A teologia do tríplice múnus de Cristo - profético, sacerdotal e régio - está muito presente na Igreja desde o Concílio Vaticano II. Embora todos os fiéis deles participem pelo Batismo, os tria munera são vividos de maneira especial pelos ministros ordenados.
Neste sentido, a Congregação para o Clero publicou em 19 de março de 1999 uma Carta Circular destinada a todos os sacerdotes intitulada “O Presbítero, Mestre da Palavra, Ministro dos Sacramentos e Guia da Comunidade em vista do Terceiro Milênio”.
O Documento está dividido em quatro capítulos, o primeiro dedicado ao tema da nova evangelização e os demais aos três múnus: docendi, sanctificandi e regendi, isto é, ensinar, santificar e governar.
Depois da nossa análise do Documento “O dom da vocação presbiteral” e das Diretrizes para a formação dos presbíteros da Igreja no Brasil, nesta postagem vamos reproduzir alguns parágrafos selecionados do Documento que tratam mais diretamente sobre o tema da Liturgia e dos sacramentos:
Congregação para o Clero
O Presbítero, Mestre da Palavra, Ministro dos Sacramentos e Guia da Comunidade em vista do Terceiro Milênio
Capítulo I: Ao serviço da Nova Evangelização
«Eu vos escolhi e vos designei para irdes e produzirdes frutos» (Jo 15,16)
2. O papel necessário e insubstituível dos sacerdotes
(...)
No âmbito da ação salvífica de Cristo, podemos individuar dois objetivos inseparáveis. De um lado, uma finalidade que podemos definir intelectual: ensinar, instruir as multidões que eram como ovelhas sem pastor (cf. Mt 9,36), endereçar as inteligências à conversão (cf. Mt 4,17). O outro aspecto é o de mover os corações daqueles que o ouviam rumo ao arrependimento e à penitência pelos próprios pecados, abrindo o caminho à recepção do perdão divino. E assim continua a ser ainda hoje: «a chamada à nova evangelização é, antes de tudo, uma chamada à conversão» [21], e quando a Palavra de Deus instruiu o intelecto do homem e moveu a sua vontade, afastando-a do pecado, então a ação evangelizadora atinge o seu vértice na participação frutuosa dos sacramentos e, sobretudo, na celebração da Eucaristia. Como ensinava Paulo VI, «o papel da evangelização é precisamente o de educar de tal modo para a fé, que esta depois leve cada um dos cristãos a viver - e a não se limitar a receber passivamente, ou a suportar - os Sacramentos como eles realmente são, verdadeiros sacramentos da fé» [22].
A evangelização compreende: anúncio, testemunho, diálogo e serviço, e se funda na união dos três elementos inseparáveis: a pregação da Palavra, o ministério sacramental e a guia dos fiéis [23]. Não teria sentido uma pregação que não formasse continuamente os fiéis e não levasse à prática sacramental, assim como não teria sentido uma participação aos sacramentos separada da plena aceitação da fé e dos princípios morais, ou na qual faltasse a conversão sincera do coração. Se de um ponto de vista pastoral, o primeiro lugar na ordem da ação corresponde, logicamente, à função da pregação [24], na ordem da intenção ou da finalidade o primeiro lugar deve ser dado à celebração dos sacramentos e, em particular, da Penitência e da Eucaristia [25]. É conjugando harmoniosamente ambas as funções que se encontra a integridade do ministério pastoral do sacerdote, a serviço da nova evangelização.
Sugestões para a reflexão sobre o Capítulo I:
(...)
5. Na pregação da Palavra de Deus e na catequese, mantém-se a devida proporção entre o aspecto de instrução na fé e o da prática sacramental? A atividade evangelizadora dos presbíteros é caracterizada pela complementaridade entre pregação e sacramentalidade, entre «munus docendi» e «munus sanctificandi»?
Capítulo II: Mestres da Palavra
«Ide por todo o mundo, proclamai o Evangelho a toda criatura» (Mc 16,15)
1. Os presbíteros, mestres da Palavra «nomine Christi et nomine Ecclesiae»
(...)
Na vida pessoal de oração do sacerdote encontram apoio e impulso a consciência da sua condição ministerial, o sentido vocacional da sua vida, a sua fé viva e apostólica. Nela se obtém também, diariamente, o zelo pela evangelização. Esta, feita convicção pessoal, se traduz em pregação persuasiva, coerente e convincente. Neste sentido, a recitação da Liturgia das horas não diz respeito somente à piedade pessoal nem se esgota como oração pública da Igreja; ela resulta também de grande utilidade pastoral [36], porque se torna ocasião privilegiada de crescimento na familiaridade com a doutrina bíblica, patrística, teológica e magisterial, primeiro interiorizada e, em seguida, transmitida ao Povo de Deus na pregação.
