quinta-feira, 16 de novembro de 2023

Catequeses do Papa João Paulo II sobre o Creio: Jesus Cristo 23

Em suas Catequeses nn. 36-37 sobre Jesus Cristo, o Papa São João Paulo II prosseguiu sua reflexão sobre os milagres do Senhor.

Confira a postagem introdutória desta série, com os links para as demais Catequeses, clicando aqui.

Catequeses do Papa João Paulo II sobre o Creio
CREIO EM JESUS CRISTO

36. Mediante os sinais-milagres, Cristo revela seu poder salvador
João Paulo II - 25 de novembro de 1987

1. Um texto de Santo Agostinho nos oferece a chave para interpretar os milagres de Cristo como sinais do seu poder salvífico: “Ele contribuiu mais à nossa salvação ao fazer-se homem por nós do que pelos milagres que realizou no meio de nós; é mais importante que tenha curado as enfermidades da alma do que as do corpo destinado a morrer” (In Iohannis Evangelium Tractatus 17, 1). Em ordem a esta salvação da alma e à redenção do mundo inteiro Jesus realizou também milagres de ordem corporal. Portanto, o tema da presente Catequese é o seguinte: mediante os “milagres, prodígios e sinais” que realizou, Jesus Cristo manifestou seu poder de salvar o homem do mal que ameaça sua alma imortal e sua vocação à união com Deus.

2. É o que se revela de modo particular na cura do paralítico de Cafarnaum. As pessoas que o levavam, não conseguindo entrar pela porta da casa onde Jesus estava ensinando, desceram o enfermo através de uma abertura no teto, de modo que o pobre homem viesse a encontrar-se aos pés do Mestre. “Vendo a fé que tinham, Jesus disse ao paralítico: ‘Filho, os teus pecados estão perdoados’”. Estas palavras suscitam em alguns dos presentes a suspeita de blasfêmia: “Está blasfemando. Quem pode perdoar pecados senão Deus?”. Como que em resposta aos que haviam pensado assim, Jesus se dirige aos presentes com estas palavras: “Que é mais fácil dizer ao paralítico: ‘Os teus pecados estão perdoados’, ou dizer: ‘Levanta-te, pega tua maca e anda’? Ora, para que saibais que o Filho do homem tem na terra autoridade para perdoar pecados - dirigiu-se ao paralítico: ‘Eu te digo: levanta-te, pega tua maca e vai para tua casa!’. O paralítico levantou-se e, pegando logo a maca, saiu à vista de todos” (cf. Mc 2,1-12; e também Mt 9,1-8; Lc 5,18-26).

Jesus expulsa os demônios:
Sua missão é libertar o homem do mal

O próprio Jesus explica neste caso que o milagre da cura do paralítico é sinal do poder salvífico pelo qual Ele perdoa os pecados. Jesus realiza este sinal para manifestar que veio como Salvador do mundo, que tem como missão principal libertar o homem do mal espiritual, o mal que separa o homem de Deus e impede a salvação em Deus, que é precisamente o pecado.

3. Com a mesma chave podemos explicar aquela categoria especial dos milagres de Cristo que consiste em “expulsar os demônios”. “Espírito imundo, sai deste homem!”, ordena Jesus, segundo o Evangelho de Marcos, encontrando um endemoniado na região dos gerasenos (Mc 5,8). Nessa ocasião assistimos a um inusitado diálogo. Quando aquele “espírito imundo se sente ameaçado por Cristo, grita contra Ele: “Que queres de mim, Jesus, Filho do Deus Altíssimo? Por Deus, conjuro-te que não me atormentes!”. Jesus, por sua vez, perguntou-lhe: “Qual é teu nome?”. Ele respondeu: “Legião é meu nome, porque somos muitos” (cf. Mc 5,7-9). Estamos, pois, às margens de um mundo obscuro, onde entram em jogo fatores físicos e psíquicos que sem dúvida têm o seu peso em causar condições patológicas nas quais se insere essa realidade demoníaca, representada e descrita de maneira variada na linguagem humana, mas sempre radicalmente hostil a Deus e, por conseguinte, ao homem e a Cristo que veio para libertá-lo deste poder maligno. Mas, para seu pesar, também o “espírito imundo”, naquele choque com outra presença, prorrompe naquela afirmação que provém de uma mente perversa, mas lúcida: Jesus é o “Filho do Deus Altíssimo!”.

