Santa Missa com os novos Cardeais e o Colégio Cardinalício
Abertura da XVI Assembleia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos (1ª Sessão)
Homilia do Papa Francisco
Praça de São Pedro
Quarta-feira, 04 de outubro de 2023, Memória de São Francisco de Assis
O Evangelho que ouvimos está precedido pela narração de um momento
difícil da missão de Jesus, que poderíamos definir de «desolação pastoral»:
João Batista duvida que Ele seja verdadeiramente o Messias; muitas cidades por
onde passou, apesar dos prodígios realizados, não se converteram; as pessoas
acusam-no de ser um glutão e bebedor de vinho, enquanto pouco antes se
queixavam do Batista porque era demasiado austero (cf. Mt 11,2-24).
Vemos, porém, que Jesus não se deixa tomar pela tristeza, mas eleva os olhos ao
Céu e louva o Pai por ter revelado aos simples os mistérios do Reino de Deus: «Eu
te louvo, ó Pai, Senhor do céu e da terra, porque escondeste estas coisas aos
sábios e aos entendidos e as revelaste aos pequeninos» (Mt 11,25).
Portanto Jesus, no momento da desolação, tem um olhar capaz de ver mais
além: louva a sabedoria do Pai e consegue vislumbrar o bem escondido que
cresce, a semente da Palavra acolhida pelos simples, a luz do Reino de Deus que
abre caminho mesmo na noite.
Queridos Cardeais, irmãos Bispos, irmãs e irmãos, estamos na
abertura da Assembleia Sinodal. E não nos ajuda um olhar imanente, feito de
estratégias humanas, cálculos políticos ou batalhas ideológicas: ver se o
Sínodo vai permitir isto ou aquilo, abrir esta ou aquela porta... Isso não
adianta! Não estamos aqui para realizar uma reunião parlamentar nem um plano de
reformas. O Sínodo, amados irmãos e irmãs, não é um parlamento. O protagonista
é o Espírito Santo. Não estamos aqui para parlamentar, mas para caminhar juntos
sob o olhar de Jesus, que bendiz o Pai e acolhe a quantos
estão cansados e oprimidos. Comecemos, pois, a partir deste olhar de Jesus:
um olhar bendizente e acolhedor.
1. Vejamos o primeiro aspecto: um olhar bendizente.
Apesar de ter experimentado a rejeição e ter visto ao seu redor tanta dureza de
coração, Cristo não se deixa prender pela desilusão, não se torna amargo, nem
extingue o louvor; fundado no primado do Pai, o seu coração permanece sereno,
mesmo na tempestade.
Este olhar bendizente do Senhor convida-nos também a nós a sermos
uma Igreja que, de ânimo feliz, contempla a ação de Deus e discerne o presente;
uma Igreja que, no meio das ondas por vezes agitadas do nosso tempo, não
desanima, não procura escapatórias ideológicas, não se barrica atrás de
convicções adquiridas, não cede a soluções cômodas, nem deixa que seja o mundo
a ditar a sua agenda. Esta é a sabedoria espiritual da Igreja, resumida com
serenidade por São João XXIII: «É necessário primeiramente que a Igreja não se
aparte do patrimônio sagrado da verdade, recebido dos seus maiores; mas, ao
mesmo tempo, deve também olhar para o presente, para as novas condições e
formas de vida do mundo, que abriram novos caminhos ao apostolado» (Discurso
de inauguração do Concílio Ecuméêico Vaticano II, 11 de outubro de 1962).
O olhar bendizente de Jesus convida-nos a ser uma Igreja que não
enfrenta os desafios e problemas de hoje com um espírito divisor e conflituoso,
mas, pelo contrário, levanta os olhos para Deus, que é comunhão, e, maravilhada
e humilde, o bendiz e adora, reconhecendo-o como seu único Senhor. Somos d’Ele
e - nunca o esqueçamos - existimos apenas para levá-lo ao mundo. Como disse o Apóstolo
Paulo, de nada nos queremos «gloriar, a não ser na cruz de nosso Senhor Jesus
Cristo» (Gl 6,14). Isto nos basta! Ele nos basta. Não queremos
glórias terrenas, não queremos parecer bem aos olhos do mundo, mas fazer-lhe
chegar a consolação do Evangelho, para testemunhar melhor, e a todos, o amor
infinito de Deus. De fato, como afirmou Bento XVI dirigindo-se precisamente a
uma Assembleia Sinodal, «para nós a questão é: Deus falou, verdadeiramente
rompeu o grande silêncio, mostrou-se, mas como podemos fazer chegar esta
realidade ao homem de hoje, para que se torne salvação?» (Meditação na I
Congregação Geral da XIII Assembleia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos,
08 de outubro de 2012). Esta é a questão fundamental. E este é o dever primário
do Sínodo: centrar de novo o nosso olhar em Deus, para sermos uma Igreja que
olha, com misericórdia, a humanidade. Uma Igreja unida e fraterna - ou que, pelo
menos, procura ser unida e fraterna -, que escuta e dialoga; uma Igreja que
abençoa e encoraja, que ajuda quem busca o Senhor, que excita benevolamente os
indiferentes, que abre caminhos para iniciar as pessoas na beleza da fé. Uma
Igreja que tem Deus no centro e, consequentemente, não se divide internamente e
nunca é dura externamente. Uma Igreja que arrisca com Jesus. É assim que Jesus
quer a Igreja, assim quer Ele a sua Esposa.
