Consistório Ordinário Público para a criação de novos Cardeais
Homilia do Papa Francisco
Basílica de São Pedro
Sábado, 07 de dezembro de 2024
Pensemos um pouco nessa narração (Mc 10,32-45): Jesus está
subindo em direção a Jerusalém. Esta não é uma subida para a glória deste
mundo, mas para a glória de Deus, que implica a descida às profundezas da
morte. Na Cidade Santa, com efeito, Ele morrerá na cruz para restaurar a vida
para nós. No entanto, Tiago e João, que imaginam um destino diferente para seu
Mestre, fazem a súplica e pedem a Ele dois lugares de honra: «Concede-nos que,
na tua glória, nos sentemos um à tua direita e outro à tua esquerda» (v. 37).
O Evangelho destaca esse contraste dramático: enquanto Jesus está
em um caminho árduo e em subida, que o levará ao Calvário, os discípulos estão
pensando no caminho, sem obstáculos e em descida, do Messias vitorioso. E não
devemos nos escandalizar com isso, mas humildemente tomar consciência de que -
para citar Manzoni - «assim é feita a miscelânea do coração humano» (Os
noivos, cap. 10). Assim ele é feito.
Isso também pode acontecer conosco: que nosso coração se perca
pelo caminho, deixando-se deslumbrar pelo fascínio do prestígio, pela sedução
do poder, por um entusiasmo demasiado humano pelo Senhor. Por isso é importante
olhar para o nosso interior, colocarmo-nos humildemente diante de Deus e
honestamente diante de nós mesmos, e nos perguntarmos: para onde está indo o
meu coração? Para onde está indo o meu coração hoje? Em que direção ele está se
movendo? Será que está indo na direção errada? Assim nos exorta Santo
Agostinho: «Por que andais por caminhos desertos? Vagando a esmo, perdeis o
caminho: Voltai! Para onde? Para o Senhor. Mas ainda é cedo: primeiro, volte
para o teu coração... Volte, volte ao coração... porque aí se encontra a imagem
de Deus. Na interioridade do homem habita Cristo, na interioridade do homem és
renovado segundo a imagem de Deus» (Comentário ao Evangelho de João, 18,
10).
Retornar ao coração para voltar ao mesmo caminho de Jesus, é disso
que precisamos. E hoje, especialmente para vós, caros irmãos, que recebeis o
cardinalato, eu gostaria de dizer: tende o cuidado de caminhar
na estrada de Jesus. E o que isso significa?
Caminhar na estrada de Jesus significa, antes
de tudo, voltar para Ele e recolocá-lo no centro de tudo. Na
vida espiritual, assim como na vida pastoral, às vezes corremos o risco de nos
concentrarmos naquilo que é acessório, esquecendo do essencial. Com muita
frequência coisas secundárias tomam o lugar do que é indispensável, as
superficialidades prevalecem sobre o que realmente importa, mergulhamos em
atividades que consideramos urgentes, sem conseguir chegar ao coração. Em vez
disso temos sempre a necessidade de voltar ao centro, de recuperar o
fundamento, de despojarmo-nos do que é supérfluo para nos revestirmos de Cristo
(cf. Rm 13,14). A própria palavra “cardeal” nos faz
lembrar disso, já que indica o ponto no qual é inserida a dobradiça de uma
porta: é um ponto firme de apoio, de sustentação. Assim sendo, caros irmãos,
Jesus é o ponto de apoio fundamental, o centro de gravidade de nosso serviço, o
“ponto cardeal” que orienta toda a nossa vida.
Caminhar na estrada de Jesus também
significa cultivar a paixão do encontro. Jesus nunca percorre o
caminho sozinho; seu vínculo com o Pai não o isola dos acontecimentos e da dor
do mundo. Pelo contrário, Ele veio justamente para curar as feridas do homem e
aliviar os fardos do seu coração, para remover as pedras do pecado e quebrar as
correntes da escravidão. E assim, ao longo do caminho, o Senhor encontra os
rostos das pessoas marcadas pelo sofrimento, aproxima-se daqueles que perderam
a esperança, levanta os que caíram, cura os que estão doentes. Os caminhos de
Jesus estão repletos de rostos e histórias e, ao passar, Ele enxuga as lágrimas
dos que choram, «cura os de coração atribulado e trata-lhes as feridas» (Sl 146,3).
A aventura do caminhar, a alegria de encontrar os outros, o
cuidado com os mais frágeis: isso deve animar o vosso serviço como Cardeais. A
aventura do caminhar, a alegria de encontrar os outros e o cuidado com os mais
frágeis. Dizia um grande clérigo italiano, o Padre Primo Mazzolari: «Ao longo
da estrada a Igreja começou; ao longo das estradas do mundo a Igreja continua.
Para entrar nela não há necessidade de bater à porta ou de aguardar na
antessala. Caminhai e a encontrareis; caminhai e ela estará ao vosso lado;
caminhai e estareis na Igreja» (Tempo di credere, Bolonha, 2010, 80-81).
Não podemos nos esquecer que o cansaço estraga o coração. E a água parada é a
primeira a se corromper.
Caminhar na estrada de Jesus significa,
finalmente, ser construtor de comunhão e unidade. Enquanto no grupo
de discípulos a traça da competição destrói a unidade, o
caminho que Jesus percorre leva-o ao Calvário. E na cruz Ele cumpre a missão
que lhe foi confiada: que ninguém se perca (cf. Jo 6,39), que o
muro da inimizade seja finalmente derrubado (cf. Ef 2,14) e que
todos descubramos que somos filhos do mesmo Pai e irmãos entre nós. Portanto,
lançando seu olhar sobre vocês, que vêm de diferentes histórias e culturas e
representam a catolicidade da Igreja, o Senhor os chama a serem testemunhas de
fraternidade, artesãos de comunhão e construtores de unidade. É essa a vossa
missão!
Precisamente ao falar a um grupo de novos Cardeais o grande São
Paulo VI disse que nós, como os discípulos, às vezes sucumbimos à tentação
de nos dividirmos; em vez disso, «é no ardor aplicado à busca da unidade que se
reconhecem os verdadeiros discípulos de Cristo». E acrescentava o Santo Papa:
«Desejamos que todos se sintam à vontade na família eclesial, sem exclusivismos
ou isolamentos nocivos que prejudicam a unidade na caridade, e desejamos que
não se procure favorecer alguns à custa de outros... devemos trabalhar, orar,
sofrer e lutar para dar testemunho a Cristo Ressuscitado» (Alocução no
Consistório para a criação de novos Cardeais, 27 de junho de 1977).
Animados por esse espírito, caros irmãos, fareis a diferença, de
acordo com as palavras de Jesus que, falando da competição corrosiva deste
mundo, diz aos discípulos: «Entre vós não deve ser assim» (Mc 10,43).
É como se Ele estivesse dizendo: vinde atrás de mim, no meu caminho, e sereis
diferentes; vinde atrás de mim e sereis um sinal luminoso em uma sociedade
obcecada pela aparência e pela busca dos primeiros lugares. “Entre vós não deve
ser assim”, repete Jesus: amai-vos uns aos outros com amor fraterno e sede
servos uns dos outros, servos do Evangelho.
Caros irmãos, na estrada de Jesus, caminhemos juntos. E caminhemos
com humildade, caminhemos com admiração, caminhemos com alegria.
Fonte: Santa Sé.
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