4. No Evangelho de Marcos encontramos também a descrição do acontecimento descrito habitualmente como a cura do epiléptico. Com efeito, os sintomas referidos pelo evangelista são característicos também desta enfermidade (“começa a espumar, range os dentes e fica completamente rígido”). No entanto, o pai do epiléptico apresenta seu filho a Jesus como possuído por um espírito maligno, o qual o agita com convulsões, o faz cair por terra e espumar pela boca. É bem possível que em um estado de enfermidade como esse se infiltre e atue o Maligno, mesmo admitindo que se trata de um caso de epilepsia, da qual Jesus cura o menino tido como endemoniado por seu pai. É significativo, no entanto, que Ele realize essa cura ordenando ao “espírito mudo e surdo”: “Sai do menino e nunca mais entres nele” (cf. Mc 9,17-27). É uma reafirmação da sua missão e do seu poder de libertar o homem do mal da alma desde as raízes.

5. Jesus dá a conhecer claramente esta sua missão de libertar o homem do mal e, antes de tudo, do pecado, mal espiritual. É uma missão que comporta e explica sua luta contra o espírito maligno, que é o primer autor do mal na história do homem. Como lemos nos Evangelhos, Jesus repetidamente declara que tal é o sentido da sua obra e da dos seus Apóstolos. Assim em Lucas: “Eu vi Satanás cair do céu como um relâmpago. Eu vos dei autoridade para pisar... sobre todo o poder do inimigo. Nada vos poderá fazer mal” (Lc 10,18-19). Segundo Marcos, depois de ter constituído os Doze, Jesus lhes envia “a anunciar, com a autoridade de expulsar demônios” (Mc 3,14-15). Segundo Lucas, também os setenta e dois discípulos, depois do seu retorno da primeira missão, referem a Jesus: “Senhor, até os demônios se submetem a nós por causa do teu nome” (Lc 10,17).

Assim se manifesta o poder do Filho do homem sobre o pecado e sobre o autor do pecado. O nome de Jesus, no qual os demônios são submetidos, significa Salvador. No entanto, este seu poder salvador alcançará seu cumprimento definitivo no sacrifício da cruz. A cruz selará a vitória total sobre Satanás e sobre o pecado, porque este é o desígnio do Pai, que seu Filho Unigênito realiza fazendo-se homem: vencer na fraqueza e alcançar a glória da ressurreição e da vida através da humilhação da cruz. Também neste fato paradoxal refulge o seu poder divino, que pode justamente chamar-se “a força da cruz”.

6. Faz parte desse poder, e pertence à missão do Salvador do mundo manifestada nos “milagres, prodígios e sinais”, também a vitória sobre a morte, dramática consequência do pecado. A vitória sobre o pecado e sobre a morte marca o caminho da missão messiânica de Jesus desde Nazaré até o Calvário. Entre os “sinais” que indicam particularmente o seu caminho rumo à vitória sobre a morte, estão sobretudo as ressurreições: “os mortos ressuscitam” (Mt 11,5), responde Jesus, com efeito, à pergunta sobre sua messianidade feita pelos mensageiros de João Batista (v. 3). E entre os vários “mortos” ressuscitados por Jesus, merece uma atenção particular Lázaro de Betânia, porque a sua ressurreição é como um “prelúdio” da Morte e da Ressurreição de Cristo, nas quais se cumpre a vitória definitiva sobre o pecado e a morte.

7. O evangelista João nos deixou uma descrição pormenorizada do acontecimento. Basta-nos referir aqui o momento conclusivo. Jesus pede que se retire a pedra que fechava a tumba. Marta, a irmã de Lázaro, observa que seu irmão está há quatro dias no sepulcro e que o corpo, certamente, já começou a se decompor. No entanto, Jesus exclamou com voz forte: “Lázaro, vem para fora!. “O que estivera morto saiu”, atesta o evangelista (cf. Jo 11,38-43). O fato suscita a fé em muitos dos presentes. Outros, ao contrário, se dirigem aos representantes do Sinédrio para denunciar o acontecido. Os sumos sacerdotes e fariseus ficam preocupados, pensam em uma possível reação do ocupante romano: “Os romanos virão destruir nosso lugar santo e nossa nação” (vv. 45-48). Justamente então são proferias ao Sinédrio as famosas palavras de Caifás: “Vós não entendeis nada! Não considerais ser melhor para vós que um só morra pelo povo e não que pereça a nação inteira?”. E o evangelista anota: “Caifás não falou isso por si mesmo, mas, sendo sumo sacerdote naquele ano, profetizou...”. De que profecia se trata? Aqui João nos dá a leitura cristã daquelas palavras, que são de uma dimensão imensa: “Jesus haveria de morrer pela nação, e não só pela nação, mas também para reconduzir à unidade os filhos de Deus dispersos” (vv. 49-52).

