“Bendito sois, Senhor, no firmamento dos céus!
Sois digno de louvor e de glória eternamente” (Dn 3,56).
Na última postagem da nossa série sobre a leitura litúrgica dos livros da Sagrada Escritura iniciamos um estudo sobre o Livro de Daniel (Dn), considerado
pela tradição cristã como um dos quatro “profetas maiores” do Antigo Testamento
(AT), junto com Isaías, Jeremias e Ezequiel.
Na primeira parte, após uma breve introdução, analisamos sua leitura em
composição harmônica na Missa e na Liturgia das Horas. Cabe-nos agora
considerar o segundo critério de seleção dos textos bíblicos: a leitura
semicontínua.
Profeta Daniel (Aleijadinho) (Santuário de Bom Jesus de Matosinhos - Congonhas, MG) |
3. Leitura litúrgica
do Livro de Daniel: Leitura
semicontínua
Como indica o n. 66 do Elenco
das Leituras da Missa (ELM),
a leitura semicontínua é a proclamação dos principais textos de
um livro na sequência, oferecendo aos fiéis um contato mais amplo com a Palavra
de Deus [1].
a) Celebração
Eucarística
Na Celebração Eucarística, os
livros do AT são lidos de maneira semicontínua nos dias de semana do Tempo Comum, várias semanas cada um, conforme sua
extensão (cf. ELM, n. 1110) [2]. Daniel
é lido por uma semana: da
segunda-feira ao sábado da XXXIV semana
do Tempo Comum no ano ímpar, logo após os Livros dos Macabeus.
Esta escolha é feita “em
consonância com a índole escatológica deste tempo” (ibid.) [3], uma vez
que se trata da última semana do Ano Litúrgico. As seis perícopes selecionadas aqui são:
XXXIV semana do Tempo Comum (ano ímpar):
Segunda-feira: Dn
1,1-6.8-20;
Terça-feira: Dn
2,31-45;
Quarta-feira: Dn
5,1-6.13-14.16-17.23-28;
Quinta-feira: Dn
6,12-28;
Sexta-feira: Dn
7,2-14;
Sábado: Dn
7,15-27 [4].
Como veremos adiante nesta postagem, durante toda essa
semana o “salmo” é substituído pelos cânticos do capítulo 3 de Daniel.
b) Liturgia das Horas
Também na Liturgia das
Horas a leitura semicontínua de Daniel
estende-se por uma semana ao final do Ano Litúrgico, mais especificamente no Ofício das Leituras da XXXII semana do
Tempo Comum, igualmente após os Livros dos Macabeus e antes dos
profetas Joel e Zacarias (cap. 9–14).
As sete perícopes escolhidas, boa parte das quais não foi
lida na Missa, são:
Ofício das Leituras: XXXII
semana do Tempo Comum
Domingo: Dn
1,1-21 - “Fidelidade dos jovens israelitas no palácio do rei da Babilônia”;
Segunda-feira:
Dn 2,26-47 - “Visão da estátua e da pedra. O Reino eterno de Deus”;
Terça-feira:
Dn 3,8-12.19-24.91-97 - “A estátua de ouro do rei. Os jovens salvos
da fornalha”;
Quarta-feira:
Dn 5,1-2.5-9.13-17.25–6,1 - “Sentença de Deus no banquete de Baltasar”;
Quinta-feira:
Dn 9,1-4a.18-27 - “Oração e visão de Daniel”;
Sexta-feira:
Dn 10,1-21 - “Visão do homem e aparição do anjo”;
Sábado: Dn
12,1-13 - “Profecia sobre o último dia e a ressurreição” [5].
O banquete de Baltasar (Dn 5) - Rembrandt |
No ciclo bienal do Ofício das Leituras, que infelizmente
não foi traduzido para o Brasil, nosso livro é lido por dez dias, da
quinta-feira da XXXIII semana ao
sábado da XXXIV semana do Tempo Comum no ano par, novamente após os Livros dos Macabeus, como no ciclo anual, dando espaço para a leitura da profecia
de Ezequiel no ano ímpar.
Destacamos a seguir as três leituras “inéditas” em relação ao
ciclo anual [6]:
Ofício das Leituras: XXXIII
semana do Tempo Comum (Ano par)
Quinta-feira
a sábado: Como no ciclo anual (Domingo
a terça-feira).
Ofício das Leituras: XXXIV
semana do Tempo Comum (Ano par)
Domingo: Dn 7,1-27 - “Visão do Filho do homem que recebe
o reino”;
Segunda-feira:
Como no ciclo anual (Quarta-feira);
Terça-feira: Dn
6,4-27 - “Daniel libertado do fosso dos leões”;
Quarta-feira: Dn
8,1-26 - “Visão do carneiro e do bode. Vitória e destruição dos reis gregos”;
Quinta-feira
a sábado: Como no ciclo
anual (Quinta-feira a sábado).