2. Por um anúncio eficaz da Palavra
(...)
A nova evangelização requer um ardente ministério da Palavra, integral e bem fundado, com claro conteúdo teológico, espiritual, litúrgico e moral, atento às necessidades concretas dos homens aos quais se deve atingir.
(...)
Evangelizar significa, com efeito, anunciar e propagar, por todos os meios honestos e côngruos de que se dispõe, o conteúdo das verdades reveladas (a fé trinitária e cristológica, o sentido do dogma da criação, as verdades escatológicas, a doutrina sobre a Igreja e sobre o homem, o saber da fé acerca dos sacramentos e dos outros meios de salvação, etc.). E significa também, ao mesmo tempo, ensinar, através da formação moral e espiritual, a traduzir essas verdades em vida concreta, em testemunho e empenho missionário.
O esforço de formação teológica e espiritual exigido na formação permanente dos sacerdotes e diáconos, empenho na formação de todos os fiéis, é ao mesmo tempo, iniludível e enorme. É necessário, pois, que o exercício do ministério da Palavra e, sobretudo, que os ministros dela, estejam à altura das circunstâncias. A eficácia dependerá do fato que esse exercício, fundado essencialmente sobre o auxílio de Deus, se realize também com a máxima perfeição humana possível. O renovado anúncio teológico e doutrinal da mensagem cristã - um anúncio que deve acender e purificar em primeira instância as consciências dos batizados - não pode ser improvisado preguiçosa ou irresponsavelmente. Menos ainda pode faltar a responsabilidade dos presbíteros de assumir em primeira pessoa a tarefa do anúncio, especialmente no que diz respeito ao ministério da homilia, que não pode ser confiado a quem não foi ordenado [40], nem facilmente delegado a quem não se encontra bem preparado.
(...)
Logicamente, a fonte principal da pregação deve ser a Sagrada Escritura, profundamente meditada na oração pessoal e conhecida através do estudo e da leitura de livros adequados [43]. A experiência pastoral ensina que a força e a eloquência do Texto Sagrado atingem em profundidade os ouvintes. Os escritos dos Padres da Igreja e de outros grandes autores da Tradição ensinam a penetrar e a fazer compreender a outros o sentido da Palavra revelada [44], longe de toda forma de «fundamentalismo bíblico» ou de mutilação da mensagem divina. A pedagogia com que a Liturgia da Igreja lê, interpreta e aplica a Palavra de Deus nos diversos tempos litúrgicos, deveria constituir também um ponto de referência para a preparação da pregação.
Cristo Profeta: a Palavra de Deus |
Capítulo III: Ministros dos Sacramentos
«Ministros de Cristo e administradores dos mistérios de Deus» (1Cor 4,1)
1. «In persona Christi Capitis»
«A missão da Igreja não é acrescentada à de Cristo e do Espírito Santo, senão que é o Sacramento dela: por todo o seu ser e em todos os seus membros a Igreja é enviada a anunciar e dar testemunho, atualizar e difundir o mistério da comunhão da Santíssima Trindade» [47]. Esta dimensão sacramental de toda a missão da Igreja brota do seu próprio ser, como realidade «a um tempo, humana e divina, visível mas ornada de dons invisíveis, operosa na ação e devotada à contemplação, presente no mundo e no entanto peregrina» [48]. Neste contexto da Igreja «sacramento universal de salvação» [49], no qual Cristo «manifesta e ao mesmo tempo opera o mistério de amor de Deus para com o homem» [50], os sacramentos, como momentos privilegiados da comunicação da vida divina ao homem, estão no centro do ministério dos sacerdotes. Estes são conscientes de ser instrumentos vivos de Cristo Sacerdote. A sua função é própria de homens habilitados pelo caráter sacramental a favorecer a ação de Deus, com uma eficácia instrumental participada.
A configuração a Cristo por meio da consagração sacramental coloca o sacerdote dentro do Povo de Deus, fazendo-o participar do tríplice múnus de Cristo de uma maneira sua própria e em conformidade com a estrutura orgânica da comunidade eclesial. Agindo in persona Christi Capitis, o presbítero apascenta o Povo de Deus, conduzindo-o rumo à santidade [51]. Daí surge «a necessidade do testemunho da fé por parte do Presbítero em toda a sua vida, mas sobretudo no modo de avaliar e de celebrar os mesmos Sacramentos» [52]. Ocorre ter presente a doutrina clássica, retomada pelo Concílio Ecumênico Vaticano II, segundo a qual, «embora a graça possa levar a termo a obra da salvação também por ministros indignos, no entanto prefere Deus, ordinariamente, manifestar as Suas maravilhas através daqueles que se fizeram mais dóceis ao impulso e à direção do Espírito Santo, pela íntima união com Cristo e santidade de vida, e que podem dizer com o Apóstolo: “E, se vivo, já não sou eu, mas é Cristo que vive em mim” (Gl 2,20)» [53].
