“Bem-aventurados os que promovem a paz, porque serão chamados filhos de Deus” (Mt 5,9).
Há 10 anos, durante o Advento de 2014, o Padre Raniero Cantalamessa, Pregador da Casa Pontifícia de 1980 a 2024 (criado Cardeal em 2020), proferiu três meditações sobre a paz. Confira nesta postagem sua segunda reflexão:
Padre Raniero Cantalamessa, OFMCap
II Pregação de Advento
12 de dezembro de 2014
“Bem-aventurados os que promovem a paz, porque serão chamados filhos de Deus” (Mt 5,9):
A paz como tarefa
Depois de meditar, na primeira pregação, sobre a paz como dom de Deus, vamos refletir agora sobre a
paz como tarefa e compromisso pelo qual devemos trabalhar. Somos chamados a
imitar o exemplo de Cristo, tornando-nos canais para que a paz de Deus chegue aos
nossos irmãos. É a tarefa que Jesus dá aos seus discípulos quando proclama “Bem-aventurados
os que promovem a paz, porque serão chamados filhos de Deus” (Mt 5,9). O
termo eirenopoioi não significa “pacíficos” (estes
pertencem à bem-aventurança dos mansos, dos não violentos), significa
“pacificadores”, isto é, pessoas que trabalham pela paz.
A pomba com o ramo de oliveira, símbolo da paz |
1. A paz de Jesus e a paz de César Augusto
Jesus não só nos exortou a
ser pacificadores como também nos ensinou, pelo exemplo e pela palavra, de que
modo podemos nos tornar pacificadores. Ele diz aos discípulos: “Deixo-vos a
paz, a minha paz vos dou; mas não a dou como o mundo” (Jo 14,27).
Naquela mesma época outro grande homem proclamava a paz ao mundo. Foi
encontrada na Ásia Menor uma cópia do famoso “Atos do Divino Augusto”,
redigido pelo próprio Imperador César Augusto. Nele, entre as suas grandes
conquistas, o Imperador romano também cita a de ter estabelecido no mundo a paz
de Roma: uma paz, como ele escreve, “obtida através de vitórias” (parta
victoriis pax) [1].
Jesus revela que existe
outro modo de realizar a paz. A d’Ele também é uma “paz fruto de vitórias”, mas
de vitórias sobre nós mesmos, não sobre os outros; de vitórias espirituais, não
militares. Na cruz, escreve São Paulo, Jesus “destruiu em si mesmo a inimizade”
(Ef 2,16): destruiu a inimizade, não o inimigo, e a destruiu em si
mesmo, não nos outros.
O caminho para a paz
indicado pelo Evangelho não faz sentido só no âmbito da fé: ele vale também na
esfera política. Hoje vemos com clareza que o único caminho para a paz é a
destruição da inimizade, não do inimigo. Os inimigos são destruídos com armas, a
inimizade com o diálogo. Eu li que, certa vez, alguém repreendeu Abraham
Lincoln por ser cortês demais com seus adversários políticos e lhe recordou que
o seu dever como presidente era destruí-los. Ele respondeu: “Por acaso não
destruo meus inimigos quando os torno amigos?”.
É a situação do mundo que
exige dramaticamente que o método de Augusto seja trocado pelo de Cristo. O que
há no fundo de certos conflitos aparentemente insolúveis se não, precisamente,
a vontade e a secreta esperança de chegar um dia a destruir o inimigo?
Infelizmente vale também para os inimigos aquilo que Tertuliano disse dos
primeiros cristãos perseguidos: “Semen est sanguis christianorum”, o
sangue dos cristãos é semente de outros cristãos. O sangue dos inimigos também
é semente de outros inimigos: em vez de destruí-los, ele os multiplica.
“Não podemos nos resignar” -
disse o Papa na sua recente visita à Turquia, referindo-se à situação no
Oriente Médio - “com a continuação dos conflitos, como se não fosse possível
uma mudança da situação para melhor! Com a ajuda de Deus, podemos e devemos
renovar sempre a coragem da paz!”. Um modo de ser operadores da paz - e, muitas
vezes, o único que resta - é rezar pela paz. Quando não é mais possível agir
sobre as causas segundas, podemos sempre, com a oração, “agir sobre a causa
primeira”. A Igreja não se cansa de fazê-lo todos os dias na Missa com aquela
invocação em coro: “Concedei, Senhor, a paz aos nossos dias” - “Da pacem, Domine, in diebus
nostris”.