2. Depois deste olhar bendizente, contemplemos o olhar
acolhedor de Cristo. Enquanto aqueles que se consideram sábios não
conseguem reconhecer a obra de Deus, Jesus exulta de alegria no Pai porque se
revela aos pequeninos, aos simples, aos pobres em espírito. Uma vez houve um
problema na paróquia e as pessoas falavam disso, contavam-me o que se passava.
E uma senhora idosa, muito idosa, uma senhora do povo, quase analfabeta, teve
uma intervenção própria de um teólogo, oferecendo, com muita serenidade e
sabedoria espiritual, a sua contribuição. Recordo, com alegria, aquele momento
como uma revelação do Senhor; e ocorreu-me perguntar-lhe: «Diga-me, senhora,
onde é que estudou, com Royo Marín, esta teologia tão alta?». A gente sábia do
povo tem esta fé. E por isso, ao longo da sua vida, assume este olhar acolhedor
para com os mais frágeis, os atribulados, os descartados. É neles que pensa, de
modo particular, ao pronunciar estas palavras que ouvimos: «Vinde a mim, todos vós
que estais cansados e fatigados, e Eu vos darei descanso» (Mt 11,28).
Este olhar acolhedor de Jesus convida-nos também a sermos uma
Igreja hospitaleira, não com as portas fechadas. Em um tempo complexo como o
nosso, surgem novos desafios culturais e pastorais que exigem uma atitude
interior cordial e gentil para os podermos encarar sem medo. No diálogo sinodal,
durante esta estupenda «marcha no Espírito Santo» que realizamos juntos como
Povo de Deus, oxalá possamos crescer na unidade e na amizade com o Senhor, para
ver com o seu olhar os desafios de hoje; para se tornar, segundo uma linda
expressão de São Paulo VI, uma Igreja que «se faz colóquio» (Encíclica Ecclesiam
suam, 65). Uma Igreja «de jugo suave» (cf. Mt 11,30),
que não impõe pesos e, a todos, repete: «Vinde, cansados e oprimidos; vinde,
vós que vos extraviastes ou sentis distantes; vinde, vós que fechastes as
portas à esperança: a Igreja está aqui para vós!». A Igreja das portas abertas
para todos, todos, todos!
3. Irmãos e irmãs, Povo santo de Deus, diante das
dificuldades e desafios que nos esperam, o olhar bendizente e acolhedor de
Jesus impede-nos de cair em algumas tentações perigosas: ser uma Igreja rígida -
uma alfândega -, que se arma contra o mundo e olha para trás; ser uma Igreja
tépida, que se rende às modas do mundo; ser uma Igreja cansada, fechada em si
mesma. No Livro do Apocalipse, o Senhor diz: «Estou à porta e bato para
que a porta seja aberta»; muitas vezes, porém, irmãos e irmãs, Ele bate à
porta, mas do lado de dentro da Igreja, para deixarmos o Senhor sair com a
Igreja a fim de proclamar o seu Evangelho.
Caminhemos juntos: humildes, ardorosos e alegres. Caminhemos nas
pegadas de São Francisco de Assis, o Santo da pobreza e da paz, o «louco de
Deus» que trouxe no corpo os estigmas de Jesus e, para se revestir d’Ele,
despojou-se de tudo. Como é difícil este despojamento interior e exterior em
todos nós e também nas instituições! Conta São Boaventura que, enquanto São
Francisco rezava, o Crucificado lhe disse: «Vai e repara a minha igreja» (Legenda
maior, II, 1). O Sínodo serve para nos recordar isto: a nossa Mãe Igreja
sempre precisa de purificação, de ser «reparada», porque todos nós somos um
Povo de pecadores perdoados (ambas as coisas: pecadores e perdoados), sempre
necessitados de regressar à fonte que é Jesus e de nos colocarmos novamente nos
caminhos do Espírito para chegar a todos com o seu Evangelho. Francisco de
Assis, em um tempo de grandes lutas e divisões entre o poder temporal e o
religioso, entre a Igreja institucional e as correntes heréticas, entre
cristãos e outros crentes, não criticou nem atacou ninguém, mas limitou-se a
pegar nas armas do Evangelho, isto é, a humildade e a unidade, a oração e a
caridade. Façamos assim também nós! Humildade e unidade, oração e caridade.
E se o Povo santo de Deus com os seus pastores, de todas as partes
do mundo, nutre anseios, esperanças e até qualquer receio sobre o Sínodo que
iniciamos, recordemos mais uma vez que não se trata de uma reunião política,
mas de uma convocação no Espírito; não se trata de um parlamento polarizado,
mas de um lugar de graça e comunhão. Depois, como sucede muitas vezes, o
Espírito Santo rompe as nossas expectativas para criar algo de novo que supera
as nossas previsões e as nossas negatividades. Talvez possa dizer que os
momentos mais frutuosos no Sínodo são os momentos de oração, e também o
ambiente de oração, graças ao qual age em nós o Senhor. Abramo-nos a Ele e
invoquemo-lo: Ele é o protagonista, o Espírito Santo. Deixemos que seja Ele o
protagonista do Sínodo! E com Ele caminhemos, com confiança e alegria.
Observação: Foram proferidas leituras do Comum dos Santos (Gl
6,14-18; Sl 15; Mt 11,25-30).
Fonte: Santa Sé.
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