No final do ano de 2019 a Conferência Nacional dos Bispos do
Brasil (CNBB) publicou as novas Diretrizes para a formação dos presbíteros da Igreja no Brasil (Documento n. 110), fruto de sua 56ª Assembleia Geral, que
aconteceu em 2018.
Estas Diretrizes são consequência da Ratio Fundamentalis Institutionis Sacerdotalis (Documento O dom da vocação presbiteral), publicada
pela Congregação para o Clero em 2016. Já no início deste documento há a
orientação para que cada Conferência Episcopal publique suas diretrizes
nacionais (Capítulo 1: Normas gerais).
Assim, antes de analisar o Documento da CNBB, como fizemos com as Diretrizes da Ação Evangelizadora 2019-2023, vamos analisar o Documento O dom da vocação presbiteral, no qual
ele se baseia, sob a perspectiva da Liturgia, dos sacramentos e da piedade
popular.
Introdução
Encontramos a primeira referência à Liturgia no Documento já
na Introdução. No ponto n. 3 afirma-se que “a formação dos sacerdotes é a continuação de um único ‘caminho de
discipulado’ que se inicia com o Batismo,
se aperfeiçoa com os demais sacramentos
da iniciação cristã, para ser depois acolhido como centro da própria vida
no momento de entrada no Seminário, e continua por toda a vida”.
2. As vocações
sacerdotais
O capítulo 2 versa sobre a Pastoral Vocacional e as
primeiras formas de acompanhamento dos candidatos, como o Seminário Menor.
Primeiramente, ao referir-se à Pastoral Vocacional, o
Documento pede que sejam apoiadas as iniciativas de oração pessoal e
comunitária pelas vocações. “Alguns
momentos durante o Ano Litúrgico
parecem especialmente adequados para tal finalidade, e cabe à autoridade
eclesiástica estabelecer a data para algumas celebrações particularmente
significativas” (n. 14). O Documento menciona a seguir o Dia Mundial de
Oração pelas Vocações no IV Domingo da Páscoa, o “Domingo do Bom Pastor”.
Ao tratar do Seminário Menor, o Documento prevê
primeiramente o “recurso frequente aos sacramentos” como um critério
positivo para a admissão dos candidatos (n. 19). Em seguida, no n. 21, ao
refletir sobre os objetivos desta etapa formativa, aborda a vivência litúrgica
dentro da dimensão espiritual:
“Um elemento
necessário nesta formação espiritual é, sobretudo, a vida litúrgica e sacramental - da qual os jovens deverão participar
com uma tomada de consciência sempre mais viva, de acordo com o avançar da
própria idade -, juntamente com a devoção
mariana e os demais exercícios de
piedade cotidiana ou periódica, a definir no regulamento de cada Seminário”.
3. Os fundamentos da
formação
O terceiro capítulo do Documento traz algumas reflexões
sobre o sacerdócio. Assim, no n. 31 recorda-se o sacramento do Batismo, pelo
qual “todo o Povo de Deus participa, de
fato, na obra redentora de Cristo, oferecendo um ‘sacrifício vivo, santo a
agradável a Deus’ (Rm 12,1) como povo sacerdotal (1Pd 2,4-9). A unidade e a
dignidade da vocação batismal
precedem cada uma das diferenças ministeriais” [1].
Na sequência, os n. 32 e 33 apresentam o sacerdócio ministerial,
indicando o presbítero como aquele que possui o poder de “oferecer o Sacrifício,
perdoar os pecados e exercer oficialmente o ofício sacerdotal” (n. 32) como
“mestre da Palavra e ministro dos sacramentos” (n. 33) [2].
Na mesma linha, o n. 36 recorda o sacerdócio de Cristo. Ele
inaugurou em si um novo sacerdócio, uma nova aliança, um novo sacrifício. Suas
palavras na Última Ceia “explicam a
‘específica reciprocidade entre a Eucaristia
e o Sacerdócio (...): trata-se de
dois Sacramentos que nasceram juntos e cujas sortes estão indissoluvelmente
ligadas até o fim do mundo’. Assim, o ministério e a vida do presbítero estão
radicados essencialmente na Eucaristia” [3].
