“Alegrai-vos por
participar dos sofrimentos de Cristo, para que possais também exultar de
alegria na revelação da sua glória” (1Pd 4,13).
Nas postagens anteriores desta série sobre a leitura litúrgica dos livros da Sagrada Escritura iniciamos um estudo sobre a presença
da Primeira Carta de Pedro (1Pd)
nas celebrações do Rito Romano.
Após uma breve introdução, analisamos sua leitura na
Celebração Eucarística e nos demais sacramentos sob o critério da composição
harmônica, isto é, da sintonia com o tempo ou a festa litúrgica, como indicado no n. 66
do Elenco das Leituras da Missa (ELM) [1]. Para acessar as primeiras duas partes, clique aqui: 1ª parte / 2ª parte.
Nesta postagem concluiremos a análise sob esse critério com os
sacramentais e a Liturgia das Horas.
2. Leitura litúrgica
de Primeira Carta de Pedro: Composição harmônica
c) Sacramentais
Iniciamos essa terceira parte do nosso estudo com os sacramentais, particularmente com as consagrações de pessoas e lugares e com
as bênçãos.
Primeiramente, nas consagrações de pessoas e lugares há três
leituras ad libitum (à escolha) da
nossa Carta:
- Bênção de abade ou
abadessa: 1Pd 5,1-4 [2], a exortação aos presbíteros a apascentar o
“rebanho de Deus” que lhes confiado.
Trata-se, portanto, de uma leitura mais adequada para a bênção de abades.
- Consagração das
virgens e Profissão religiosa
(celebrações que compartilham os mesmos textos bíblicos): 1Pd 1,3-9 [3],
parte da “ação de graças” da Carta, com
a promessa de que, após as provações deste mundo, receberemos “uma herança incorruptível” (v. 4).
- Dedicação de igreja:
1Pd 2,4-9 [4], a exortação a formarmos, “como pedras vivas”, um “edifício
espiritual”, do qual o templo cristão é a imagem.
Quanto às bênçãos de pessoas, lugares e objetos, há cinco
leituras à escolha de 1Pd:
- Bênção de peregrinos
por ocasião da partida: 1Pd 2,4-12 [5], com a exortação aos
cristãos, “peregrinos e forasteiros neste
mundo”, a um bom comportamento, para que os pagãos, “vendo as suas boas obras, glorifiquem a Deus”;
- Bênção de pedra
fundamental de edifício: 1Pd 2,4-10 [6], exortando a formar um “edifício espiritual” alicerçado em
Cristo, “a pedra viva”;
- Bênção de imagens
de santos para veneração pública: 1Pd 4,7b-11 [7], uma exortação ao
amor fraterno e ao serviço, fontes de toda santidade;
- Bênção de estações
da Via Sacra: por fim, nesta Bênção são sugeridas duas leituras de 1Pd à escolha: 1Pd 2,19-25, com o
“cântico” ou “hino” à Paixão de Cristo, e 1Pd 3,18–4,2, com a recordação
do Mistério Pascal: “Cristo morreu uma
vez pelos pecados, o justo pelos injustos, a fim de vos conduzir a Deus” [8].
Jesus Cristo, a “pedra viva” do “edifício espiritual” (Porta da Basílica da Sagrada Família, Barcelona) |
d) Liturgia das Horas
Em relação à Liturgia
das Horas (LH) é preciso distinguir dois tipos de leituras: as leituras longas, proferidas no Ofício das
Leituras, e as leituras breves,
proferidas nas demais horas (Laudes, Hora Média e Vésperas).
Começaremos nossa análise da leitura em composição harmônica
de 1Pd na LH com as leituras
longas, que são quatro, todas nos Comuns
dos Santos:
- Ofício das Leituras
do Comum da dedicação de igreja (Tempo Comum): 1Pd 2,1-17 [9], sobre
o “edifício espiritual” formado pelos
cristãos como “pedras vivas”;
- Ofício das Leituras
do Comum dos Pastores: para presbíteros (Tempo Comum): 1Pd 5,1-11
[10], a exortação aos presbíteros a apascentar o “rebanho de Deus” que lhes confiado;
- Ofício das Leituras
do Comum dos Santos Homens: para santos que viveram no Matrimônio (Advento,
Natal, Quaresma e Páscoa): 1Pd 3,7-17 [11], os conselhos do autor da
Carta aos maridos, dentro do “código
doméstico”, unidos aos conselhos a todos os cristãos;
- Ofício das Leituras
do Comum das Santas Mulheres: para santas que viveram no Matrimônio (2ª opção):
1Pd 3,1-6.8-17 [12], como acima, com os conselhos às esposas e a todos
os cristãos (vv. 8-17).
Após as leituras longas, passamos às leituras breves de 1Pd
na Liturgia das Horas em composição harmônica, que são bem mais numerosas.