8. Como podemos ver, a descrição joanina da ressurreição de Lázaro contém também indicações essenciais a respeito do significado salvífico deste milagre. São indicações definitivas, porque precisamente então foi tomada pelo Sinédrio a decisão sobre a morte de Jesus (v. 53). E será a morte redentora pela nação” e “para reconduzir à unidade os filhos de Deus dispersos”: para a salvação do mundo. Mas Jesus já havia dito que aquela morte se tornaria também a vitória definitiva sobre a morte. Por ocasião da ressurreição de Lázaro, Ele assegurou a Marta: “Eu sou a ressurreição e a vida. Quem crê em mim, ainda que tenha morrido, viverá. E todo aquele que vive e crê em mim, jamais morrerá” (vv. 25-26).

9. Ao final da nossa Catequese, retornemos mais uma vez ao texto de Santo Agostinho: “Se consideramos agora os atos realizados por nosso Senhor e Salvador, Jesus Cristo, vemos que os olhos dos cegos, abertos milagrosamente, foram fechados pela morte, e que os membros dos paralíticos, libertos pelo milagre, foram de novo imobilizados pela morte: tudo o que temporalmente foi curado no corpo mortal, no final foi desfeito; mas a alma que acreditou passou à vida eterna. Com este enfermo o Senhor quis dar um grande sinal à alma que haveria de crer, para cuja remissão dos pecados tinha vindo, e para curar suas fraquezas Ele havia se humilhado” (In Iohannis Evangelium Tractatus 17, 1).

Sim, todos os “milagres, prodígios e sinais” de Cristo estão em função da sua revelação como Messias, como Filho de Deus: da revelação que  Ele tem o poder de libertar o homem do pecado e da morte, de que Ele é verdadeiramente o Salvador do mundo.

37. Os milagres como sinais salvíficos
João Paulo II - 02 de dezembro de 1987

1. Não há dúvida sobre o fato de que, nos Evangelhos, os milagres de Cristo são apresentados como sinais do reino de Deus que irrompeu na história do homem e do mundo. “Se Eu expulso demônios pelo Espírito de Deus, é porque já chegou para vós o reino de Deus”, diz Jesus (Mt 12,28). Por muitas que sejam as discussões que queiramos ter e que de fato ocorreram sobre o tema dos milagres (às quais, por outra parte, deram resposta os apologistas cristãos), é certo que não é possível separar os “milagres, prodígios e sinais” atribuídos a Jesus e mesmo aos seus Apóstolos e discípulos, que agiram “em seu nome”, do contexto autêntico do Evangelho.

Na pregação dos Apóstolos, da qual se originam principalmente os Evangelhos, os primeiros cristãos ouviam as testemunham oculares narrarem aqueles atos extraordinários, ocorridos em tempos recentes e, portanto, verificáveis sob o aspecto que podemos chamar crítico-histórico, de modo que não se surpreenderam pela sua inserção nos Evangelhos. Quaisquer que tenham sido as contestações dos tempos sucessivos, das fontes genuínas da vida e do ensinamento de Cristo emerge uma primeira certeza: os Apóstolos, os evangelistas e toda a Igreja primitiva viam em cada um daqueles milagres o supremo poder de Cristo sobre a natureza e sobre as suas leis. Aquele que revela Deus como Pai, Criador e Senhor do criado, quando realiza esses milagres com seu próprio poder, revela a si mesmo como Filho consubstancial ao Pai e igual a Ele no seu senhorio sobre a criação.

2. No entanto, alguns milagres apresentam também outros aspectos complementares ao significado fundamental da prova do poder divino do Filho do homem em ordem à economia da salvação.

Assim, falando do primeiro “sinal” realizado em Caná da Galileia, o evangelista João notar que, através dele, Jesus “manifestou a sua glória e seus discípulos creram n’Ele” (Jo 2,11). O milagre, pois, é realizado com uma finalidade de fé, mas tem lugar durante uma festa de casamento. Portanto, podemos dizer que, ao menos na intenção do evangelista, o “sinal” serve para destacar toda a economia divina da aliança e da graça que, nos livros do Antigo e do Novo Testamento, é expressa várias vezes através da imagem do matrimônio.

O milagre de Caná da Galilea, portanto, pode ser relacionado à parábola do banquete de casamento que um rei preparou para seu filho, e com o “reino dos céus” escatológico que é semelhante precisamente a esse banquete (cf. Mt 22,2). O “primeiro milagre” de Jesus pode ser lido como um “sinal” deste reino, sobretudo se pensamos que, não tendo chegado ainda a “hora de Jesus”, ou seja, a hora da sua Paixão e da sua glorificação (Jo 2,4; cf. 7,30; 8,20; 12,23.27; 13,1; 17,1), que deve ser preparada com a pregação do “Evangelho do reino” (cf. Mt 4,23; 9,35), o milagre obtido pela intercessão de Maria pode ser considerado um “sinal” e um anúncio simbólico do que está para acontecer.