Ainda refletindo sobre os fundamentos da formação, o n. 42
do Documento recorda a importância que o futuro sacerdote deve ter com a vida
espiritual, “centrada prioritariamente
sobre a comunhão com Cristo segundo os Mistérios celebrados durante o Ano Litúrgico”.
No mesmo número, porém, o Documento adverte contra alguns
sinais de “mundanidade espiritual” entre os seminaristas, dentre os quais se
inclui “o cuidado somente exterior e
ostentado com a ação litúrgica”.
4. Formação inicial e
permanente
O capítulo quarto apresenta as etapas da formação inicial
(propedêutico, estudos filosóficos, estudos teológicos e pastoral), além da
formação permanente dos presbíteros.
A etapa do Propedêutico, primeiramente, é de iniciação à
vida espiritual. Portanto, “será
sobretudo necessário levar os seminaristas à oração através da vida sacramental, da Liturgia das Horas, da familiaridade
com a Palavra de Deus (...)” (n. 59).
Sobre a etapa dos estudos filosóficos, o Documento recomenda
conclui-la com o rito da “admissão do seminarista entre os candidatos às Ordens sacras” (n. 67). A etapa dos estudos teológicos, por sua
vez, é o tempo da instituição nos “ministérios de leitor e acólito”, que dispõem os candidatos
ao serviço “da Palavra e do Altar”
(n. 72).
Por fim, o n. 77 trata, concluídas as etapas da formação
inicial, das ordenações diaconal e presbiteral, as quais devem ser preparadas
espiritualmente, inclusive com “a
meditação assídua dos ritos da ordenação,
que, nas orações e nos gestos litúrgicos, compendiam e
exprimem o profundo significado do sacramento da Ordem na Igreja”.
5. Dimensões da
formação
O capítulo quinto apresenta as quatro dimensões da formação
presbiteral, como delineadas pela Exortação Pastores
Dabo Vobis: humana, espiritual, intelectual e pastoral. Ao tratar da
dimensão espiritual, encontramos as principais contribuições do Documento sobre
o tema da Liturgia.
O n. 102 introduz o tema, destacando que “através da oração, da escuta da Palavra, da
participação assídua nos sacramentos,
na Liturgia e na vida comunitária, o
seminarista fortalece o próprio vínculo de união com Deus”.
O parágrafo continua em seguida destacando o valor do Ano
Litúrgico: “No percurso formativo, o Ano Litúrgico oferece a mistagogia
pedagógica da Igreja, permitindo aprender a espiritualidade que lhe é própria
através da interiorização dos textos bíblicos e das orações da Liturgia”
[4].
Após o n. 103, sobre a Palavra de Deus, o n. 104
apresenta-nos o tema da Eucaristia:
“Em virtude da
necessária conformação a Cristo, ‘os candidatos à ordenação devem, antes de
mais, ser formados a uma fé muito viva na Eucaristia’,
em vista daquilo que viverão após a ordenação presbiteral. A participação
cotidiana na Celebração Eucarística, que encontra a sua natural continuidade na
adoração eucarística, permeia a vida do seminarista, de modo a que, ao longo
dela, possa amadurecer uma constante união com o Senhor” [5].
Na sequência, o n. 105 recorda a importância da Liturgia das
Horas:
“Na vida de oração de
um presbítero não deve faltar a Liturgia
das Horas, que representa uma verdadeira e própria ‘escola de oração’
também para os seminaristas, os quais, aproximando-se gradualmente à oração da
Igreja, através do Ofício Divino, aprendem a apreciar a sua riqueza e beleza”
[6].
Conclui esta tríade de parágrafos sobre a Liturgia o n. 106,
que versa sobre o sacramento da Reconciliação:
“A celebração regular
e frequente do sacramento da Penitência,
preparado através de um cotidiano exame de consciência, torna-se ocasião para
que o seminarista possa reconhecer, com humildade, as próprias fragilidades e
os próprios pecados, e, sobretudo, para que possa compreender e experimentar a
alegria de sentir-se amado e perdoado pelo Senhor”.