Além da paz política, o
Evangelho pode contribuir com a paz social. Repete-se com frequência a
afirmação do profeta Isaías: “A paz é fruto da justiça” (Is 32,17). A Evangelii
gaudium, a este respeito, põe o dedo na ferida e denuncia, sem panos
quentes, a maior injustiça que obstaculiza a paz:
“A paz social não pode ser
entendida como irenismo ou como mera ausência de violência, obtida pela
imposição de uma parte sobre as outras. Também seria uma paz falsa aquela que
servisse como desculpa para justificar uma organização social que silencie ou
tranquilize os mais pobres, de modo que aqueles que gozam dos maiores
benefícios possam manter o seu estilo de vida sem sobressaltos, enquanto os
outros sobrevivem como podem. As reivindicações sociais, que têm a ver com a
distribuição de renda, com a inclusão social dos pobres e com os direitos
humanos, não podem ser sufocadas com o pretexto de se construir um consenso de
escritório ou uma paz efêmera para uma minoria feliz. A dignidade da pessoa
humana e o bem comum estão acima da tranquilidade de alguns que não querem
renunciar aos seus privilégios” (n. 218).
2. Paz entre as religiões
Diante dos pacificadores
abre-se hoje um campo de trabalho novo, difícil e urgente: promover a paz entre
as religiões. O Parlamento Mundial das Religiões, na sessão de Chicago em 1993,
lançou esta proclamação: “Não há paz entre as nações sem paz entre as religiões
e não há paz entre as religiões sem diálogo entre as religiões”.
O motivo de fundo que
permite um diálogo leal entre as religiões é que “todos temos um único Deus”. O
Papa São Gregório VII, em 1076, escreveu a um príncipe muçulmano do norte da
África: “Acreditamos e confessamos um só Deus, embora de modo diferente; todos
os dias, nós o louvamos e veneramos como criador dos séculos e governador deste
mundo” [2]. É a verdade que serviu de ponto de partida também para São Paulo em
seu discurso no areópago de Atenas: “N’Ele todos vivemos, nos movemos e somos”
(At 17,28).
Subjetivamente, temos ideias diversas
sobre Deus. Para nós, cristãos, Deus é “o Pai de nosso Senhor Jesus Cristo”,
que não conhecemos plenamente a não ser “por meio d’Ele”; mas, objetivamente, sabemos
bem que Deus só pode haver um. Todo povo e língua tem o seu nome e a sua teoria
sobre o sol, algumas mais exatas, outras menos, mas o sol é um só e o mesmo!
Fundamento teológico do
diálogo é também a nossa fé no Espírito Santo. Como Espírito da redenção e
Espírito da graça, Ele é o vínculo da paz entre os batizados das diversas
confissões cristãs; mas, como Espírito da criação, ou Espírito criador, Ele é
um vínculo de paz entre os crentes de todas as religiões e, mais ainda, entre
todos os homens de boa vontade. “Toda verdade, seja dita por quem quer que
seja, vem do Espírito Santo”, escreve Santo Tomás de Aquino [3]. Como esse
Espírito criador guiava para Cristo os profetas do Antigo Testamento (cf.
1Pd 1,11), assim nós, cristãos, acreditamos que, de um modo que só Deus
conhece, Ele guia para Cristo e para o seu Mistério Pascal as pessoas que vivem
fora da Igreja (cf. Gaudium
et spes, n. 22).
Falando da paz entre as
religiões, é necessário dedicar um pensamento paralelo à paz entre Israel e a
Igreja. Na Evangelii gaudium o Papa presta uma atenção particular a este
diálogo e conclui com estas palavras: “Embora algumas convicções cristãs sejam
inaceitáveis para o Judaísmo e a Igreja não possa deixar de anunciar Jesus como
Senhor e Messias, há uma rica complementaridade que nos permite ler juntos os
textos da Bíblia hebraica e ajudar-nos mutuamente a desentranhar as riquezas da
Palavra, bem como compartilhar muitas convicções éticas e a preocupação comum
pela justiça e pelo desenvolvimento dos povos” (n. 249).