As celebrações sacramentais, nas quais os presbíteros agem como ministros de Cristo, participantes em modo especial do Seu sacerdócio por meio do Seu Espírito [54], constituem momentos cultuais de singular importância com relação à nova evangelização. Tenha-se presente também que para todos os fiéis, mas particularmente para aqueles habitualmente afastados da prática religiosa, que participam com certa frequência das celebrações litúrgicas por motivo de eventos familiares (batismos, crismas, matrimônios, ordenações sacerdotais, funerais, etc.), estas ocasiões se tornaram os únicos momentos efetivos para a transmissão do conteúdo da fé. A atitude do ministro, plena de fé, deverá em todo caso ser acompanhada por «uma excelente qualidade da celebração, sob os aspectos litúrgico e cerimonial» [55]; não orientada, certamente, a buscar o espetacular, mas atenta a que, verdadeiramente, o elemento «humano se ordene ao divino e a ele se subordine, o visível ao invisível, a ação à contemplação e o presente à cidade futura, que buscamos» [56].
2. Ministros da Eucaristia: «o centro mesmo do ministério sacerdotal»
«“Amigos”: assim tratou Jesus os Apóstolos. E do mesmo modo nos quer chamar também a nós que, graças ao sacramento da Ordem, somos participantes do seu Sacerdócio. (...) Podia Jesus porventura manifestar-nos a sua amizade de modo mais eloquente do que permitindo-nos, como sacerdotes da Nova Aliança, agir em seu nome, in persona Christi Capitis? Ora, é o que acontece em todo o nosso serviço sacerdotal, sempre que administramos os Sacramentos e especialmente quando celebramos a Eucaristia. Repetimos as palavras que Ele pronunciou sobre o pão e o vinho, e, através do nosso ministério, realiza-se a mesma consagração por Ele realizada. Poderá haver uma prova de amizade mais completa do que esta? E ela encontra-se mesmo no centro do nosso ministério sacerdotal» [57].
A nova evangelização deve significar para os fiéis também uma nova clareza acerca da centralidade do Sacramento da Eucaristia, cume de toda a vida cristã [58]. Por um lado, porque «não se edifica nenhuma comunidade cristã se ela não tiver por raiz e centro a celebração da Santíssima Eucaristia» [59], mas também porque «os demais Sacramentos, como aliás todos os ministérios eclesiásticos e tarefas apostólicas, se ligam à Sagrada Eucaristia e a ela se ordenam. Pois a Santíssima Eucaristia contém todo o bem espiritual da Igreja» [60].
No ministério pastoral, ela é também uma meta a alcançar. Para receber os seus frutos, os fiéis devem ser preparados. Se, por um lado, fomenta-se neles a «digna, atenta e frutuosa» participação da liturgia, por outro lado, resulta absolutamente necessário torná-los conscientes de que «desta forma são convidados e levados a oferecerem a si próprios, seus trabalhos e todas as coisas criadas, junto com Ele. Assim a Eucaristia apresenta-se como fonte e ápice de toda evangelização» [61], verdade essa da qual derivam não poucas consequências pastorais.
É de fundamental importância formar os fiéis com relação ao que constitui a essência do Santo Sacrifício e fomentar a sua participação frutuosa na Eucaristia [62]. É necessário também insistir, sem cansaço nem medo, no dever de cumprir o preceito dominical [63] e na conveniência de uma participação frequente, se possível mesmo cotidiana, na celebração da Santa Missa e na comunhão eucarística. É preciso igualmente recordar o dever grave de receber o Corpo de Cristo com as condições espirituais e corporais devidas, e, portanto, fazendo preceder a confissão sacramental individual, se alguém tiver a consciência de não estar em estado de graça. O florescimento da vida cristã, em cada Igreja particular e em cada comunidade paroquial, depende, em grande parte, do redescobrimento do grande dom da Eucaristia, em um espírito de fé e de adoração. Se no ensino doutrinal, na pregação e na vida, não se consegue manifestar a união entre vida cotidiana e Eucaristia, a frequência eucarística acaba por ser descuidada.
Também neste nível a exemplaridade do sacerdote celebrante é fundamental: «celebrar bem constitui uma primeira e importante catequese sobre o Santo Sacrifício» [64]. Mesmo se, evidentemente, esta não é a intenção do sacerdote, é todavia importante que os fiéis o vejam recolhido a se preparar para celebrar o Santo Sacrifício, que sejam testemunhas do amor e da devoção que ele demonstra durante a celebração e que possam aprender dele a permanecerem em ação de graças, por um certo tempo, após a comunhão.
