Confira as Catequeses nn. 52-53 do Papa São João Paulo II sobre Jesus Cristo, dando continuidade à sua reflexão sobre a missão de Cristo.
Catequeses do Papa João Paulo II sobre o Creio
CREIO EM JESUS CRISTO
52. A missão de Cristo: “Para dar testemunho da verdade”
João Paulo II - 04 de maio de 1988
1. “Eu nasci e vim ao mundo para isto:
para dar testemunho da verdade” (Jo 18,37). Quando Pilatos, durante
o processo, perguntou a Jesus se Ele é rei, a primeira resposta que ouviu foi: “O
meu reino não é deste mundo...”. E quando o governador romano insistiu e perguntou
de novo: “Então, tu és rei?”, recebeu esta resposta: “Tu dizes, Eu sou rei” (vv.
33-37). Este diálogo judicial, relatado pelo Evangelho de João, nos permite
reconectar com a última Catequese, cujo tema era a mensagem de Cristo
sobre o Reino de Deus. Ao mesmo tempo, abre nosso espírito a outra
dimensão ou outro aspecto da missão de Cristo, indicado por estas
palavras: “Dar testemunho da verdade”. Cristo é rei e “veio ao mundo para dar testemunho
da verdade”. Ele mesmo o afirma, e acrescenta: “Todo aquele que é da verdade,
escuta a minha voz” (v. 37).
Esta resposta abre diante dos nossos
olhos novos horizontes tanto sobre a missão de Cristo como sobre a
vocação do homem, particularmente sobre o enraizamento da vocação do homem em
Cristo.
Jesus, Mestre no caminho de Deus |
2. Através das palavras dirigidas
a Pilatos, Jesus enfatiza o que é essencial em toda a sua pregação.
Ao mesmo tempo, Ele de certo modo antecipa aquilo que constituirá a eloquente mensagem
contida no acontecimento pascal, ou seja, na sua Cruz e Ressurreição.
Ao falar da pregação de Jesus,
até mesmo seus opositores expressavam, a seu modo, seu significado fundamental quando
lhe diziam: “Mestre, sabemos que és verdadeiro... que ensinas segundo a
verdade o caminho de Deus” (Mc 12,14). Jesus era, pois, o Mestre
no “caminho de Deus”: expressão com profundas raízes bíblicas e extrabíblicas
para designar uma doutrina religiosa e salvífica. Quanto aos ouvintes comuns de
Jesus, estes estavam impressionados por outro aspecto da sua pregação, como
testemunham os evangelistas: “Ficaram maravilhados com seu ensinamento, pois Ele os
ensinava como quem tem autoridade, não como os escribas” (Mc 1,22);
“Sua palavra tinha autoridade” (Lc 4,32).
Esta autoridade era constituída
sobretudo pela força da verdade contida na pregação de Cristo.
Os ouvintes e os discípulos o chamavam “Mestre” não tanto no sentido de
que conhecesse a Lei e os Profetas e os comentasse com perspicácia, como faziam
os escribas. O motivo era muito mais profundo: Ele “falava com autoridade”, e esta
era a autoridade da verdade, cuja fonte é o próprio Deus. O próprio
Jesus dizia: “O meu ensinamento não é meu, mas d’Aquele que me enviou” (Jo 7,16).
3. Neste sentido, incluindo a
referência a Deus, Jesus era Mestre. “Vós me chamais Mestre e Senhor,
e dizeis bem, porque Eu o sou” (Jo 13,13). Era Mestre da
verdade que é Deus. Desta verdade Ele deu testemunho até o fim, com a
autoridade que provinha do alto: podemos dizer, com a autoridade de quem é “rei”
na esfera da verdade.
Nas Catequeses anteriores já chamamos
a atenção sobre o Sermão da Montanha, no qual Jesus se revela como Aquele que
veio não “para abolir a Lei e os Profetas”, mas “para dar-lhes cumprimento” (cf.
Mt 5,17). Este “cumprimento” da Lei era obra de realeza e de “autoridade”:
a realeza e a autoridade da verdade, que decide sobre a lei, sobre sua fonte
divina, sobre sua progressiva manifestação ao mundo.
4. O Sermão da Montanha deixa transparecer
essa autoridade com a qual Jesus busca cumprir a sua missão. Eis algumas passagens
significativas: “Ouvistes o que foi dito aos antigos: ‘Não matarás’... Eu,
porém, vos digo...”. “Ouvistes o que foi dito: ‘Não cometerás adultério’... Eu,
porém, vos digo...”. “Foi dito: ‘Não jurarás falso’... Eu, porém, vos
digo...” (cf. Mt 5,21ss). E depois de cada “Eu vos digo” há uma exposição,
feita com autoridade, daquela verdade sobre a conduta humana
contida em cada um dos mandamentos de Deus. Jesus não comenta de modo humano,
como um escriba, os textos do Antigo Testamento, mas fala com a autoridade do próprio
Legislador. Esta é a autoridade de instituir a Lei, a realeza. É, ao mesmo
tempo, a autoridade da verdade, graças à qual a nova Lei se torna princípio
vinculante de conduta para o homem.
