quinta-feira, 2 de novembro de 2023

Catequeses do Papa João Paulo II sobre o Creio: Jesus Cristo 21

A Catequese n. 33 do Papa São João Paulo II sobre Jesus Cristo conclui a seção dedicada a Jesus como “verdadeiro Deus”.

Para acessar a postagem introdutória dessa série, com os links para todas as Catequeses, clique aqui.

Catequeses do Papa João Paulo II sobre o Creio
CREIO EM JESUS CRISTO

33. “Eu disponho do Reino para vós”
João Paulo II - 04 de novembro de 1987

1. Recordemos os temas das Catequeses sobre Jesus “Filho do homem”, que ao mesmo tempo se dá a conhecer como verdadeiro Filho de Deus”: “Eu e o Pai somos um” (Jo 10,30). Vimos que Ele referia a si mesmo o nome e os atributos divinos, falava da sua divina preexistência na unidade com o Pai (e com o Espírito Santo, como explicaremos em um posterior ciclo de Catequeses); atribuía a si o poder sobre a Lei que Israel havia recebido de Deus por meio de Moisés na antiga aliança, especialmente no “Sermão da Montanha” (cf. Mt 5); e, junto a esse poder, atribuía a si também o de perdoar os pecados (cf. Mc 2,1-12; Lc 7,48; Jo 8,11) e de pronunciar o julgamento final sobre as consciências e as obras de todos os homens (cf. Mt 25,31-46; Jo 5,27-29). Por fim, ensinava como quem tem autoridade e pedia fé na sua palavra, convidava a segui-lo até a morte e prometia como recompensa “a vida eterna”. Ao chegar a este ponto, temos à disposição todos os elementos e todas as razões para afirmar que Jesus Cristo revelou-se como Aquele que instaura o reino de Deus na história da humanidade.

O envio dos Apóstolos em missão
(Catedral de Santiago do Chile)

2. O terreno da revelação do reino de Deus havia sido preparado já no Antigo Testamento, particularmente na segunda fase da história de Israel, narrada nos textos dos Profetas e nos Salmos após o exílio e as outras experiências dolorosas do povo eleito. Recordemos especialmente os cantos dos salmistas a Deus que é “Rei de toda a terra”, que “reina sobre as nações” (Sl 46,8-9); e o reconhecimento exultante: “Teu reino é um reino de todos os séculos, e o teu domínio perdura de geração em geração” (Sl 144,13). O profeta Daniel, por sua vez, fala do reino de Deus “que nunca será destruído... humilhará e arrasará todos os outros reinos, enquanto ele mesmo permanecerá para sempre” (Dn 2,44). Será o “Deus do céu” que fará surgir este reino (o reino dos céus), que permanecerá sob o domínio do mesmo Deus e não será “entregue a outro povo” (ibid.).

3. Inserindo-se nessa tradição e partilhando esta concepção da antiga aliança, Jesus de Nazaré proclama desde o início da sua missão messiânica precisamente este reino: “Cumpriu-se o tempo e está próximo o reino de Deus” (Mc 1,15). Deste modo Ele colhe um dos motivos constantes da espera de Israel, mas dá uma nova direção à esperança escatológica que havia sido delineada na última fase do Antigo Testamento, proclamando que esta tem seu cumprimento inicial já aqui na terra, porque Deus é o Senhor da história: o seu reino é, certamente, projetado para um cumprimento final além do tempo, mas começa a realizar-se já aqui na terra e se desenvolve, em certo sentido, “dentro” da história. Nesta perspectiva, Jesus anuncia e revela que o tempo das antigas promessas, expectativas e esperanças “cumpriu-se”, e que o reino de Deus “está próximo”: antes, está já presente na sua própria Pessoa.

4. Jesus Cristo, com efeito, não só ensina sobre o reino de Deus, fazendo dele a verdade central da sua pregação, mas instaura este reino na história de Israel e de toda a humanidade. E nisso se revela seu poder divino, sua soberania em relação a tudo o que no tempo e no espaço porta em si os sinais da antiga criação e do chamado a ser “novas criaturas” (cf. 2Cor 5,17, Gl 6,15), nas quais em Cristo e por Cristo foi superado todo o transitório e o efêmero e foi estabelecido para sempre o verdadeiro valor do homem e de todo o criado.

É um poder único e eterno que Jesus Cristo, Crucificado e Ressuscitado, atribui a si no final da sua missão terrena, quando declara aos Apóstolos: “Foi-me dada todo a autoridade no céu e na terra” (Mt 28,18), e em virtude desta sua autoridade lhes ordena: “Ide, pois, e fazei discípulos todos os povos, batizando-os em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo. Ensinai-os a observar tudo o que vos mandei. Eis que estou convosco todos os dias, até o fim dos tempos” (vv. 19-20).

5. Antes de chegar a este ato definitivo da proclamação e revelação da soberania divina do “Filho do homem”, Jesus anuncia muitas vezes que o reino de Deus veio ao mundo. Mais ainda, no conflito com os adversários que não hesitam em atribuir as obras de Jesus a um poder demoníaco, Ele os confronta com uma argumentação que conclui afirmando: “Se, porém, é pelo dedo de Deus que Eu expulso os demônios, é porque já chegou até vós o reino de Deus” (Lc 11,20). N’Ele e por Ele, pois, o espaço espiritual do domínio divino adquire sua consistência: o reino de Deus entra na história de Israel e da humanidade inteira, e Ele é capaz de revelá-lo e de mostrar que tem o poder de decidir sobre sua atuação. Ele o demonstra com a libertação dos demônios: todo o espaço psicológico e espiritual é assim reconquistado para Deus.