A paz entre judeus e gentios
é, para Paulo, a primeira paz que Jesus realizou na cruz. Ele escreve na Carta
aos Efésios: “Porque Ele é a nossa paz, Ele que de dois povos fez um só,
destruindo o muro de inimizade que os separava, abolindo na própria carne a
lei, os preceitos e as prescrições. Desse modo, Ele queria fazer em si mesmo
dos dois povos uma única humanidade nova pelo restabelecimento da paz e
reconciliá-los ambos com Deus, reunidos em um só corpo pela virtude da cruz,
aniquilando nela a inimizade” (Ef 2,14-16).
Este texto deu lugar, na
tradição cristã, a duas representações iconográficas diferentes e opostas. Em
uma, vemos duas mulheres, ambas voltadas para o Crucificado. É o caso do
Crucifixo de São Damião em Assis. As duas mulheres, aos lados das mãos do Crucificado,
contrariamente às explicações costumeiras, não são dois anjos (não têm asas e
são figuras femininas); elas representam, segundo a mais genuína visão da Carta
aos Efésios, a Sinagoga e a Igreja, unidas, não separadas, pela cruz de
Cristo.
Basta, para nos
convencermos, confrontar este ícone com outro mais tardio, da escola de
Dionísio (séc. XV), em que também vemos duas mulheres, mas uma, a Igreja,
conduzida por um anjo rumo à cruz, e a outra expulsa por um anjo para longe
dela.
A primeira imagem representa
o ideal e a intenção divina, conforme manifestada por São Paulo; a segunda
representa como as coisas aconteceram, infelizmente, na realidade da história.
Certa vez mostrei a um amigo rabino as duas imagens. Quase comovido, ele
comentou: “Talvez a história das nossas relações tivesse sido outra se, em vez
da segunda, tivesse prevalecido a primeira visão”. A fidelidade à história nos
obriga a dizer que, se não foi assim, pelo menos no início, não foi por
responsabilidade apenas dos cristãos.
Devemos nos alegrar e
agradecer a Deus porque hoje, ao menos em espírito, tendemos todos a preferir a
visão do Crucifixo de São Damião e não a outra. Queremos que a cruz de Cristo
ajude a reaproximar os judeus e os cristãos, não a contrapô-los; que mesmo a
celebração da Cruz da Sexta-Feira Santa favoreça, em vez de obstaculizar, este
diálogo fraterno.
Crucifixo de São Damião |
3. “Think globally, act locally”
Um slogan em voga hoje diz: “Think globally,
act locally” - “Pense globalmente, aja localmente”. Ele é particularmente
verdadeiro para a paz. Temos que pensar na paz mundial, mas agir pela paz em
nível local. A paz não se faz como a guerra. Fazer guerra exige longos
preparativos: formar grandes exércitos, montar estratégias, estabelecer
alianças e depois passar ao ataque. Ai daqueles que começassem, antes, sozinhos
ou por grupos separados; estariam condenados à derrota certa.
Fazer a paz é exatamente o
contrário: começar já, antes, mesmo sozinhos, mesmo com um simples aperto de
mão. A paz é feita, disse o Papa Francisco em certa ocasião recente, “de modo
artesanal”. Assim como bilhões de gotas de água suja nunca formarão um oceano
limpo, assim bilhões de pessoas e famílias sem paz jamais formarão uma
humanidade em paz.
Também nós, que estamos aqui
reunidos, temos que fazer alguma coisa para ser dignos de falar de paz. Jesus,
escreve ainda o Apóstolo, veio anunciar “a paz aos que estão longe e aos que
estão perto” (Ef 2,18). A paz com “os que estão perto” é muitas vezes
mais difícil do que a paz com “os que estão longe”. Como podemos nós, cristãos,
nos dizer promotores da paz se depois brigamos entre nós? Não me refiro, neste
momento, às divisões entre católicos, ortodoxos, protestantes, pentecostais, as
várias denominações cristãs; refiro-me às divisões que muitas vezes existem
entre os pertencentes à nossa própria Igreja católica, por causa de tradições,
tendências ou ritos diferentes.
Recordemos as palavras
severas do Apóstolo aos coríntios: “Rogo-vos, irmãos, em nome de nosso Senhor
Jesus Cristo, que todos estejais em pleno acordo e que não haja divisões entre
vós. Vivei em boa harmonia, no mesmo espírito e no mesmo sentimento. Pois
acerca de vós, irmãos, fui informado pelos que são da casa de Cloé, que há
contendas entre vós. Refiro-me ao fato de que entre vós se usa esta linguagem:
Eu sou discípulo de Paulo; eu, de Apolo; eu, de Cefas; eu, de Cristo. Então
estaria Cristo dividido? É Paulo quem foi crucificado por vós? É em nome de
Paulo que fostes batizados?” (1Cor 1,10-13).