5. Quando, no Sermão da Montanha,
Jesus pronuncia diversas vezes as palavras: “Eu, porém, vos digo”, na sua linguagem
se encontra o eco e o reflexo dos textos da tradição bíblica, que repetem frequentemente:
“Assim fala o Senhor, o Deus de Israel” (2Sm 12,7); “Assim diz
o Senhor, que te criou...” (Is 44,2); “Assim diz o Senhor, o vosso
Redentor, o Santo de Israel...” (Is 43,14). E, ainda mais diretamente,
Jesus faz sua a referência a Deus que sempre retorna aos lábios de Moisés ao dar
a Leo - a Lei “antiga” - a Israel. Muito mais forte do que a de Moisés é a
autoridade que Jesus atribui a si mesmo ao “dar cumprimento à Lei e aos
Profetas”, em virtude da missão recebida do alto: não no Sinai, mas no excelso mistério
da sua relação com o Pai.
6. Jesus tem uma clara consciência
dessa missão, sustentada pela força da verdade que brota da própria fonte
divina. Há uma estreita relação entre a sua resposta a Pilatos: “Vim ao mundo
para dar testemunho da verdade” (Jo 18,37), e a sua declaração diante
dos ouvintes: “O meu ensinamento não é meu, mas d’Aquele que me enviou” (Jo 7,16).
O fio condutor e unificador dessas e de outras afirmações de Jesus sobre a “autoridade
da verdade” com a qual ensina está na consciência que Ele tem da missão recebida
do alto.
7. Jesus tem consciência de que na
sua doutrina se manifesta aos homens a Sabedoria eterna. Por isso repreende
aqueles que se recusam a acolhê-la, não hesitando em invocar a “rainha do Sul”
(a rainha de Sabá), que veio “para ouvir a sabedoria de Salomão”, afirmando em
seguida: “E aqui está quem é mais do que Salomão” (Mt 12,42).
Ele também sabe, e proclama abertamente,
que as palavras que procedem dessa Sabedoria divina “não passarão”: “O céu e
a terra passarão, mas as minhas palavras jamais passarão” (Mc 13,31).
Essas, com efeito, contêm a força da verdade, que é indestrutível e eterna. São,
pois, “palavras de vida eterna”, como confessou o Apóstolo Pedro em um momento
crítico, quando muitos daqueles reunidos para ouvir Jesus começaram a deixá-lo,
porque não conseguiam entender e não queriam aceitar aquelas palavras que anunciavam
o mistério da Eucaristia (cf. Jo 6,66).
8. Toca-se aqui o problema da liberdade
do homem de aceitar ou não a verdade eterna contida na doutrina de Cristo, válida
certamente para dar aos homens de todos os tempos - e, portanto, também aos homens
do nosso tempo - uma resposta adequada à sua vocação, que é uma vocação aberta
à eternidade. Diante desse problema, que possui uma dimensão teológica, mas também
antropológica (o modo como o homem reage e se comporta diante de uma proposta
de verdade), por enquanto é suficiente recorrer ao que diz o Concílio Vaticano
II, especialmente em relação à particular sensibilidade dos homens de
hoje.
O Concílio afirma antes de tudo que
“todos os homens têm a obrigação de buscar a verdade, sobretudo no que se refere
a Deus e à sua Igreja”, mas também que “a verdade se impõe unicamente pela sua
própria força, que penetra nas mentes de modo ao mesmo tempo suave e forte” (Declaração
Dignitatis humanae, n. 1). O Concílio recorda ainda o dever dos homens
de “aderir à verdade conhecida e regular toda sua vida de acordo com as exigências
desta verdade”. E acrescenta: “Os homens só podem satisfazer esta obrigação, de
maneira conforme à sua própria natureza, na medida em que gozem ao mesmo tempo
de liberdade psicológica e de ausência de coação externa” (ibid., n. 2).
9. Eis aqui a missão de Cristo
como Mestre de verdade eterna.
O Concílio, depois de recordar novamente
que “Deus chama os homens a servi-lo em espírito e em verdade. (...) Com
efeito, Deus tem em conta a dignidade da pessoa humana, por Ele mesmo criada”, acrescenta
que “isso se apareceu no mais alto grau em Cristo Jesus, no qual Deus manifestou
perfeitamente a si mesmo e seus caminhos. Com efeito, Cristo, que nosso Mestre e
Senhor (Jo 13,13), manso e humilde de coração (Mt 11,29), atraiu
e convidou pacientemente seus discípulos (Mt 11,28-30; Jo 6,67-68).