Se uma parte essencial da ação evangelizadora da Igreja consiste em ensinar aos homens a rezar ao Pai por Cristo no Espírito Santo, a nova evangelização implica o retorno e o fortalecimento de práticas pastorais que manifestem a fé na presença real do Senhor sob as espécies eucarísticas. «O Presbítero tem a missão de promover o culto da presença eucarística, também fora da celebração da Missa, esforçando-se por fazer da sua igreja uma “casa de oração” cristã» [65]. E necessário, antes de tudo, que os fiéis conheçam em profundidade as condições imprescindíveis para receber com fruto a comunhão. Do mesmo modo, é importante favorecer a devoção deles por Cristo, que os espera amorosamente no tabernáculo. Um modo simples e eficaz de se fazer catequese eucarística é o próprio cuidado material com tudo aquilo que se refere à igreja e, em particular, ao altar e ao tabernáculo: limpeza e decoro, dignidade dos paramentos e dos vasos sagrados, atenção na celebração das cerimônias litúrgicas [66], prática fiel da genuflexão, etc. Além disso, é particularmente importante assegurar um ambiente recolhido na capela do Santíssimo, tradição plurissecular na Igreja, de maneira a garantir o silêncio sagrado, que facilita o colóquio amoroso com o Senhor. Essa capela, ou, em todo caso, o lugar onde se conserva e se adora Cristo Sacramentado, é certamente o coração dos nossos edifícios sagrados, e como tal devemos procurar tê-lo em evidência e facilitar o seu acesso diário durante o espaço de tempo o mais largo possível, de adorná-lo na maneira devida, com amor.
É evidente que todas estas manifestações - que não pertencem a formas de vago «espiritualismo», mas revelam uma devoção teologicamente bem fundada - serão possíveis somente se o sacerdote for realmente um homem de oração e de autêntica paixão pela Eucaristia. Somente o pastor que reza saberá ensinar a rezar, enquanto saberá também atrair a graça de Deus sobre aqueles que dependem do seu ministério pastoral, de maneira a favorecer conversões, propósitos de vida mais fervorosa, vocações sacerdotais e de consagração especial. Em definitivo, somente o sacerdote que experimenta diariamente a «conversatio in coelis», que faz da amizade com Cristo a vida da sua vida, estará em condições de imprimir um impulso real a uma autêntica e renovada evangelização.
Cristo Sacerdote: os Sacramentos |
3. Ministros da Reconciliação com Deus e com a Igreja
Em um mundo no qual o sentido do pecado desapareceu em larga medida [67], é necessário recordar insistentemente que é exatamente a falta de amor a Deus que impede de perceber a realidade do pecado na sua malícia total. O início da conversão, não somente como ato interior momentâneo, mas como disposição estável, assume o seu elã do conhecimento autêntico do amor misericordioso de Deus. «Aqueles que chegam ao conhecimento de Deus assim, aqueles que O “veem” assim, não podem viver de outro modo que não seja convertendo-se a Ele continuamente. Passam a viver, pois, in statu conversions» [68]. A penitência encontra-se, dessa forma, como patrimônio estável na vida eclesial dos batizados, caracterizada porém pela esperança do perdão: «vós, que não tínheis alcançado misericórdia, mas agora alcançastes misericórdia» (1Pd 2,10).
A nova evangelização exige, portanto - e se trata de uma exigência pastoral absolutamente inevitável - um esforço renovado para conduzir os fiéis ao Sacramento da Penitência [69], «que aplana o caminho a cada um dos homens, mesmo quando estão sobrecarregados com graves culpas. Neste Sacramento todos os homens podem experimentar de modo singular a misericórdia, isto é, aquele amor que é mais forte do que o pecado» [70]. Não devemos ter medo de encorajar com ardor a prática deste sacramento, sabendo que, assim, se renovam e se revitalizam tradições cristãs longevas e benéficas. Em um primeiro momento, procurar-se-á induzir os fiéis, com a ajuda do Espírito Santo, a uma profunda conversão que provoque o reconhecimento sincero e contrito das desordens morais presentes na vida de cada um; em seguida, será necessário ensinar a importância da confissão individual frequente, até chegar, enquanto possível, a iniciar uma autêntica direção espiritual pessoal.
(...)
Oferecer a todos os fiéis a possibilidade de terem acesso à confissão requer, sem dúvida, uma grande dedicação e tempo [73]. Aconselha-se vivamente ter períodos prefixados de presença no confessionário, conhecidos por todos, sem limitar-se a uma disponibilidade teórica. Às vezes, para dissuadir um fiel da intenção de se confessar é suficiente o fato de obrigá-lo a procurar um confessor, enquanto os fiéis «de boa vontade vão receber este sacramento onde houver sacerdotes disponíveis» [74]. As paróquias e, em geral, as igrejas abertas ao culto, deveriam ter um horário para as confissões, claro, amplo e cômodo; compete aos sacerdotes garantir que tal horário seja respeitado com regularidade. De acordo com esta atenção, para facilitar aos fiéis o mais possível o acesso ao sacramento da reconciliação, é conveniente também cuidar bem dos confessionários: a limpeza, a sua visibilidade, a possibilidade de escolher o uso da grade e, assim, permanecer no anonimato [75], etc.