Seguindo o ciclo do Ano Litúrgico, começamos pela Quaresma e pela Semana Santa, onde
identificamos quatro leituras do nosso livro, particularmente nas Vésperas, uma
vez que nesta Hora sempre se leem textos do Novo Testamento:
- I Vésperas do V
Domingo da Quaresma e do Domingo de Ramos e Vésperas do Sábado Santo: 1Pd
1,18-21 [13], atestando que fomos resgatados “pelo precioso sangue de Cristo, como de um cordeiro sem mancha nem defeito”;
- Hora Média do V
Domingo da Quaresma e do Domingo de Ramos:
12h: 1Pd
4,13-14, a exortação a alegrar-se “por
participar dos sofrimentos de Cristo”;
15h: 1Pd
5,10-11, a promessa de que, após os sofrimentos do tempo presente,
participaremos da “glória eterna, em
Cristo” [14];
“Bem-aventurados os que são perseguidos por causa da justiça” (Mt 5,10) (A coroa e as palmas, símbolos do martírio) |
- Vésperas da sexta-feira
da V semana da Quaresma e Vésperas da Sexta-feira Santa: 1Pd
2,21b-24 [15], um trecho do “cântico” à Paixão de Cristo: “Cristo sofreu por vós deixando-vos um exemplo, a fim de que sigais os
seus passos...”.
No Tempo Pascal, por sua vez, são proclamadas quatro
perícopes do nosso livro:
- I Vésperas dos Domingos
do Tempo Pascal (II a VII): 1Pd 2,9-10 [16], os cristãos são “a raça escolhida, o sacerdócio do Reino, a
nação santa... o povo de Deus”;
- Hora Média (9h) das
terças-feiras do Tempo Pascal: 1Pd 3,21-22a [17], o Batismo é a
nossa salvação, “em virtude da
Ressurreição de Jesus Cristo”;
- Vésperas das terças-feiras
do Tempo Pascal (até a VI semana): 1Pd 2,4-5 [18], Cristo é “a pedra viva”, rejeitada pelos homens,
mas escolhida por Deus. Também nós, como “pedras
vivas”, formamos um “edifício
espiritual”;
- Vésperas das quintas-feiras
do Tempo Pascal (até a VI semana) e II Vésperas da Solenidade da Ascensão do Senhor:
1Pd 3,18.21b-22 [19], a afirmação do Mistério Pascal: Cristo morreu pelos
nossos pecados, ressuscitou, “subiu ao
céu e está à direita de Deus”.
Prosseguindo nosso percurso com as celebrações dos santos,
contemplamos o Próprio, com textos
específicos para os principais santos.
Seguindo a ordem de precedência das pessoas, a primeira
celebração a se considerar é cristológica: na Hora Média (15h) da Festa da Exaltação da Santa Cruz (14 de
setembro), com efeito, lemos 1Pd 1,18-19 [20], com a afirmação de que
fomos resgatados “pelo precioso sangue de
Cristo”, Cordeiro sem mancha.
Depois de Cristo, segue-se a sua Mãe, com a presença da Carta nas Vésperas da Festa da Visitação de Nossa Senhora (31 de maio),
quando se lê 1Pd 5,5b-7 [21], uma exortação à humildade, “para que, na hora oportuna, Deus vos exalte”.
Esta leitura faz um paralelo com o cântico da Virgem Maria, o Magnificat: Deus “derrubou os poderosos de seus tronos e exaltou os humildes” (Lc
1,52).
Após as celebrações cristológicas e marianas do Próprio, consideremos as celebrações hagiológicas
propriamente ditas, isto é, as celebrações dos demais santos:
- Festa da Cátedra de
São Pedro (22 de fevereiro), com duas leituras da nossa Carta:
Hora Média (12h):
1Pd 5,1-2a, a exortação aos presbíteros a apascentar o rebanho;
Vésperas: 1Pd
1,3-5, parte da “ação de graças” da Carta,
bendizendo a Deus por sua misericórdia e por nos fazer “nascer de novo” em Cristo [22];
Cristo entrega as chaves do Reino a Pedro (Pietro Perugino) |
- Laudes da
Solenidade de São Pedro e São Paulo, Apóstolos (29 de junho): 1Pd
4,13-14 [23], a exortação à alegria se sofremos por causa de Cristo;
- Hora Média (12h) da
Solenidade de Todos os Santos (01 de novembro): 1Pd 1,15-16 [24], a
exortação à santidade, citando o “refrão” do Levítico: “Sede santos,
porque Eu sou santo”;
- Hora Média (9h) da
Festa de Santo Estêvão, Diácono e Protomártir (26 de dezembro): 1Pd
5,10-11 [25], a promessa de que, após passar pelos sofrimentos do tempo
presente, participaremos da “glória
eterna, em Cristo”.
Por fim, nos Comuns, com
textos para cada “categoria” de santos, ocorrem três perícopes da Primeira Carta de Pedro:
- Comuns de vários
mártires e de um mártir:
Hora Média (9h): 1Pd
5,10-11, como na Festa de Santo Estêvão [26];
II Vésperas: 1Pd
4,13-14, a exortação à alegria por “participar
dos sofrimentos de Cristo” [27].