O tema da Jornada Mundial
pela Paz deste ano é “Fraternidade, fundamento e caminho para a paz”. Cito as
primeiras palavras da Mensagem: “A fraternidade é uma dimensão essencial do
homem, que é um ser relacional. A viva consciência desta relacionalidade nos
leva a ver e tratar toda pessoa como verdadeira irmã e verdadeiro irmão; sem
ela, torna-se impossível a construção de uma sociedade justa, de uma paz sólida
e duradoura”.
É na família que o texto
aponta o primeiro âmbito em que se constrói e se aprende a ser irmãos. Mas a Mensagem
também se aplica a outras realidades da Igreja: às famílias religiosas, às
comunidades paroquiais, ao Sínodo dos Bispos, à Cúria Romana. “Vós sois todos
irmãos!” (Mt 23,8), disse-nos Jesus, e se esta palavra não se aplica
dentro da Igreja, ao círculo mais estreito dos seus ministros, então a quem se
aplica?
Os Atos dos Apóstolos
nos apresentam o modelo de uma comunidade verdadeiramente fraterna, “concorde”,
ou seja, com “um só coração e uma só alma” (At 4,32). É claro que nada
disso pode se realizar a não ser “pelo Espírito Santo”. O mesmo aconteceu com
os Apóstolos. Antes de Pentecostes eles não eram um só coração e uma só alma;
discutiam com frequência quem era, dentre eles, o maior e mais digno de
sentar-se à direita e à esquerda de Jesus. A vinda do Espírito Santo transformou-os
completamente; tirou-os do centro de si mesmos e os recentrou em Cristo.
No relato de Pentecostes os
Padres antigos e a Liturgia entenderam a intenção de Lucas de criar um paralelo
entre o que aconteceu no dia de Pentecostes e o que tinha acontecido em Babel.
Nem sempre, porém, se capta a mensagem contida nesta comparação. Por que em
Babel todos falam a mesma língua e, em dado momento, ninguém mais entende o
outro, enquanto no dia de Pentecostes, mesmo falando línguas diferentes (partos,
elamitas, cretenses, árabes...), todos entendem os Apóstolos?
Primeiramente um
esclarecimento. Os construtores da torre de Babel não eram ateus que queriam
desafiar o céu, mas homens piedosos e religiosos que queriam construir um
daqueles templos de terraços sobrepostos, chamados zigurates, dos quais ainda
restam ruínas na Mesopotâmia. Isto os torna mais próximos de nós do que
imaginamos. Onde está, então, o seu grande pecado? Eles se põem a trabalhar
dizendo entre si: “‘Vamos, façamos tijolos e cozamo-los no fogo’. Serviram-se
de tijolos em vez de pedras, e de betume em lugar de argamassa. Depois
disseram: ‘Vamos, façamos para nós uma cidade e uma torre cujo cimo atinja os
céus. Tornemos assim célebre o nosso nome, para que não sejamos dispersos pela
face de toda a terra’” (Gn 11,3-4).
Querem construir um templo à
divindade, mas não pela glória da divindade, e sim para se tornarem famosos,
para obter renome, não para exaltar o nome de Deus. Deus é instrumentalizado a
serviço da glória deles. Também os Apóstolos, em Pentecostes, começam a
construir uma cidade e uma torre, a cidade de Deus, que é a Igreja, mas não
para tornar célebre o seu próprio nome, e sim para exaltar o de Deus: “Nós os
ouvimos proclamar nas nossas línguas as grandes obras de Deus”, exclamam os
presentes (At 2,11). Eles ficam completamente tomados pelo desejo de
glorificar a Deus, esquecendo-se de si mesmos e do próprio renome.
Santo Agostinho tirou daqui
a inspiração para a sua grandiosa obra “A Cidade de Deus”. Há, diz ele,
duas cidades no mundo: a cidade de Satanás, chamada Babilônia, e a cidade de
Deus, chamada Jerusalém. Uma é construída sobre o amor por si mesmo levado até
o desprezo de Deus; a outra, sobre o amor por Deus levado até o sacrifício de
si mesmo. Estas duas cidades são dois canteiros de obras até o fim do mundo e
cada um tem que escolher em qual dos dois quer empregar a própria vida.