Nem sempre é fácil manter e defender estas práticas pastorais, mas nem por isso se deve calar sobre a eficácia e a conveniência de retomá-las, ali onde tivessem caído em desuso. Como também deve ser incentivado o auxílio entre sacerdotes diocesanos e religiosos, para assegurar esta disponibilidade pastoralmente primária. Deve ser reconhecido, também, com veneração, o serviço cotidiano de confessionário, assegurado de maneira admirável por tantos sacerdotes anciãos, autênticos mestres espirituais das diversas comunidades cristãs.
Todo este serviço à Igreja será extremamente mais fácil se forem os próprios sacerdotes os primeiros a se confessar regularmente [76]. Condição indispensável para um generoso ministério da Reconciliação é, com efeito, o recurso pessoal do presbítero ao Sacramento, como penitente. «Toda a existência sacerdotal sofre uma inexorável deterioração, se vem a faltar, por negligência ou por qualquer outro motivo, o recurso ao sacramento da penitência, periódico e inspirado por autêntica fé e devoção. Em um sacerdote que não se confessasse mais ou se confessasse mal, o seu ser padre e o seu agir como padre se ressentiriam muito rapidamente, e também a comunidade, da qual ele é pastor, o perceberia» [77].
«O ministério do presbítero é, antes de mais, comunhão e colaboração responsável e necessária no ministério do Bispo, na solicitude pela Igreja universal e por cada Igreja particular para cujo serviço eles constituem, juntamente com o Bispo, um único presbitério» [78]. Também os irmãos no presbiterato devem ser objetivo privilegiado da caridade pastoral do sacerdote. Ajudar-lhes espiritual e materialmente, facilitar-lhes delicadamente a confissão e a direção espiritual, tornar amável o caminho de serviço, ser-lhes próximos nas suas dificuldades, acompanhá-los com atenção fraterna em qualquer dificuldade, na velhice e na doença. Eis um campo realmente precioso para a prática das virtudes sacerdotais.
Entre as virtudes necessárias para um frutuoso desenvolvimento do ministério da Reconciliação é fundamental a prudência pastoral. Assim como ao administrar a absolvição o ministro participa da ação sacramental com eficácia instrumental, assim também nos demais atos do rito penitenciai, a sua tarefa é pôr o penitente diante de Cristo, auxiliando, com extrema delicadeza, o encontro misericordioso. O que implica evitar discursos genéricos que não levem em consideração a realidade do pecado, e por isso torna-se necessária, no confessor, a ciência oportuna [79]. Mas, ao mesmo tempo, o diálogo penitencial é sempre impregnado por aquela compreensão, que sabe conduzir as almas gradualmente pelo caminho da conversão, sem cair em nenhuma concessão à assim chamada «gradualidade das normas morais».
Uma vez que a prática da confissão diminuiu em muitos lugares, com grande detrimento da vida moral e da boa consciência dos crentes, apresenta-se o perigo real de uma diminuição da densidade teológica e pastoral com que o ministro da confissão realiza a sua função. O confessor deve pedir ao Paráclito a capacidade de preencher este momento salvífico [80] com sentido espiritual e de transformá-lo em um encontro autêntico do pecador com Jesus que perdoa. Ao mesmo tempo, deve aproveitar a oportunidade da confissão para formar retamente a consciência do penitente tarefa extremamente importante - dirigindo-lhe delicadamente as perguntas necessárias para assegurar a integridade da confissão e a validade do sacramento, ajudando-o a agradecer do profundo do coração a misericórdia de Deus para com ele, a formular um propósito firme de correção da própria conduta moral e não deixando de apresentar algumas palavras apropriadas de encorajamento, de conforto e de estímulo à realização de obras de penitência que, além de satisfazer pelos próprios pecados, ajudem a crescer nas virtudes.
Sugestões para a reflexão sobre o Capítulo III
13. A essência e o significado salvífico dos sacramentos são invariáveis. Partindo desta firme certeza, como renovar a pastoral dos sacramentos, pondo-a a serviço da nova evangelização?
14. As nossas comunidades são uma «Igreja da Eucaristia e da Penitência»? Alimenta-se nelas a devoção eucarística em todas as suas formas? E motivada e facilitada a prática da confissão individual?
15. Faz-se referência habitual à presença real do Senhor no tabernáculo, encorajando, por exemplo, a frutuosa prática da visita ao Santíssimo Sacramento? São frequentes os atos de culto eucarístico? As nossas igrejas dispõem de um ambiente favorável à oração diante do Santíssimo?