A leitura das Vésperas é indicada particularmente nas
celebrações da Memória de Santa Inês,
Virgem e Mártir (21 de janeiro) e da Festa
de São Lourenço, Diácono e Mártir (10 de agosto) [28].
- I e II Vésperas do
Comum dos Pastores: 1Pd 5,1-4 [29], a exortação aos presbíteros a
apascentarem o rebanho, como vimos anteriormente. Esta leitura é indicada
particularmente para a Memória de São
Martinho, Bispo (11 de novembro) [30].
Concluímos assim a terceira parte do nosso estudo sobre a
leitura litúrgica da Primeira Carta de
Pedro e com ela a análise sob o critério da composição harmônica. A quarta e última parte será dedicada à sua leitura semicontínua e ao texto de 1Pd
2,21-25, entoado como cântico na Liturgia das Horas.
Notas:
[1] cf. ALDAZÁBAL,
José. A Mesa da Palavra I: Elenco das
Leituras da Missa - Texto e Comentário. São Paulo: Paulinas, 2007, p. 76.
[2] LECIONÁRIO IV: Lecionário
do Pontifical Romano. Tradução portuguesa da 2ª edição típica para o Brasil.
São Paulo: Paulus, 2000, p. 120.
[3] ibid., p. 143.
[4] ibid., p. 180.
[5] RITUAL DE
BÊNÇÃOS. Tradução portuguesa da edição
típica para o Brasil. São Paulo: Paulus, 1990, p. 149.
[6] ibid., p. 170.
[7] ibid., p. 373.
Uma imagem particular, para devoção pessoal, é abençoada com o formulário para objetos
devocionais.
[8] ibid., pp.
402-403.
[9] OFÍCIO DIVINO. Liturgia
das Horas segundo o Rito Romano. Tradução para o Brasil da segunda edição
típica. São Paulo: Paulus, 1999, vol. III, p. 1485; vol. IV, p. 1497. Para
os tempos do Advento, Natal, Quaresma e Páscoa são indicadas outras leituras, a
fim de oferecer uma maior diversidade de textos.
[10] ibid., vol. III, p. 1621; vol. IV,
p. 1633. Nos outros tempos litúrgicos lê-se aqui um texto de 1Tm.
[11] ibid., vol.
I, p. 1311; vol. II, p. 1864. No Tempo Comum lê-se um texto de Ef.
[12] ibid., vol.
I, p. 1339; vol. II, p. 1893; vol. III, p. 1715; vol. IV, p. 1727. A 1ª opção
de leitura é Pv 31,10-31.
[13] ibid., vol. II, pp. 301.362.456.
[14] ibid., vol. II, pp. 309-310.371.
[15] ibid., vol. II, pp. 349.432.
[16] ibid., vol. II, pp. 566.622.675.731.783.865.
O Domingo da Páscoa não possui I Vésperas, uma vez que a celebração da
Ressurreição começa na Vigília Pascal.
[17] ibid., vol. II, pp.
514.590.645.698.754.804.886.
[18] ibid., vol. II, pp.
515.591.646.699.754.804. Nas Vésperas da VII semana as leituras são dedicadas
ao Espírito Santo, em preparação para a Solenidade de Pentecostes.
[19] ibid., vol.
II, pp. 541.606.659.714.768.816.840. Em alguns países, incluindo o Brasil, a
Solenidade da Ascensão do Senhor, celebrada na quinta-feira da VI semana da Páscoa,
é transferida para o domingo seguinte.
[20] ibid., vol. IV, p. 1275.
[21] ibid., vol. II, p. 1607; vol. III, p.
1328.
[22] ibid., vol. II, pp. 1457-1458; vol. III,
p. 1277.1279.
[23] ibid., vol.
III, p. 1396. No Brasil essa solenidade é transferida para o domingo.
[24] ibid., vol. IV,
p. 1426. Essa solenidade também é transferida para o domingo no Brasil
[25] ibid., vol. I, p. 1086.
[26] ibid., vol. I, pp. 1202.1227; vol. II,
pp. 1736.1768; vol. III, pp. 1579.1604; vol. IV, pp. 1591.1616.
[27] ibid., vol. I, pp. 1207.1231; vol. II, pp.
1741.1773; vol. III, pp. 1583.1609; vol. IV, pp. 1595.1621.
[28] ibid., vol. III, p. 1201; vol. IV, p.
1183.
[29] ibid., vol. I, pp. 1236.1264; vol. II,
pp. 1781.1810; vol. III, pp. 1614.1640; vol. IV, pp.1626.1652. As I
Vésperas só são rezadas quando a celebração tem o grau de solenidade (por
exemplo, onde o santo é o titular da igreja e/ou o padroeiro do lugar).
[30] ibid., vol.
IV, p. 1447.
Imagens: Wikimedia Commons.
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