quarta-feira, 26 de março de 2025

Catequese do Papa João Paulo II sobre as Indulgências

Após as duas Catequeses sobre o sacramento da Reconciliação proferidas em setembro de 1999 em preparação para o Grande Jubileu do Ano 2000, trazemos uma Catequese do Papa São João Paulo II sobre as indulgências, tema diretamente ligado a esse sacramento e particularmente atual neste Jubileu 2025:

João Paulo II
Audiência Geral
Quarta-feira, 29 de setembro de 1999
O dom da indulgência

1. Em íntima conexão com o sacramento da Penitência apresenta-se à nossa reflexão um tema que tem particular relação com a celebração do Jubileu: refiro-me ao dom da indulgência, que no ano jubilar é oferecido com particular abundância, como é previsto na Bula Incarnationis mysterium e nas disposições anexas da Penitenciaria Apostólica.

Trata-se de um tema delicado, sobre o qual não faltaram incompreensões históricas, que incidiram negativamente na própria comunhão entre os cristãos. No atual contexto ecumênico a Igreja sente a exigência de que esta antiga prática, entendida como expressão significativa da misericórdia de Deus, seja bem compreendida e acolhida. De fato, a experiência atesta como às vezes nos aproximamos das indulgências com atitudes superficiais, que acabam por prejudicar o dom de Deus, lançando sombra sobre as próprias verdades e valores propostos pelo ensinamento da Igreja.


2. O ponto de partida para compreender a indulgência é a abundância da misericórdia de Deus, manifestada na cruz de Cristo. Jesus crucificado é a grande “indulgência” que o Pai ofereceu à humanidade, através do perdão das culpas e da possibilidade da vida filial (cf. Jo 1,12-13) no Espírito Santo (cf. Gl 4,6; Rm 5,5; 8,15-16).

Este dom, no entanto, na lógica da aliança que é o coração de toda a economia da salvação, não nos atinge sem a nossa aceitação e a nossa correspondência.

À luz deste princípio não é difícil compreender como a reconciliação com Deus, embora fundamentada sobre uma oferta gratuita e abundante de misericórdia, implica ao mesmo tempo um árduo processo, no qual o homem está envolvido no seu empenho pessoal e a Igreja na sua tarefa sacramental. Para o perdão dos pecados cometidos depois do Batismo esse caminho tem o seu centro no sacramento da Penitência, mas se desenvolve também após a sua celebração. Com efeito, o homem deve ser progressivamente “curado” das consequências negativas que o pecado produziu nele (e às quais a tradição teológica chama “penas” e “resquícios” do pecado).

3. À primeira vista, falar de penas após o perdão sacramental poderia parecer pouco coerente. O Antigo Testamento, porém, demonstra como é normal sofrer penas reparadoras depois do perdão. Com efeito, após se autodefinir “Deus misericordioso e clemente... que perdoa a iniquidade, a rebeldia e o pecado”, Deus acrescenta: “mas não deixa sem punição” (Ex 34,6-7). No Segundo Livro de Samuel a humilde confissão do rei Davi depois do seu grave pecado lhe obtém o perdão de Deus (cf. 2Sm 12,13), mas não a supressão do castigo anunciado (cf. 2Sm 12,11; 16,21). O amor paterno de Deus não exclui o castigo, embora este deva sempre ser compreendido dentro de uma justiça misericordiosa que restabelece a ordem violada em função do próprio bem do homem, (cf. Hb 12,4-11).

Nesse contexto a pena temporal expressa a condição de sofrimento daquele que, embora reconciliado com Deus, ainda está marcado por aqueles “resquícios” do pecado, que não o tornam totalmente aberto à graça. Precisamente em vista da cura completa, o pecador é chamado a empreender um caminho de purificação rumo à plenitude do amor.

Neste caminho a misericórdia de Deus vem ao encontro com ajudas especiais. A própria pena temporal exerce uma função de “medicina” na medida em que o homem se deixa interpelar por ela para a sua conversão profunda. É este também o significado da “satisfação” requerida no sacramento da Penitência.

4. O sentido das indulgências deve ser acolhido neste horizonte de renovação total do homem em virtude da graça de Cristo Redentor através do ministério da Igreja. Elas têm a sua origem histórica na consciência da Igreja antiga de poder expressar a misericórdia de Deus mitigando as penitências canônicas infligidas para a remissão sacramental dos pecados. No entanto, a mitigação era sempre balanceada com compromissos, pessoais e comunitários, que assumissem, a título substitutivo, a função “medicinal” da pena.

Podemos compreender então que por indulgência se entende “a remissão, diante de Deus, da pena temporal devida pelos pecados já perdoados quanto à cuja, que o fiel, devidamente disposto e em certas e determinadas condições, alcança por meio da Igreja, a qual, como dispensadora da redenção, distribui e aplica com autoridade o tesouro das satisfações de Cristo e dos Santos” (Enchiridion indulgentiarum, 1999, n. 1; cf. Catecismo da Igreja Católica, n. 1471).

Existe, portanto, o tesouro da Igreja, que através das indulgências é como que “distribuído”. Essa “distribuição” não deve ser entendida como uma espécie de transferência automática, como se se tratasse de “coisas”. Ela é sobretudo expressão da plena confiança que a Igreja tem de ser escutada pelo Pai quando - em consideração dos méritos de Cristo e, por seu dom, também daqueles da Virgem Maria e dos Santos - pede-lhe que mitigue ou anule o aspecto doloroso da pena, desenvolvendo o seu sentido medicinal através de outros percursos da graça. No mistério insondável da sabedoria divina, este dom de intercessão pode ser benéfico também aos fiéis defuntos, que recebem os seus frutos no modo próprio da sua condição.

5. Vê-se então como as indulgências, longe de serem uma espécie de “desconto” ao empenho de conversão, são antes uma ajuda para um empenho mais firme, generoso e radical. Esse empenho é requerido a tal ponto que, para receber a indulgência plenária, se requer como condição espiritual a “exclusão de todo o afeto a qualquer pecado, mesmo venial” (Enchiridion indulgentiarum, n. 20).

Portanto, estaria enganado quem pensasse que pode receber esse dom com o simples cumprimento de algumas observâncias exteriores. Estas são requeridas, ao contrário, como expressão e apoio do caminho de conversão. Manifestam em particular a fé na abundância da misericórdia de Deus e na maravilhosa realidade de comunhão que Cristo realizou, unindo de maneira indissolúvel a Igreja a si mesmo como seu Corpo e sua Esposa.

O Papa convoca o Grande Jubileu do Ano 2000

Fonte: Santa Sé.

Confira também as duas Catequeses do Papa João Paulo II sobre a Reconciliação:

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