Nesta Quaresma do Ano Jubilar de 2025 recordamos as duas Catequeses do Papa São João Paulo II sobre o sacramento da Reconciliação proferidas em setembro de 1999, durante a preparação para o Grande Jubileu do Ano 2000. Confira a seguir a primeira das meditações:
João Paulo II
Audiência Geral
Quarta-feira, 15 de setembro de 1999
O sacramento da Penitência
1.
O caminho em direção ao Pai, proposto à especial reflexão deste ano de
preparação para o Grande Jubileu, implica também a redescoberta do sacramento
da Penitência, no seu significado profundo de encontro com Aquele que perdoa,
mediante Cristo, no Espírito (cf. Tertio Millennio Adveniente,
n. 50).
Diversos
são os motivos por que urge na Igreja uma séria reflexão sobre este sacramento.
Antes de tudo, ela é requerida pelo anúncio do amor do Pai, como fundamento do
viver e do agir cristão, no contexto da atual sociedade onde muitas vezes
resulta ofuscada a visão ética da existência humana. Se muitos perderam a
dimensão do bem e do mal, é porque extraviaram o sentido de Deus, interpretando
a culpa só segundo perspectivas psicológicas ou sociológicas. Em segundo lugar,
a pastoral deve dar novo impulso a um itinerário de crescimento na fé, que
ressalte o valor do espírito e da prática penitencial em todo o arco da vida
cristã.
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Celebração do Perdão (Grande Jubileu do Ano 2000) |
2.
A mensagem bíblica apresenta essa dimensão “penitencial” como empenho
permanente de conversão. Fazer obras de penitência supõe uma transformação da
consciência, que é fruto da graça de Deus. Sobretudo no Novo Testamento, a
conversão é pedida como opção fundamental àqueles aos quais é dirigida a
pregação do Reino de Deus: “Convertei-vos e crede no Evangelho” (Mc 1,15;
cf. Mt 4,17). Com estas palavras Jesus inicia o seu
ministério, anuncia o cumprimento dos tempos e a iminência do Reino. O “convertei-vos”
(em grego: metanoéite) é um apelo a mudar o modo de pensar e
de se comportar.
3.
Este convite à conversão constitui a conclusão vital do anúncio feito pelos
Apóstolos depois do Pentecostes. Nele o objeto do anúncio é manifestado de
forma plena: já não é genericamente o “reino”, mas a própria obra de
Jesus, inscrita no plano divino prenunciado pelos profetas. Ao anúncio de
quanto ocorreu com Jesus Cristo, morto, ressuscitado e vivo na glória do Pai,
segue o premente convite à “conversão”, à qual está ligado também o perdão dos
pecados. Tudo isto emerge claramente no discurso que Pedro faz no pórtico de
Salomão: “Deus cumpriu o que havia anunciado pela boca de todos os profetas:
que o seu Cristo haveria de sofrer. Arrependei-vos, portanto, e convertei-vos,
para que vossos pecados sejam perdoados” (At 3,18-19).
No
Antigo Testamento este perdão dos pecados é prometido por Deus no contexto da “nova
aliança” que Ele estabelecerá com o seu povo (cf. Jr 31,31-34).
Deus escreverá a lei no coração. Nessa perspectiva, a conversão é um requisito
da definitiva aliança com Deus e, ao mesmo tempo, uma atitude permanente
daquele que, acolhendo as palavras do anúncio evangélico, começa a fazer parte
do Reino de Deus no seu dinamismo histórico e escatológico.
4.
O sacramento da Reconciliação veicula e torna visíveis de maneira misteriosa
estes valores fundamentais anunciados pela Palavra de Deus. Ele insere de novo
o homem no contexto salvífico da aliança e reabre-o para a vida trinitária, que
é diálogo de graça, circulação de amor, dom e acolhimento do Espírito Santo.
Por
ocasião do Jubileu, uma cuidadosa releitura do Ritual da Penitência ajudará
não pouco a aprofundar as dimensões essenciais deste sacramento. A maturidade
da vida eclesial depende, em grande parte, da sua redescoberta. O sacramento da
Reconciliação, de fato, não se conclui no momento litúrgico-celebrativo, mas
conduz a viver a atitude penitencial enquanto dimensão permanente da
experiência cristã. Ele é “uma aproximação da santidade de Deus, um reencontro
da própria verdade interior, obscurecida e transtornada pelo pecado, um
libertar-se no mais profundo de si mesmo e, por isso, um reconquistar a
alegria perdida de ser salvo, que a maioria dos homens do nosso tempo já
não sabe saborear” (Reconciliatio et paenitentia, n. 31, III).
5. Sobre
os conteúdos doutrinais deste sacramento, remeto à Exortação Apostólica Reconciliatio
et paenitentia (cf. nn. 28-34) e ao Catecismo da Igreja
Católica (cf. nn. 1420-1484), assim como às demais intervenções do
Magistério eclesial. Nesta circunstância, desejo evocar de novo a importância
do cuidado pastoral necessário para a valorização deste sacramento no povo de
Deus, para que o anúncio da reconciliação, o caminho de conversão e a própria
celebração do sacramento possam tocar ainda mais os corações dos homens e das
mulheres do nosso tempo.
Em
particular, desejo recordar aos pastores que só seremos bons confessores se formos
autênticos penitentes. Os sacerdotes sabem que são depositários de uma autoridade
que vem do alto: com efeito, o perdão transmitido por eles “é o sinal eficaz da
intervenção do Pai” (Reconciliatio et paenitentia, n. 31, III), que faz
ressurgir da morte espiritual. Por este motivo, vivendo com humildade e
simplicidade evangélica uma dimensão tão essencial do seu ministério, os
confessores não descuidem o próprio aperfeiçoamento e atualização, para que
nunca lhes faltem aquelas qualidades humanas e espirituais que são tão
necessárias para a relação com as consciências.
Mas,
juntamente com os pastores, é a inteira comunidade cristã que deve estar
envolvida na renovação pastoral da Reconciliação. Impõe-no a “eclesialidade”
própria do sacramento. A comunidade eclesial é o seio que acolhe o pecador
arrependido e perdoado e, antes ainda, cria o ambiente adequado para um caminho
de retorno ao Pai. Em uma comunidade reconciliada e reconciliante os pecadores
podem reencontrar o caminho perdido e a ajuda dos irmãos. E por último, através
da comunidade cristã, pode ser delineado de novo um sólido caminho de caridade,
que torne visíveis através das boas obras o perdão readquirido, o mal reparado
e a esperança de ainda poder encontrar os braços misericordiosos do Pai.
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O Papa preside o sacramento da Penitência |
Fonte: Santa Sé.
Confira também a Celebração do Perdão presidida pelo Papa durante o Grande Jubileu, no dia 12 de março de 2000: Rito / Homilia.
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