Certamente Ele apoiou e confirmou sua pregação com milagres, para suscitar e fortalecer
a fé de seus ouvintes, não porém para exercer sobre eles uma coação (Mt
9,28-29; Mc 9, 23-24; 6,5-6)” (Dignitatis humanae, n. 11).
E, por fim, relaciona essa dimensão
da doutrina de Cristo com o Mistério Pascal: “Finalmente, levando a termo na
cruz a obra da redenção, com a qual conquistaria a salvação e a
verdadeira liberdade para os homens, completou sua revelação. Ele deu,
pois, testemunho da verdade (Jo 18,37); não quis, porém, impô-la
pela força aos que o contestavam. O seu Reino não se defende pela violência (Mt
26,51-53; Jo 18,36), mas se estabelece pelo testemunho e na
escuta da verdade. Ele cresce pelo amor por meio do qual Cristo,
elevado na cruz, atrai todos a si (Jo 12,32)” (ibid.).
Podemos concluir desde agora que
quem busca sinceramente a verdade, encontrará facilmente no magistério de
Cristo Crucificado a solução também para o problema da liberdade.
53. A missão de Cristo: O Filho Unigênito revela o Pai
João Paulo II - 01 de junho de 1988
1. “Muitas vezes e de muitos modos
Deus falou outrora aos nossos pais, pelos profetas. Nestes dias, que são os
últimos, falou-nos por meio do Filho...” (Hb 1,1-2). Com estas palavras,
bem conhecidas pelos fiéis graças à Liturgia do Natal [1], o autor da Carta
aos Hebreus fala da missão de Jesus Cristo, apresentando-a sobre o pano de
fundo da história da antiga aliança. Por um lado, há uma continuidade entre a
missão dos profetas e a de Cristo; por outro lado, porém, logo salta aos
olhos uma clara diferença. Jesus não só é o último e o maior dos
profetas: o Profeta escatológico como era chamado e esperado por alguns. Ele se
distingue de modo essencial de todos os antigos profetas e supera infinitamente
o nível da sua personalidade e da sua missão. Ele é o Filho do Pai, o
Verbo-Filho, consubstancial ao Pai.
2. Esta é a verdade chave para
compreender a missão de Cristo. Se Ele foi enviado “para anunciar a boa-nova (o
Evangelho) aos pobres” (cf. Lc 4,18), se com Ele “chegou para nós” o Reino
de Deus (cf. Lc 11, 20), entrando de modo definitivo na história do homem,
se Cristo é Aquele que dá testemunho da verdade (cf. Jo 18,37) contida na
própria fonte divina, como vimos nas Catequeses anteriores, agora podemos extrair
do texto da Carta aos Hebreus, que acabamos de mencionar, a verdade
que unifica todos os aspectos da missão de Cristo: Jesus revela
Deus do modo mais autêntico, porque está baseado na única fonte
absolutamente segura e indubitável: a própria essência de Deus. O testemunho de
Cristo tem, pois, o valor da verdade absoluta.
3. No Evangelho de João
encontramos a mesma afirmação da Carta aos Hebreus, expressa de modo mais
conciso. Lemos, com efeito, ao final do Prólogo: “A Deus, ninguém jamais viu. O
Filho Unigênito, que está no seio do Pai, foi quem o revelou” (Jo 1,18).
Nisto consiste a diferença essencial
entre a revelação de Deus que se encontra nos profetas e em todo o Antigo
Testamento e aquela que traz Cristo, que diz de si mesmo: “Aqui está quem é mais
do que Jonas” (Mt 12,41). Aqui, para falar de Deus está o próprio Deus
feito homem: “O Verbo se fez carne” (Jo 1,14). Aquele Verbo que “está
no seio do Pai” (v. 18), se torna a “luz verdadeira” (v. 9), a “luz do mundo” (Jo 8,12).
Ele mesmo diz de si: “Eu sou o caminho, a verdade e a vida” (Jo 14,6).
4. Cristo conhece Deus como
o Filho que conhece o Pai e ao mesmo tempo é conhecido por Ele:
“Como o Pai me conhece (“ginoskei”) e Eu conheço o Pai” (Jo 10,15),
lemos no Evangelho de João, e de maneira quase idêntica nos Sinóticos: ““Ninguém
conhece (“epiginoskei”) o Filho, senão o Pai, e ninguém conhece o Pai, senão
o Filho e aquele a quem o Filho o quiser revelar” (Mt 11,27; cf. Lc 10,22).
Portanto, Cristo, o Filho
que conhece o Pai, revela o Pai. E, ao mesmo tempo, o Filho
é revelado pelo Pai. O próprio Jesus, depois da profissão de fé em Cesareia
de Filipe, o faz notar a Pedro, que o reconhece como “o Cristo, o Filho do Deus
vivo”: “Não foi carne nem sangue que te revelaram isso, mas meu Pai que está nos
céus” (Mt 16,17).
