Após as duas Catequeses sobre o sacramento da Reconciliação proferidas em setembro de 1999 em preparação para o Grande Jubileu do Ano 2000, trazemos uma Catequese do Papa São João Paulo II sobre as indulgências, tema diretamente ligado a esse sacramento e particularmente atual neste Jubileu 2025:
João Paulo II
Audiência Geral
Quarta-feira, 29 de setembro de 1999
O dom da indulgência
1.
Em íntima conexão com o sacramento da Penitência apresenta-se à nossa reflexão
um tema que tem particular relação com a celebração do Jubileu: refiro-me
ao dom da indulgência, que no ano jubilar é oferecido com
particular abundância, como é previsto na Bula Incarnationis mysterium e
nas disposições anexas da Penitenciaria Apostólica.
Trata-se
de um tema delicado, sobre o qual não faltaram incompreensões históricas, que
incidiram negativamente na própria comunhão entre os cristãos. No atual
contexto ecumênico a Igreja sente a exigência de que esta antiga prática,
entendida como expressão significativa da misericórdia de Deus, seja bem
compreendida e acolhida. De fato, a experiência atesta como às vezes nos
aproximamos das indulgências com atitudes superficiais, que acabam por
prejudicar o dom de Deus, lançando sombra sobre as próprias verdades e valores
propostos pelo ensinamento da Igreja.
2.
O ponto de partida para compreender a indulgência é a abundância da
misericórdia de Deus, manifestada na cruz de Cristo. Jesus crucificado é a
grande “indulgência” que o Pai ofereceu à humanidade, através do perdão das
culpas e da possibilidade da vida filial (cf. Jo 1,12-13)
no Espírito Santo (cf. Gl 4,6; Rm 5,5;
8,15-16).
Este
dom, no entanto, na lógica da aliança que é o coração de toda a economia da
salvação, não nos atinge sem a nossa aceitação e a nossa correspondência.
À
luz deste princípio não é difícil compreender como a reconciliação com Deus,
embora fundamentada sobre uma oferta gratuita e abundante de misericórdia,
implica ao mesmo tempo um árduo processo, no qual o homem está envolvido no seu
empenho pessoal e a Igreja na sua tarefa sacramental. Para o perdão dos pecados
cometidos depois do Batismo esse caminho tem o seu centro no sacramento da
Penitência, mas se desenvolve também após a sua celebração. Com efeito, o homem
deve ser progressivamente “curado” das consequências negativas que o pecado
produziu nele (e às quais a tradição teológica chama “penas” e “resquícios” do
pecado).
3.
À primeira vista, falar de penas após o perdão sacramental poderia parecer
pouco coerente. O Antigo Testamento, porém, demonstra como é normal sofrer
penas reparadoras depois do perdão. Com efeito, após se autodefinir “Deus misericordioso
e clemente... que perdoa a iniquidade, a rebeldia e o pecado”, Deus acrescenta:
“mas não deixa sem punição” (Ex 34,6-7). No Segundo Livro de
Samuel a humilde confissão do rei Davi depois do seu grave pecado lhe obtém
o perdão de Deus (cf. 2Sm 12,13), mas não a supressão
do castigo anunciado (cf. 2Sm 12,11; 16,21). O amor paterno de
Deus não exclui o castigo, embora este deva sempre ser compreendido dentro de uma
justiça misericordiosa que restabelece a ordem violada em função do
próprio bem do homem, (cf. Hb 12,4-11).
Nesse
contexto a pena temporal expressa a condição de sofrimento daquele que, embora
reconciliado com Deus, ainda está marcado por aqueles “resquícios” do pecado,
que não o tornam totalmente aberto à graça. Precisamente em vista da cura
completa, o pecador é chamado a empreender um caminho de purificação rumo à
plenitude do amor.
Neste
caminho a misericórdia de Deus vem ao encontro com ajudas especiais. A própria
pena temporal exerce uma função de “medicina” na medida em que o homem se deixa
interpelar por ela para a sua conversão profunda. É este também o significado
da “satisfação” requerida no sacramento da Penitência.
4.
O sentido das indulgências deve ser acolhido neste horizonte de renovação total
do homem em virtude da graça de Cristo Redentor através do ministério da
Igreja. Elas têm a sua origem histórica na consciência da Igreja antiga de
poder expressar a misericórdia de Deus mitigando as penitências canônicas
infligidas para a remissão sacramental dos pecados. No entanto, a mitigação era
sempre balanceada com compromissos, pessoais e comunitários, que assumissem, a
título substitutivo, a função “medicinal” da pena.
Podemos
compreender então que por indulgência se entende “a remissão, diante de Deus,
da pena temporal devida pelos pecados já perdoados quanto à cuja, que o fiel,
devidamente disposto e em certas e determinadas condições, alcança por meio da
Igreja, a qual, como dispensadora da redenção, distribui e aplica com
autoridade o tesouro das satisfações de Cristo e dos Santos” (Enchiridion
indulgentiarum, 1999, n. 1; cf. Catecismo da Igreja Católica,
n. 1471).
Existe,
portanto, o tesouro da Igreja, que através das indulgências é como
que “distribuído”. Essa “distribuição” não deve ser entendida como uma espécie
de transferência automática, como se se tratasse de “coisas”. Ela é sobretudo
expressão da plena confiança que a Igreja tem de ser escutada pelo Pai quando -
em consideração dos méritos de Cristo e, por seu dom, também daqueles da Virgem
Maria e dos Santos - pede-lhe que mitigue ou anule o aspecto doloroso da pena,
desenvolvendo o seu sentido medicinal através de outros percursos da graça. No
mistério insondável da sabedoria divina, este dom de intercessão pode ser
benéfico também aos fiéis defuntos, que recebem os seus frutos no modo próprio
da sua condição.
5.
Vê-se então como as indulgências, longe de serem uma espécie de “desconto” ao
empenho de conversão, são antes uma ajuda para um empenho mais firme, generoso
e radical. Esse empenho é requerido a tal ponto que, para receber a indulgência
plenária, se requer como condição espiritual a “exclusão de todo o afeto a
qualquer pecado, mesmo venial” (Enchiridion indulgentiarum, n. 20).
Portanto,
estaria enganado quem pensasse que pode receber esse dom com o simples cumprimento
de algumas observâncias exteriores. Estas são requeridas, ao contrário, como
expressão e apoio do caminho de conversão. Manifestam em particular a fé na
abundância da misericórdia de Deus e na maravilhosa realidade de comunhão que
Cristo realizou, unindo de maneira indissolúvel a Igreja a si mesmo como seu
Corpo e sua Esposa.
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O Papa convoca o Grande Jubileu do Ano 2000 |
Fonte: Santa Sé.
Confira também as duas Catequeses do Papa João Paulo II sobre a Reconciliação:
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