Além das leituras longas no Ofício, há ainda uma leitura
breve do nosso livro na Hora
Média (9h) do sábado da IV semana do Saltério: Dn 6,27b-28 [7].
Trata-se de uma confissão da grandeza de Deus: “O nosso Deus é o Deus vivo que permanece para sempre... Ele é o libertador e o salvador...”.
Vale lembrar que essas leituras são proferidas apenas no
Tempo Comum, uma vez que os Tempos do Advento, Natal, Quaresma e Páscoa possuem
leituras próprias (repetindo apenas os salmos e cânticos do ciclo de quatro
semanas do Saltério).
4. Leitura litúrgica
do Livro de Daniel: Cânticos
Como afirmamos no final da postagem anterior, há três
textos de Daniel que são entoados como cânticos na Liturgia das Horas e em outras celebrações litúrgicas.
Tratam-se das adições em grego ao capítulo 3: a oração
penitencial de Azarias (Dn 3,26-45) e a oração de louvor a Deus dos três
jovens (Dn 3,52-90), dividida em dois cânticos, como veremos a seguir.
a) Dn
3,26-27.29.34-41:
Na recitação ordinária da Liturgia das Horas, os cânticos do
AT foram distribuídos nas Laudes (oração da manhã) das quatro semanas do
Saltério. Assim, encontramos o primeiro cântico de Daniel nas Laudes da
terça-feira da IV semana [8].
Intitulado “Oração de
Azarias na fornalha”, o cântico inicia com uma aclamação ao Senhor (vv.
26-27), seguido pela confissão dos pecados (v. 29) e a súplica a Deus por
perdão (vv. 34-41).
b) Dn 3,52-57:
O “hino de louvor” dos três jovens, como afirmamos acima, é
dividido em duas partes, ambas intituladas como “Louvor das criaturas ao Senhor”, entoadas na Liturgia das Horas em
um lugar eminente: as Laudes dos domingos.
A primeira parte (vv. 52-57) é prevista para as Laudes dos domingos das semanas II e IV do
Saltério [9]. Esta parte do cântico está organizada como um “diálogo”: os
versos ímpares proclamam o louvor do Senhor, enquanto os versos
pares trazem o refrão: “A vós louvor,
honra e glória eternamente!”.
Diferentemente da segunda parte do cântico, que convida toda
a criação ao louvor, como veremos adiante, esta primeira parte se passa na
esfera celeste: Deus é louvado “em seu
trono de poder vitorioso”, “sobre os
querubins”, “no celeste firmamento”.
Além da Liturgia das
Horas, este cântico é entoado também na Celebração
Eucarística, substituindo o “salmo”, em cinco ocasiões:
- Quarta-feira da V
semana da Quaresma [10], acompanhando a leitura em composição harmônica do
relato dos três jovens (Dn 3,14-20.24.49a.91-92.95), como vimos na postagem anterior.
- Vigília de
Pentecostes: cântico após a II leitura: Quando se celebra a forma longa da
Vigília de Pentecostes, com quatro leituras do AT, a 1ª opção de cântico após a
II leitura (Ex 19,3-8.16-20) é Dn 3,52-56 [11].
Destaca-se aqui o primeiro verso do hino, que proclama: “Sede bendito, Senhor Deus de nossos pais!”,
uma vez que a leitura faz referência à aliança do Sinai, onde o Senhor se
apresenta justamente como “o Deus de
vossos pais, o Deus de Abraão, o Deus de Isaac e o Deus de Jacó” (Ex
3,15).
- Solenidade da
Santíssima Trindade (Ano A): Como na celebração anterior, o cântico de Dn
3,52-56 [12] está aqui em harmonia com uma leitura ligada à aliança do Sinai (Ex
34,4b-6.8-9).
- Quinta-feira da XVI
semana do Tempo Comum (Ano ímpar): como acima, na Vigília de Pentecostes,
uma vez que aqui se lê Ex 19,1-2.9-11.16-20b. O cântico, porém, inclui
aqui o v. 57 [13], como na Liturgia das
Horas.
- Segunda-feira da
XXXIV semana do Tempo Comum (Ano ímpar): acompanhando aqui o início da
leitura semicontínua do Livro de Daniel, como vimos anteriormente.
Também nesta celebração se inclui o v. 57 [14].