Qualquer iniciativa, até
mesmo a mais espiritual, como, por exemplo, a da nova evangelização, pode ser
ou Babel ou Pentecostes (inclusive, é claro, esta meditação que eu estou
dando). É Babel se cada um, com ela, tenta ganhar renome; é Pentecostes, se, apesar
do sentimento natural de fazer sucesso e receber aprovação, cada um retifica
constantemente a própria intenção, colocando a glória de Deus e o bem da Igreja
acima de todos os seus desejos pessoais. Às vezes é de valia repetirmos para
nós mesmos as palavras que Jesus disse um dia diante dos seus adversários: “Eu
não busco a minha glória” (Jo 8,50).
O Espírito Santo não apaga
as diferenças, não aplana automaticamente as divergências. Vejamos o que
acontece imediatamente após o Pentecostes. Primeiro surge a divergência sobre a
distribuição de víveres para as viúvas; depois outra muito mais grave sobre
receber ou não, e em quais condições, os pagãos na Igreja. Mas não vemos
formar-se entre eles partidos ou agrupamentos. Cada um expressa as próprias
convicções com respeito e liberdade; Paulo vai a Jerusalém para consultar Pedro
e, em outra ocasião, não tem receio de fazê-lo notar uma incoerência (cf. Gl
2,14). Isto lhes permite, no final da discussão de Jerusalém, anunciar o
resultado à Igreja com as palavras: “Pareceu oportuno ao Espírito Santo e a nós...”
(At 15,28).
Foi traçado assim o modelo
para toda assembleia da Igreja, com a diferença de que, ali, ela está na fase
embrionária, na qual ainda não estão claramente delineados os vários
ministérios e ainda não se destacou (porque não houve tempo nem necessidade) o
primado dado a Pedro, pelo qual cabe a ele fazer a síntese e dar a última
palavra.
Mencionei a Cúria. Que
presente seria para a Igreja se ela fosse um exemplo de fraternidade! Ela já é,
pelo menos muito mais do que o mundo e os seus meios de comunicação querem
fazer parecer; mas pode ser cada vez mais. A diversidade de opiniões, como já
vimos, não deve ser um obstáculo intransponível. Com a ajuda do Espírito Santo,
basta recolocar Jesus e o bem da Igreja no centro das próprias intenções todos
os dias, e não o triunfo da própria opinião. São João XXIII, na Encíclica Ad
Petri cathedram, de 1959, usou uma frase famosa, de origem incerta, mas de
atualidade perene: “In necessariis unitas, in dubiis libertas, in omnibus
vero caritas” - nas coisas necessárias, unidade; nas coisas dúbias,
liberdade; e em todas as coisas, caridade.
“Se me é possível, pois,
alguma consolação em Cristo, algum caridoso estímulo, alguma comunhão no
Espírito, alguma ternura e compaixão, completai a minha alegria, permanecendo
unidos. Tende um mesmo amor, uma só alma e os mesmos pensamentos. Nada façais por
espírito de partido ou vanglória, mas que a humildade vos ensine a considerar
os outros superiores a vós mesmos. Cada qual tenha em vista não os seus
próprios interesses, e sim os dos outros” (Fl 2,1-4).
São palavras dirigidas por
São Paulo aos seus amados fiéis filipenses, mas tenho certeza de que elas
exprimem também o desejo do Santo Padre para com os seus colaboradores e para
com todos nós.
Concluamos rezando juntos a oração
pela paz e a unidade da Igreja que a Liturgia nos faz recitar antes da Comunhão
na Missa: “Senhor Jesus Cristo, dissestes aos vossos Apóstolos: ‘Eu vos deixo a
paz, eu vos dou a minha paz’. Não olheis os nossos pecados, mas a fé que anima
vossa Igreja; dai-lhe, segundo o vosso desejo, a paz e a unidade. Vós, que sois
Deus, com o Pai e o Espírito Santo. Amém”.
Meditação do Padre Raniero Cantalamessa (Capela Redemptoris Mater) |
Notas:
[1] Monumentum Ancyranum, ed. Th.
Mommsen, 1883.
[2] São Gregório VII, Epistolae, III, 21 (PL 148,
451).
[3] Santo Tomás de Aquino, Suma Teológica, I-IIae, q.
109, a. 1 ad 1.
Fonte: Zenit (Acesso em dezembro de 2014).
Confira o índice das meditações do Cardeal Cantalamessa publicadas em nosso blog clicando aqui.
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