de Cristo, da Páscoa da Nova
Aliança!
3. “Todas as vezes que comerdes deste pão e beberdes deste
cálice, estareis proclamando a Morte do Senhor, até que Ele venha” (1Cor 11,26).
O Apóstolo nos exorta a fazer constante memória deste mistério. Ao mesmo tempo,
nos convida a viver cada dia nossa missão de testemunhas e anunciadores do amor
do Crucificado, à espera do seu retorno glorioso.
Mas como fazer memória deste evento salvífico? Como viver à
espera de que Cristo retorne? Antes de instituir o Sacramento do seu Corpo e do
seu Sangue, Cristo, inclinado e ajoelhado, na atitude do escravo, lava os pés dos
discípulos no Cenáculo. Revemo-lo enquanto realiza este ato, que na cultura
hebraica é precisamente dos servos e das pessoas mais humildes da família.
Pedro a princípio se recusa, mas o Mestre o convence, e também
ele se deixa lavar os pés juntamente com os outros discípulos. Logo depois,
porém, retomando as vestes e sentando-se novamente à mesa, Jesus explica o
sentido deste seu gesto: “Vós me chamais Mestre e Senhor, e dizeis bem, pois Eu
o sou. Portanto, se Eu, o Senhor e Mestre, vos lavei os pés, também vós deveis
lavar os pés uns dos outros” (Jo 13,12-14). São palavras que,
unindo o mistério eucarístico ao serviço do amor, podem ser consideradas preparatórias
à instituição do Sacerdócio ministerial.
Com a instituição da Eucaristia, Jesus comunica aos
Apóstolos a participação ministerial no seu sacerdócio, o sacerdócio da nova e
eterna Aliança, em virtude da qual Ele, e somente Ele, é sempre e em toda a
parte artífice e ministro da Eucaristia. Os Apóstolos tornaram-se, por sua vez,
ministros deste excelso mistério da fé, destinado a perpetuar-se até o fim do
mundo. Tornaram-se ao mesmo tempo servidores de todos aqueles que vierem a
participar em tão grande dom e mistério.
A Eucaristia, o supremo Sacramento da Igreja, está unida ao
sacerdócio ministerial, nascido também ele no Cenáculo, como dom do grande amor
d’Aquele que, “sabendo que tinha chegado a sua hora de passar deste mundo para
o Pai, tendo amado os seus que estavam no mundo, amou-os até o fim” (Jo 13,1).
A Eucaristia, o sacerdócio e o novo mandamento do amor! É
este o memorial vivo que contemplamos na Quinta-feira Santa.
“Fazei isto em memória de mim”: eis a Páscoa da Igreja! A
nossa Páscoa!
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Ceia do Senhor (Henryk Siemiradzki) |
Fonte: Santa Sé (com pequenas correções do autor deste blog).
Confira também:
Domingo de Ramos: Homilia (2000)
Missa Crismal: Homilia (2000)
Missa no Cenáculo: Homilia (2000)
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