16. Reserva-se, com espírito pastoral, um cuidado particular à decorosa manutenção das igrejas? Os sacerdotes se vestem regularmente e de maneira digna, segundo a normativa canônica (cf. CIC, can. 284 e 669; Diretório n. 66) e, no exercício do culto divino, revestem todos os paramentos prescritos (cf. can. 929)?
17. Os sacerdotes confessam-se regularmente e, por sua vez, fazem-se disponíveis para este ministério tão fundamental?
18. São promovidas iniciativas capazes de fornecer uma formação permanente do clero no âmbito do aperfeiçoamento do ministério de confessor? Encoraja-se a atualização dos pastores neste ministério insubstituível?
19. Considerada a grande importância de um verdadeiro renascimento da prática da confissão pessoal no contexto da nova evangelização, são respeitadas as normas canônicas acerca da absolvição coletiva? São cuidadas com prudência e caridade pastoral, em todas as paróquias e igrejas, as celebrações penitenciais litúrgicas?
20. Existem concretamente iniciativas oportunas para que os fiéis, bem motivados, cumpram com o preceito festivo?
Capítulo IV: Os Pastores amam o rebanho que lhes é confiado
«O bom pastor dá sua vida pelas suas ovelhas» (Jo 10,11)
1. Com Cristo, para encarnar e difundir a misericórdia do Pai
(...)
A dimensão soteriológica do inteiro múnus pastoral dos presbíteros encontra o seu centro no memorial da oferta da vida, feita por Jesus, ou seja, no Sacrifício eucarístico. «Existe, com efeito, uma conexão íntima entre a centralidade da Eucaristia, a caridade pastoral e a unidade de vida do presbítero (...). Se o presbítero empresta a Cristo, Sumo e Eterno Sacerdote, a inteligência, a vontade, a voz e as mãos para, mediante o seu ministério, poder oferecer ao Pai o sacrifício sacramental da redenção, deverá fazer próprias as disposições do Mestre e viver, como Ele, sendo “dom” para os seus irmãos. Deverá por isso aprender a unir-se intimamente à oferta, colocando sobre o altar do sacrifício toda a sua vida como sinal manifestativo do amor gratuito e previdente de Deus» [85]. No dom permanente do Sacrifício eucarístico, memorial da morte e da ressurreição de Jesus, os sacerdotes receberam sacramentalmente a capacidade única e singular de levar aos homens, como ministros, o testemunho do amor inexaurível de Deus que, na perspectiva ulterior da história da salvação, se confirmará mais forte do que o pecado. O Cristo pascal é a encarnação definitiva da misericórdia, o seu sinal vivo: histórico-salvífico e, ao mesmo tempo, escatológico [86]. O sacerdócio, dizia o Santo Cura d'Ars, «é o amor do Coração de Jesus» [87]. Com Ele, também os sacerdotes são, graças à sua consagração e ao seu ministério, um sinal vivo e eficaz deste grande amor, daquele «amoris officium», de que falava Santo Agostinho [88].
2. «Sacerdos et hostia»
(...)
«Ele ama-nos, tendo derramado o seu sangue para lavar os nossos pecados: Pontifex qui dilexisti nos et lavisti nos a peccatis in sanguine tuo. Entregou-Se a Si mesmo por nós: tradidisti temetipsum Deo oblationem et hostiam. Cristo introduz, no santuário eterno, o sacrifício de Si mesmo, que é o preço da nossa redenção. A oferta, isto é, a vítima, é inseparável do sacerdote» [90]. Embora somente Cristo seja simultaneamente Sacerdos et Hostia, o seu ministro, inserido na dinâmica missionária da Igreja, é sacramentalmente sacerdos, mas com um permanente apelo a se tornar também hostia, a nutrir em si «os mesmos sentimentos de Cristo Jesus» (Fl 2,5). Desta inseparável unidade entre sacerdote e vítima [91], entre sacerdócio e Eucaristia, depende a eficácia de toda a ação de evangelização. Da unidade sólida no Espírito Santo - entre Cristo e o seu ministro, sem pretender, da parte deste último, substituir-se a Ele e sim apoiando-se n'Ele e deixando-o agir em si e por seu intermédio, depende também hoje a obra eficaz da misericórdia divina, contida na Palavra e nos Sacramentos. A esta conexão do sacerdote com Jesus na ação ministerial estende-se também a importância das palavras: «Eu sou a verdadeira videira... Como o ramo não pode dar fruto por si mesmo, se não permanece na videira, assim também vós, se não permanecerdes em mim» (Jo 15,4).