Além da Liturgia das
Horas e da Celebração Eucarística,
Dn 3,52-57 consta ainda entre os salmos e cânticos à escolha para a
celebração do sacramento da Reconciliação
como ação de graças após a
absolvição [15].
c) Dn
3,57-88.56:
Por fim, a segunda parte do “Louvor das criaturas ao Senhor” (vv. 57-88.56) é indicada para as Laudes dos domingos das semanas I e III do
Saltério [16]. Vale recordar que os salmos e o cântico do I domingo são entoados
também nas Laudes das
solenidades e festas.
Como afirmamos anteriormente, nesta parte do cântico toda a
criação é convidada ao louvor de Deus: os anjos, os astros celestes, os
fenômenos climáticos, as plantas, os animais, a humanidade. A todos é dirigido
o convite, repetido a cada verso: “Bendizei
o Senhor!”. Trata-se, com efeito, de um cântico “ecológico” ou “cósmico”.
Este é um dos poucos cânticos do AT na Liturgia das Horas
para o qual são propostas duas opções de refrão facultativo, tomadas do próprio
cântico: “Louvai-o e exaltai-o pelos
séculos sem fim!” (v. 57) ou “A Ele
glória e louvor eternamente!” (v. 56).
Além disso, outra particularidade do cântico é que ele não
termina com a tradicional pequena doxologia trinitária (“Glória ao Pai e ao Filho e ao Espírito Santo...”), uma vez que esta
é inserida na última estrofe, junto ao v. 56: “Ao Pai e ao Filho e
ao Espírito Santo louvemos e exaltemos pelos séculos sem fim! Bendito sois,
Senhor, no firmamento dos céus! Sois digno de louvor e de glória eternamente!”.
Além da Liturgia das
Horas, o cântico é entoado na Celebração
Eucarística, substituindo o “salmo”, durante a XXXIV semana do Tempo Comum (Ano ímpar), como vimos anteriormente,
acompanhando a leitura semicontínua do Livro
de Daniel.
Aqui o cântico foi dividido em cinco partes, correspondentes
aos dias da semana (na segunda-feira,
como vimos acima, entoa-se Dn 3,52-57):
Terça-feira: Dn
3,57-61;
Quarta-feira: Dn
3,62-67;
Quinta-feira: Dn
3,68-74;
Sexta-feira: Dn
3,75-81;
Sábado: Dn 3,82-87 [17].
Por fim, Dn 3,52-57 consta ainda como cântico à escolha
substituindo as Preces na Bênção em ação
de graças [18].
Notas:
[1] cf. ALDAZÁBAL,
José. A Mesa da Palavra I: Elenco das
Leituras da Missa - Texto e Comentário. São Paulo: Paulinas, 2007, p. 76.
[2] ibid., p. 105.
[3] ibid., p. 106.
[4] LECIONÁRIO
II: Semanal. Tradução portuguesa
da 2ª edição típica para o Brasil. São
Paulo: Paulus, 1995.
[5] OFÍCIO DIVINO. Liturgia
das Horas segundo o Rito Romano. Tradução para o Brasil da segunda edição
típica. São Paulo: Paulus, 1999, vol. IV, pp. 433-457.
[6] Os títulos das leituras foram traduzidos livremente do
texto espanhol divulgado pelo site Dei
Verbum.
[7] OFÍCIO
DIVINO, vol. III, p. 1157; vol.
IV, p. 1111.
[8] ibid., vol. I, p. 934; vol. II, p. 1336;
vol. III, p. 1076; vol. IV, p. 1030
[9] ibid., vol. I, pp. 715.908; vol. II, pp.
1090.1308; vol. III, pp. 762.1040; vol. IV, pp. 716.994.
[10] LECIONÁRIO
II, op. cit.
[11] LECIONÁRIO
I: Dominical A-B-C. Tradução
portuguesa da 2ª edição típica para o Brasil. São Paulo: Paulus, 1994. A outra opção é o Sl 18,8-11.
[12] ibid.
[13] LECIONÁRIO II, op. cit.
[14] ibid.
[15] RITUAL DA PENITÊNCIA. Tradução portuguesa para o Brasil da segunda edição típica. São
Paulo: Paulus: 1999, p. 71.
[16] OFÍCIO DIVINO, vol. I, pp. 622.808; vol. II, pp. 984.1202; vol. III, pp.
627.900; vol. IV, pp. 581.854.
[17] LECIONÁRIO
II, op. cit.
[18] RITUAL DE
BÊNÇÃOS. Tradução portuguesa da edição
típica para o Brasil. São Paulo: Paulus, 1990, p. 458. O texto do cântico
encontra-se no Apêndice (p. 495).
Imagens: Wikimedia Commons.
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