6. Também o mandato definitivo, que Cristo Crucificado e Ressuscitado dá aos Apóstolos (Mt 28,18-20), foi preparado por Ele sob todos os aspectos. Momento chave da preparação foi a vocação dos Apóstolos: “Constituiu doze para estarem com Ele e para enviá-los a anunciar, com a autoridade de expulsar demônios” (Mc 3,14-15). Em meio aos Doze, Simão Pedro se torna destinatário de um poder especial em ordem ao reino: “Eu te digo: tu és Pedro, e sobre esta pedra construirei a minha Igreja, e as portas do Hades não prevalecerão contra ela. Eu te darei as chaves do reino dos céus: tudo o que ligares na terra, será ligado nos céus, e tudo o que desligares na terra, será desligado nos céus” (Mt 16,18-19). Quem fala deste modo demonstra-se convencido de possuir o reino, de ter a soberania total, e de poder confiar suas “chaves” a um representante e vigário, como e ainda mais do que faria um rei da terra com seu lugar-tenente ou primeiro-ministro.

7. Essa evidente convicção de Jesus explica porque El, durante o seu ministério, fala da sua obra presente e futura como de um novo reino introduzido na história humana: não só como verdade anunciada, mas como realidade viva, que se desenvolve, cresce e fermenta toda a massa humana, como lemos na parábola do fermento (cf. Mt 13,33; Lc 13,21). Esta e as demais “parábolas do reino” (cf. Mt 13) atestam como esta seja a ideia central de Jesus, mas também a substância da sua obra messiânica, que Ele deseja que se prolongue na história, inclusive depois do seu retorno ao Pai, mediante uma estrutura visível cuja cabeça é Pedro (cf. Mt 16,18-19).

8. A instauração dessa estrutura do reino de Deus coincide com a transmissão que Cristo faz da mesma aos Apóstolos escolhidos por Ele: “Eu disponho (em latim: “dispono”; alguns traduzem: “transmito”) para vós do reino, como o meu Pai dispôs dele para mim” (Lc 22,29). E a transmissão do reino é ao mesmo tempo uma missão: “Assim como Tu me enviaste ao mundo, Eu também os enviei ao mundo” (Jo 17,18). Depois da Ressurreição, aparecendo aos Apóstolos, Jesus repetirá: “Como o Pai me enviou, Eu também vos envio... Recebei o Espírito Santo. A quem perdoardes os pecados, lhes serão perdoados; a quem os retiverdes, lhes serão retidos” (Jo 20,21-23).

Notemos: no pensamento de Jesus, na sua obra messiânica, no seu mandato aos Apóstolos, a inauguração do reino neste mundo está estreitamente ligada ao seu poder de vencer o pecado, de anular o poder de Satanás no mundo e em cada homem. Portanto, está ligado ao Mistério Pascal, à Cruz e Ressurreição de Cristo, “Agnus Dei qui tollit peccata mundi...” (“Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo”), e como tal se estrutura na missão histórica dos Apóstolos e dos seus sucessores. A instauração do reino de Deus tem o seu fundamento na reconciliação do homem com Deus, cumprida em Cristo e por Cristo no Mistério Pascal (cf. 2Cor 5,19; Ef 2,13-18; Cl 1,19-20).

9. A instauração do reino de Deus na história da humanidade é o objetivo da vocação e da missão dos Apóstolos - e, portanto, da Igreja - em todo o mundo (cf. Mc 16,15; Mt 28,19-20). Jesus sabia que esta missão, assim como a sua missão messiânica, encontraria e suscitaria fortes oposição. Desde os dias em que enviou os Apóstolos nas primeiras experiências de colaboração com Ele, lhes advertia: “Eu vos envio como ovelhas em meio a lobos. Sede, portanto, prudentes como as serpentes e simples como as pombas” (Mt 10,16).

No texto de Mateus é condensado também o que Jesus diria depois sobre o destino dos seus missionários (cf. Mt 10,17-25), tema sobre o qual Ele retorna em um dos últimos discursos polêmicos com os “escribas e fariseus”, reiterando: “Vede, Eu vos envio profetas, sábios e escribas: a uns matareis e crucificareis, a outros açoitareis nas vossas sinagogas e perseguireis de cidade em cidade” (Mt 23,34). Destino que, ademais, já havia tocado aos profetas e a outros personagens da antiga aliança, aos quais se refere o texto (cf. v. 35). Mas Jesus dava aos seus seguidores a segurança da duração da sua obra e deles mesmos: “et porta inferi non praevalebunt...” (“e as portas do inferno [do Hades] não prevalecerão...”).

Apesar das oposições e contradições que conheceria em seu desenvolvimento histórico, o reino de Deus, instaurado uma vez para sempre no mundo com o poder do próprio Deus mediante o Evangelho e o Mistério Pascal do Filho, teria sempre não só os sinais da sua Paixão e Morte, mas também o selo do seu poder divino, vislumbrado na Ressurreição. A história o demonstrou. Mas a certeza dos Apóstolos e de todos os fiéis está fundada na revelação do poder divino de Cristo, histórico, escatológico e eterno, sobre o qual o Concílio Vaticano II ensina: “Feito obediente até a morte e, por isso, exaltado pelo Pai (Fl 2,8-9), Cristo entrou na glória de seu reino. A Ele estão sujeitas todas as coisas, até que submeta ao Pai a si mesmo e toda a criação, para que Deus seja tudo em todos (1Cor 15,27-28)” (Lumen gentium, n. 36).

Envio dos Apóstolos em missão

Tradução nossa a partir do texto italiano divulgado no site da Santa Sé (04 de novembro de 1987). 

Nenhum comentário:

Postar um comentário