3. A cura pastoral dos sacerdotes: servir, conduzindo com amor e com fortaleza
«Exercendo o múnus de Cristo Cabeça e Pastor na parte de autoridade que lhes toca, os Presbíteros reúnem, em nome do Bispo, a família de Deus, como fraternidade animada por um só objetivo, e levam-na por Cristo no Espírito a Deus Pai» [94]. O indispensável exercício do munus regendi do presbítero, longe de uma concepção meramente sociológica de capacidade organizadora, brota, também ele, do sacerdócio sacramental: «Em virtude do Sacramento da Ordem, segundo a imagem de Cristo, sumo e eterno Sacerdote (Hb 5,1-10; 7,24; 9,11-28), eles são consagrados para pregar o Evangelho, apascentar os fiéis e celebrar o culto divino, de maneira que são verdadeiros sacerdotes do Novo Testamento» [95].
(...)
Pensando, pois, na nova evangelização e na necessária direção pastoral dos presbíteros, é importante esforçar-se por ensinar a todos como realizar uma obra de discernimento atenta e sincera. Sob a atitude de «não querer impor-se», etc., poderia se esconder um desconhecimento da substância teológica do ministério pastoral ou, talvez, uma falta de caráter que busca fugir da responsabilidade. Não se deve dar menos importância tampouco a eventuais apegos indevidos a pessoas ou a encargos pastorais, ou ainda o mal disfarçado desejo de popularidade e as faltas de reta intenção. A caridade pastoral nada seria sem a humildade. Frequentemente, por detrás de uma rebelião aparentemente motivada, por detrás da reticência diante de uma mudança de atividade pastoral proposta pelo Bispo, ou de um excêntrico modo de pregar, de celebrar a Liturgia, ou ainda de não revestir as vestes previstas para o próprio estado ou de alterá-las a seu bel-prazer, pode se esconder o amor próprio e o desejo, talvez inconsciente, de se fazer notar.
Cristo Pastor: a misericórdia |
CONCLUSÕES
(...)
Os fiéis da paróquia, ou aqueles que participam das várias atividades pastorais, veem - observam! - e ouvem - analisam! - não somente quanto se prega a Palavra de Deus, mas também quando se celebram os diversos atos litúrgicos, particularmente a Santa Missa; quando são recebidos no escritório paroquial e onde esperam modos acolhedores e amáveis [113]; quando veem o sacerdote que come ou que descansa, e se edificam com a sua sobriedade e temperança; quando vão encontrá-lo em casa, e se alegram com a simplicidade e pobreza sacerdotal nas quais vive [114]; quando o veem vestir-se com propriedade e perfeita ordem a sua veste própria, quando falam com ele, mesmo dos assuntos mais comuns, e se sentem confortados ao comprovarem a sua visão sobrenatural, a sua delicadeza e o seu estilo humano, com que trata mesmo as pessoas mais humildes, com nobreza autêntica e sacerdotal. «A graça e a caridade do altar dilatam-se dessa forma no púlpito, no confessionário, no arquivo paroquial, na escola, no movimento juvenil, nas casas e nas estradas, nos hospitais, nos meios de transporte e nos de comunicação social, onde quer que o sacerdote tenha a possibilidade de exercer o seu trabalho de pastor: em todos os casos, é a sua Missa que se expande, é a sua união com Cristo Sacerdote e Hóstia que o leva a ser - como dizia Santo Inácio de Antioquia, “trigo de Deus para ser feito pão puro de Cristo” (cf. Epist. ad Romanos, IV, 1), pelo bem dos irmãos» [115].
Notas
[21] João Paulo II, Alocução inaugural da IV Conferência Geral do Episcopado latino-americano, Santo Domingo (12 de outubro de 1992), n. 1.
[22] Paulo VI, Exort. Ap. Evangelii nuntiandi (8 de dezembro de 1975), n. 47.
[23] cf. Conc. Ecum. Vat. II, Const. Dogm. Lumen gentium, n. 28.
[24] cf. Conc. Ecum. Vat. II, Decr. Presbyterorum ordinis, n. 4; João Paulo II, Exort. Ap. pós-sinodal Pastores dabo vobis, n. 26.
[25] cf. Presbyterorum ordinis, nn. 5, 13, 14; Pastores dabo vobis, nn. 23, 26, 48; Congregação para o Clero, Diretório para o ministério e a vida dos presbíteros Tota Ecclesia, n. 48.
[36] cf. Paulo VI, Const. Ap. Laudis canticum (1 de novembro de 1970).
[40] cf. Congregação para o Clero, Conselho Pontifício para os Leigos, Congregação para a Doutrina da Fé, Congregação para o Culto Divino e a Disciplina dos Sacramentos, Congregação para os Bispos, Congregação para a Evangelização dos Povos, Congregação para os Institutos de Vida Consagrada e as Sociedades de Vida Apostólica, Conselho Pontifício para a Interpretação dos Textos Legislativos, Instrução sobre algumas questões acerca da colaboração dos fiéis leigos no ministério dos sacerdotes Ecclesiae de mysterio (15 de agosto de 1997), Premissa.