A partir do n. 107 introduz-se o tema da direção espiritual
e da formação das virtudes. Os temas ligados à Liturgia retornam no n. 112, que
trata da devoção mariana:
“Os seminaristas devem
ser convidados a cultivar uma autêntica e filial devoção à Virgem Maria, seja
através da memória que a Liturgia
lhe reserva, seja por meio da piedade
popular, particularmente com a recitação do Santo Rosário e do Angelus
Domini (...)”.
No mesmo parágrafo surge uma exortação à devoção aos santos,
e entres estes, São José, “chamado por
Deus a servir diretamente a Pessoa e a missão de Jesus, mediante o exercício da
sua paternidade” [7].
O n. 113 continua a tratar dos santos, particularmente dos
Padres da Igreja, os quais os seminaristas são convidados a conhecer e meditar.
O n. 114, por sua vez, retoma o tema da piedade popular, ampliando-o:
“Sejam ainda
promovidas e encontrem espaço tanto as práticas
devocionais, quanto algumas expressões ligadas à religiosidade ou à piedade popular, sobretudo aquelas
formas aprovadas pelo Magistério; mediante estas, os futuros presbíteros
adquirem familiaridade com a ‘espiritualidade popular’, que deverão discernir,
orientar e acolher, em nome da necessária caridade e eficácia pastoral” [8].
6. Os agentes da
formação
O capítulo sexto apresenta os sujeitos do itinerário
formativo, iniciando com a própria Trindade. Aqui se evidencia a presença de
Cristo “na sua Palavra” e “nos sacramentos” (n. 125).
Passando à figura do Bispo como primeiro responsável da
formação, o n. 128 recorda seu papel como liturgo da diocese, retomando o
Cerimonial dos Bispos:
“As celebrações litúrgicas presididas pelo
Bispo na catedral manifestam o mistério da Igreja e tornam visível a
unidade do Povo de Deus; tendo embora em conta os compromissos formativos no
Seminário, será conveniente que também os seminaristas nelas tomem parte, nos
momentos mais significativos do Ano Litúrgico e da vida diocesana”.
Por fim, o último sujeito da formação ligado à Liturgia é o
Diretor Espiritual do seminário. Sobre ele recai a responsabilidade “pela condução e a coordenação dos vários exercícios de piedade e da vida litúrgica do Seminário”.
Cabe-lhe “moderar a vida litúrgica” e
“predispor (...) as celebrações do Ano Litúrgico” (n. 136).
7. Organização dos
estudos
O último capítulo que trata da Liturgia considera-a a partir
do ponto de vista dos estudos. Podemos dividir as menções da Liturgia aqui em
três etapas:
a) Propedêutico:
Nesta etapa inicial sugere-se uma “introdução
(...) à Liturgia, mediante o estudo do Catecismo da Igreja Católica e dos
livros litúrgicos” (n. 157b).
b) Teologia: Nos
estudos teológicos não podem faltar a sagrada Liturgia (n. 167) e a teologia
dos sacramentos (n. 168). Reproduzimos o n. 167 na íntegra:
“A sagrada Liturgia deve ser considerada
uma disciplina fundamental; importa apresentá-la sob o aspecto teológico,
espiritual, canônico e pastoral, em conexão com as outras disciplinas, a fim de
que os seminaristas cheguem ao conhecimento de como os mistérios da salvação
estão presentes e operam nos atos litúrgicos. Além disso, uma vez ilustrados os
textos e os ritos, do Oriente como do Ocidente, a sagrada Liturgia deverá ainda
ser considerada como expressão da fé e da vida espiritual da Igreja. Os
seminaristas aprendam o núcleo substancial e imutável da Liturgia, e o que
pertence a particulares sedimentações históricas - sendo por isso suscetível de
atualização -. Tratando-se, em todo o caso, de observar diligentemente a
legislação litúrgica e canônica na matéria”.
c) Matérias
ministeriais: Por fim, o Documento elenca algumas “matérias ministeriais”,
em vista do futuro ministério pastoral, que são de responsabilidade do próprio
Seminário. Quatro delas dizem respeito, direta ou indiretamente, à Liturgia.