5. Se a missão essencial de Cristo
é revelar o Pai, que é “nosso Deus” (cf. Jo 20,17), ao mesmo tempo Ele
mesmo é revelado pelo Pai como Filho. Este Filho, sendo “um só” com o Pai (Jo 10,30),
pode dizer: “Quem me viu, viu o Pai” (Jo 14,9). Em Cristo, Deus se fez
“visível”: em Cristo atua a “visibilidade” de Deus. Afirma-o de modo conciso
Santo Irineu: “A realidade invisível do Filho era o Pai e a realidade visível do
Pai era o Filho” (Adversus haereses, IV, 6, 6).
Portanto, em Jesus Cristo se
realiza em toda a sua plenitude a autorrevelação de Deus. No
momento oportuno será revelado também o Espírito que procede do Pai (cf.
Jo 15,26), e que o Pai enviará no nome do Filho (cf. Jo 14,26).
6. À luz desses mistérios da Trindade
e da Encarnação, alcança seu justo significado a bem-aventurança proclamada por
Jesus a seus discípulos: “Bem-aventurados os olhos que veem o que vós vedes; pois
Eu vos digo: muitos profetas e reis quiseram ver o que vós estais vendo, e não viram;
quiseram ouvir o que estais ouvindo, e não ouviram” (Lc 10,23-24).
Quase que um vivo eco dessas palavras
do Mestre parece ressoar na Primeira Carta de João: “O que era desde o princípio, o
que ouvimos, o que vimos com nossos olhos,
o que contemplamos e nossas mãos tocaram da Palavra da vida - vida esta que se
manifestou, que nós vimos e testemunhamos, vida eterna que a vós anunciamos... isso
que vimos e ouvimos, nós vos anunciamos, para que estejais em comunhão conosco”
(1Jo 1,1-3). No Prólogo do seu Evangelho, o mesmo Apóstolo
escreve: “Nós contemplamos a sua glória, glória como do Unigênito
do Pai, cheio de graça e de verdade” (Jo 1,14).
7. Em relação a esta verdade
fundamental da nossa fé, o Concílio Vaticano II, na Constituição sobre a Divina
Revelação, diz: “Por esta revelação, refulge para nós, em Cristo, a verdade mais
profunda acerca de Deus e da salvação dos homens, Ele que é ao mesmo tempo o
mediador e a plenitude de toda a revelação (Mt 11,27; Jo 1,14.17;
14,6; 17,1-3; 2Cor 3,16; 4,6; Ef 1,3-14)” (Dei Verbum, n. 2).
Aqui temos a plena dimensão de
Cristo, revelação de Deus, porque esta revelação de Deus é, ao mesmo tempo, a
revelação da economia salvífica de Deus em relação ao homem e ao mundo. Nela,
como diz São Paulo a respeito da pregação dos Apóstolos, se trata de “mostrar
claramente a todos como se realiza o seu mistério, escondido desde toda a
eternidade em Deus, que tudo criou” (Ef 3,9). É o mistério do plano
da salvação, que Deus concebeu desde a eternidade na intimidade da vida trinitária,
na qual contemplou, amou, desejou, criado e “recriou” as coisas do céu e da terra,
vinculando-as à Encarnação e, portanto, a Cristo.
8. Recorramos mais uma vez ao Concílio
Vaticano II, onde lemos: “Jesus Cristo, o Verbo feito carne, ‘homem enviado aos
homens’, ‘fala as palavras de Deus’ (Jo 3,34) e realiza a
obra da salvação que o Pai lhe deu a fazer (Jo 5,36; 17,4)”. Ele, “através
de toda a sua presença e manifestação - por palavras e obras, sinais e milagres,
e sobretudo por sua Morte gloriosa e sua Ressurreição dentre os mortos -, tendo
enviado o Espírito da verdade, leva a revelação a pleno cumprimento e a
confirma com o testemunho divino: que Deus está conosco para nos libertar do
pecado e das trevas da morte e para nos ressuscitar para a vida eterna” (Dei
Verbum, n. 4).
“A economia cristã, na qualidade
de nova e definitiva aliança, jamais passará, e não se deve esperar nenhuma
nova revelação pública antes da gloriosa manifestação de nosso Senhor Jesus
Cristo (1Tm 6,14; Tt 2,13)” (ibid.).
Jesus Mestre - Caminho, Verdade e Vida |
Nota:
[1] O texto citado pelo Papa é a 2ª leitura da Missa do Dia
de Natal: Hb 1,1-6.
Tradução nossa a partir do texto italiano
divulgado no site da Santa Sé (04 de maio e 01 de junho de 1988).
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