[43] cf. Pastores dabo vobis, nn. 26 e 47; Diretório para o ministério e a vida dos Presbíteros Tota Ecclesia, n. 46.
[44] Congregação para a Educação Católica, dos Seminários e dos Institutos de Estudo, Instrução sobre o estudo dos Padres da Igreja na formação sacerdotal (10 de novembro de 1989), nn. 26-27.
[47] Catecismo da Igreja Católica, n. 738.
[48] Conc. Ecum. Vat. II, Const. Sacrosanctum Concilium, n. 2.
[49] Lumen gentium, n. 48.
[50] Conc. Ecum. Vat. II, Const. Past. Gaudium et spes, n. 45.
[51] cf. Diretório para o ministério e a vida dos Presbíteros Tota Ecclesia, n. 7.
[52] João Paulo II, Audiência geral (5 de maio de 1993).
[53] Presbyteroruni ordinis, n. 12.
[54] cf. ibid., n. 5.
[55] João Paulo II, Audiência geral (12 de maio de 1993).
[56] Sacrosanctum Concilium, n. 2.
[57] João Paulo II, Carta aos Sacerdotes por ocasião da Quinta-Feira Santa (16 de março de 1997), n. 5.
[58] cf. Sacrosanctum Concilium, nn. 2. 10.
[59] Presbyterorum ordinis, n. 6.
[60] ibid. n. 5.
[61] cf. ibid.
[62] cf. João Paulo II, Audiência geral (12 de maio de 1998).
[63] cf. João Paulo II, Carta Ap. Dies Domini (31 de maio de 1998), n. 46.
[64] Diretório para o ministério e a vida dos Presbíteros Tota Ecclesia, n. 49.
[65] João Paulo II, Audiência geral (12 de maio de 1993).
[66] cf. ibid.; Sacrosanctum Conciliam, nn. 112, 114, 116, 120, 122-124, 128.
[67] cf. Pio XII, Radiomensagem ao Congresso Catequístico Nacional dos Estados Unidos, 26 de outubro de 1946; João Paulo II, Exort. Ap. pós-sinodal Reconciliatio et paenitentia (2 de dezembro de 1984), n. 18.
[68] João Paulo II, Carta Enc. Dives in misericordia (30 de novembro de 1980), n. 13.
[69] cf. João Paulo II, Audiência geral (22 de setembro de 1993).
[70] Dives in misericordia, n. 13.
[73] cf. Presbyterorum ordinis, n. 13; Diretório para o ministério e a vida dos Presbíteros Tota Ecclesia, n. 52.
[74] Diretório para o ministério e a vida dos Presbíteros Tota Ecclesia, n. 52; cf. Presbyterorum ordinis, n. 13.
[75] cf. Pontifício Conselho para a Interpretação dos Textos Legislativos, Resposta sobre o cân. 964 § 2 CIC (7 de julho de 1998).
[76] cf. Presbyterorum ordinis, n. 18; Pastores dabo vobis, nn. 26.48; Audiência geral (26 de maio de 1993), n. 4; Reconciliatio et paenitentia, n. 31; Diretório para o ministério e a vida dos Presbíteros Tota Ecclesia, n. 53.
[77] Reconciliatio et paenitentia, n. 31, VI.
[78] Pastores dabo vobis, n. 17.
[79] A este respeito, pede-se uma sólida preparação acerca daqueles temas que se apresentam mais frequentemente. Resulta, para isso, de grande ajuda o Vademecum para os confessores sobre alguns temas de moral atinentes à vida conjugal (Pontifício Conselho para a Família [12 de fevereiro de 1997]).
[80] cf. ibid.
[85] Diretório para o ministério e a vida dos Presbíteros Tota Ecclesia, n. 48.
[86] cf. Pastores dabo vobis, n. 8.
[87] cf. Jean-Marie Vìanney, cure d'Ars: sa pensée, son coeur, présentés par Bernard Nodet, Le Puy, 1960, p. 100.
[88] S. Agostinho, In Iohanms evangelium tractatus, 123, 5: CCL 36, 678.
[90] João Paulo II, Carta aos Sacerdotes por ocasião da Quinta-Feira Santa (16 de março de 1997), n. 4.
[91] cf. S. Tomás de Aquino, Summa Theol. III, q. 83, a. 1, ad 3.
[94] Presbyterorum ordinis, n. 6.
[95] Lumen gentium, n. 28.
[113] cf. Pastores dabo vobis, n. 43.
[114] cf. Presbyterorum ordinis, n. 17; C.I.C., cân. 282; Pastores dabo vobis, n. 30; Diretório para o ministério e a vida dos Presbíteros Tota Ecclesia, n. 67.
[115] João Paulo II, Audiência geral (7 de julho de 1993), n. 7.
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