A primeira delas, no n. 177, é a ars celebrandi, como especial atenção à homilia:
“De modo particular, será
oportuno aprofundar a ars celebrandi,
para ensinar como participar frutuosamente dos santos mistérios, e o modo, na
prática, de celebrar a Liturgia, no respeito e na fidelidade aos livros
litúrgicos. Uma especial atenção seja
dedicada à homilia, enquanto esta ‘é
o ponto de comparação para avaliar a proximidade e a capacidade de encontro de
um Pastor com o seu povo’. Isto se revelará de especial utilidade nos outros
âmbitos do ministério, como a pregação litúrgica e a catequese, que são
compromissos permanentes para os presbíteros, na missão de favorecer o
crescimento da comunidade a eles confiadas (...)” [9].
A segunda matéria recomendada é a iniciação ao ministério da
confissão (n. 178):
“Para bem dispor e
preparar a administração do sacramento
da Reconciliação, será de grande importância que exista um curso específico
de iniciação ao ministério da confissão, a fim de ajudar os seminaristas a
traduzir os princípios da teologia moral com vista aos casos concretos, e a
confrontar-se com as problemáticas deste delicado ministério em espírito de
misericórdia (...)” [10].
A terceira matéria relacionada à Liturgia diz respeito à
piedade popular (n. 179):
“Porque a fé do Povo
de Deus exprime-se muitas vezes através das formas de piedade popular, que (...) representa
‘um lugar teológico a que devemos prestar atenção particularmente na hora de
pensar a nova evangelização’, esta deve ser conhecida pelos futuros presbíteros
e estimadas nos seus valores e significados mais genuínos (...)” [11].
Por fim, a última matéria ministerial que pode ser
relacionada à Liturgia é a arte sacra, a qual engloba inclusive a música sacra
(n. 181):
“De acordo com as
concretas circunstâncias do lugar onde os seminaristas se formam, também
deverão ser sensibilizados aos temas da arte
sacra. Uma específica atenção a este âmbito fornecerá aos futuros
presbíteros ulteriores instrumentos de catequese, além de torná-los muito mais
conscientes da história e dos ‘tesouros’ a preservar, que são patrimônio das
Igrejas particulares nas quais trabalham. (...) O conhecimento da música sagrada
contribuirá outrossim para a formação global dos seminaristas, e oferecerá a
estes instrumentos ulteriores com vista à evangelização e à atividade pastoral”.
Notas:
[1] Este parágrafo está baseado em alguns números da
Constituição Lumen Gentium do
Concílio Vaticano II.
[2] Aqui a referência principal é ao Decreto Presbyterorum Ordinis do Vaticano II.
[3] O trecho entre aspas simples é uma citação da Carta do
Papa João Paulo II aos sacerdotes por ocasião da Quinta-feira Santa de 2004.
[4] Este trecho está fundamentado no n. 32 da Instrução sobre a formação litúrgica nos
Seminários, promulgada pela Congregação para a Educação Católica em 1979.
[5] O trecho entre aspas simples é uma citação da meditação
do Papa João Paulo II durante o Ângelus
de 01 de julho de 1990. São utilizados também os nn. 66-67 da Exortação Apostólica
Sacramentum Caritatis e o n. 48 da Pastores Dabo Vobis.
[6] Para a composição deste parágrafo são utilizadas a Instrução sobre a formação litúrgica nos
Seminários, nn. 28-31 e a Exortação Pastores
Dabo Vobis, n. 26.
[7] Esta citação é tomada da Exortação Apostólica Redemptoris Custos, do Papa João Paulo
II.
[8] Este parágrafo remete-nos, em suas notas de rodapé, a
dois importantes documentos: ao Diretório
sobre a piedade popular e Liturgia da Congregação para o Culto Divino e à
Exortação Apostólica Evangelii Nuntiandi
do Papa Paulo VI.
[9] Neste parágrafo sobre a homilia são citados o Diretório Homilético da Congregação para
o Culto Divino e a Exortação Apostólica Evangelii
Gaudium do Papa Francisco.
[10] A referência aqui é ao subsídio O sacerdote, ministro da misericórdia divina - Subsídio para
confessores e diretores espirituais, da Congregação para o Clero.
[11] O trecho entre aspas simples é uma citação da Exortação
Evangelii Gaudium do Papa Francisco,
n. 126.
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