3. O milagre da multiplicação dos pães, realizado próximo a Cafarnaum, poder ser lido ainda mais claramente como um “sinal” da economia salvífica. João relaciona-o com o discurso proferido por Jesus no dia seguinte, no qual insiste sobre a necessidade de procurar “o alimento que permanece para a vida eterna”, mediante a fé “n’Aquele que o enviou” (cf. Jo 6,27-29), e fala de si mesmo como o pão verdadeiro que “dá vida ao mundo” (v. 33) e Aquele que dá a sua carne “para a vida do mundo” (v. 51). Está claro aqui o anúncio da Paixão e à Morte salvífica, não sem referência e preparação à Eucaristia que deveria ser instituída na véspera da sua Paixão, como sacramento-pão da vida eterna (vv. 52-58).

4. Por sua vez, a tempestade acalmada no lago de Genesaré pode ser lida como “sinal de uma presença constante de Cristo na “barca” da Igreja que, muitas vezes ao longo da história, é exposta à fúria dos ventos nos momentos de tempestade. Jesus, despertado pelos discípulos, ordena aos ventos e ao mar e faz-se grande calmaria. Então lhes diz: “Por que sois tão medrosos? Ainda não tendes fé?” (Mc 4,40). Neste, como em outros episódios, se vê a vontade de Jesus de inculcar nos Apóstolos e discípulos a fé em sua própria presença operante e protetora, inclusive nos momentos mais tempestuosos da história, nos quais poderia infiltrar-se no espírito a dúvida sobre sua assistência divina. Com efeito, na homilética e na espiritualidade cristã, o milagre é geralmente interpretado como “sinal” da presença de Jesus e garantia da confiança n’Ele por parte dos cristãos e da Igreja.

5. Jesus, que vai ao encontro dos discípulos caminhando sobre as águas, oferece outro “sinal” da sua presença e assegura uma vigilância constante sobre seus discípulos e sua Igreja. “Coragem! Sou Eu. Não tenhais medo!”, diz Jesus aos Apóstolos que o tinham tomado por um fantasma (cf. Mc 6,49-50; Mt 14,26-27; Jo 6,16-21). Marcos faz notar o espanto dos Apóstolos, pois “não tinham compreendido nada a respeito dos pães. O coração deles estava endurecido” (Mc 6,52). Mateus relata o pedido de Pedro, que quer descer do barco para ir ao encontro de Jesus, e registra o seu medo e o seu grito de socorro, quando se sente afundando: Jesus o salva, mas o repreende docemente: “Homem fraco na fé, por que duvidaste?” (Mt 14,31). Acrescenta ainda que “os que estavam no barco ajoelharam-se diante d’Ele, dizendo: ‘Verdadeiramente Tu és o Filho de Deus!” (v. 33).

6. As pescas milagrosas são para os Apóstolos e para a Igreja os “sinais” da fecundidade da sua missão se permanecerem profundamente unidos ao poder salvífico de Cristo (cf. Lc 5,4-10; Jo 21,3-6). Com efeito, Lucas insere na narração o fato de que Simão Pedro que prostra aos joelhos de Jesus, exclamando: “Afasta-te de mim, Senhor, porque sou um pecador!” (Lc 5,8), e a resposta de Jesus: “Não temas! Doravante serás pescador de homens!” (v. 10). João, por sua vez, à narração da pesca após a Ressurreição, faz seguir o mandato de Cristo a Pedro: “Apascenta meus cordeiros, apascenta minhas ovelhas” (cf. Jo 21,15-17). É uma proximidade significativa.

7. Podemos dizer, portanto, que os milagres de Cristo, manifestação da onipotência divina em relação à criação que se revela no seu poder messiânico sobre homens e coisas, são, ao mesmo tempo, os sinais mediante os quais se revela a obra divina da salvação, a economia salvífica que com Cristo é introduzida e se realiza de modo definitivo na história do homem e é assim inscrita neste mundo visível, que é também obra divina. As pessoas que - como os Apóstolos no lago -, vendo os “milagres” de Cristo, se perguntam: “Quem é este, que até o vento e o mar lhe obedecem?” (Mc 4,41), mediante estes “sinais” são preparadas para acolher a salvação que Deus oferece ao homem em seu Filho.

Este é o objetivo essencial de todos os milagres e sinais realizados por Cristo aos olhos dos seus contemporâneos, e de todos os milagres que ao longo da história serão realizados por seus Apóstolos e discípulos em referência ao poder salvífico do seu nome: “Em nome de Jesus Cristo, o Nazareno, levanta-te e anda!” (At 3,6).

A tempestade acalmada:
Sinal do poder de Jesus sobre a natureza

Tradução nossa a partir do texto italiano divulgado no site da Santa Sé (25 de novembro e 02 de dezembro de 1987).

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