sexta-feira, 16 de fevereiro de 2024

Meditações da Via Sacra no Coliseu 2004

Nesta primeira sexta-feira da Quaresma, como de costume aqui em nosso blog, publicamos um esquema de meditação para a tradicional Via Sacra presidida pelo Papa no Coliseu.
Para saber mais, confira nossas postagens sobre a Via Sacra e sobre a Via Sacra presidida pelo Papa no Coliseu.

Nesta postagem recordamos as meditações proferidas há vinte anos, na Sexta-feira Santa de 2004, a última presidida por São João Paulo II no Coliseu (uma vez que em 2005, poucos dias antes da sua morte, o Papa polonês acompanhou a Via Sacra pela televisão).

As meditações foram elaboradas pelo Padre André Louf, monge trapista (Ordem dos Cistercienses de Estrita Observância) belga, falecido em 2010, seguindo o modelo da “Via Sacra Bíblica”.

Ofício das Celebrações Litúrgicas do Sumo Pontífice
Via-Sacra no Coliseu presidida pelo Papa João Paulo II
Sexta-feira Santa, 09 de abril de 2004
Meditações do Padre André Louf

Apresentação

Anualmente, na noite de Sexta-feira Santa, memória litúrgica da Paixão do Senhor, a Igreja de Deus que está em Roma, guiada pelo seu Pastor, o Sucessor de Pedro, realiza ao pé do Coliseu o piedoso exercício da Via Crucis, o “caminho da Cruz”. À comunidade cristã de Roma vêm juntar-se ao longo das quatorze estações peregrinos de todo o oikumene, enquanto milhões de fiéis de todas as línguas, povos e culturas se associam à oração e meditação através dos meios radio-televisivos. Neste ano, por uma feliz coincidência de calendário, os cristãos do Oriente e do Ocidente celebram simultaneamente o grande mistério da Paixão, Morte e Ressurreição do único Senhor de todos e, assim, vivem contemporaneamente a memória do acontecimento fontal da sua fé.


Neste ano, os textos bíblicos da Via-Sacra são tirados do Evangelho de São Lucas e os textos de meditação compostos pelo Padre André Louf. Trata-se de um monge cisterciense de estrita observância, que vive já há alguns anos em um ermo depois de ter desempenhado o ministério de abade na sua comunidade de Notre-Dame de Monte-des-Cats em França durante trinta e cinco anos, guiando-a no seguimento de Jesus Cristo desde os anos do Concílio Vaticano II até ao limiar do terceiro milênio: um monge radicado na Sagrada Escritura pela prática quotidiana da lectio divina, amante dos Padres da Igreja dos primeiros séculos e dos místicos flamengos; um pai de monges capaz de acompanhar os irmãos na vida espiritual e na busca diária daquele ideal de “um só coração e uma só alma” que caracterizava a comunidade apostólica de Jerusalém (At 4,32). Ou seja, um monge cenobita, para quem solidão e comunhão estão em constante dialética existencial: solidão diante de Deus e comunhão fraterna, unificação interior e união comunitária, redução à simplicitas do essencial e abertura à pluralidade das expressões de fé vivida. Tal é o empenho diário do monge, a dinâmica da sua stabilitas em uma determinada realidade comunitária, o “trabalho da obediência” (Regra de São Bento, Prólogo 2) através do qual regressar a Deus.

Desta fadiga libertadora do monge, que é fadiga também de todo o batizado membro da comunidade vital da Igreja, estão impregnados os textos propostos para esta Via Sacra. Diversas vezes Jesus Se encontra “sozinho”, umas vezes por livre escolha, outras porque todos O abandonaram: está só no Horto das Oliveiras, face a face com o Pai; está só perante a traição de um discípulo e a negação de outro; sozinho enfrenta o Sinédrio, o julgamento de Pilatos, as zombarias dos soldados; sozinho carrega o peso da cruz; sozinho Se abandonará totalmente nos braços do Pai.

Mas a solidão de Jesus não é estéril; pelo contrário, brotando de uma união íntima com o Pai e o Espírito, cria por sua vez comunhão entre aqueles que entram em relação vivificante com ela.

Assim, Jesus na sua Paixão encontra o apoio fraterno do Cireneu, conhece a consolação das mulheres-discípulas que tinham subido com Ele a Jerusalém, abre as portas do seu Reino ao centurião e ao bom ladrão que sabem olhar para além das aparências, vê constituir-se ao pé da cruz o embrião da comunidade formado por sua Mãe e pelo discípulo amado. Por último, mesmo no momento aparentemente de maior solidão - a deposição no sepulcro - quando o seu corpo é engolido pela terra, dá-se a passagem a uma renovada comunhão cósmica: tendo descido aos infernos, Jesus encontra a humanidade inteira em Adão e Eva, anuncia a salvação “aos espíritos que estavam no cárcere” (1Pd 3,19) e restabelece a comunhão paradisíaca.

Deste modo, participar na Via Sacra significa, para todo o discípulo de Jesus Cristo, entrar no mistério de solidão e de comunhão vivido pelo Mestre e Senhor, aceitar a vontade do Pai a seu respeito até enxergar, para além do sofrimento e da morte, a Vida sem fim que brota do peito trespassado e do sepulcro vazio.

Padre André Louf (†2010)

Oração inicial
Em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo. R. Amém.

Irmãos e irmãs, mais uma vez nos reunimos para seguir o Senhor Jesus pelo caminho que o conduz ao Calvário. Lá encontraremos as pessoas que o seguiram até ao fim - a Mãe, o Discípulo amado, as mulheres que o seguiram durante o anúncio da boa nova - e quantos, movidos de compaixão, procuraram consolá-lo e aliviar a sua dor. Encontraremos também aqueles que decidiram a sua morte e que Ele, em um amor desmesurado, perdoou. Peçamos-lhe que infunda no nosso coração os mesmos sentimentos que havia n’Ele (Fl 2,5) a fim de podermos “conhecê-lo, a Ele, à força da sua Ressurreição, e à comunhão nos seus sofrimentos, configurando-nos à sua Morte para ver se podemos chegar à ressurreição dos mortos” (Fl 3,10-11). Neste ano, em que a data da Páscoa providencialmente coincide em todas as Igrejas, o nosso pensamento alarga-se a todos os discípulos de Jesus, que no mundo comemoram neste mesmo dia a sua morte e a sua deposição no túmulo.

Oremos
Jesus, vítima inocente do pecado, acolhei-nos como companheiros do vosso caminho pascal, que conduz da morte à vida, e ensinai-nos a viver o tempo que passamos na terra radicados na fé em Vós, que nos amastes e vos entregastes a si mesmo por nós (Gl 2,20). Vós sois Cristo, o único Senhor, que vive e reina pelos séculos dos séculos. R. Amém.

I Estação: Jesus no Horto das Oliveiras

Nós vos adoramos, Senhor Jesus Cristo, e vos bendizemos.
R. Porque pela vossa Santa Cruz remistes o mundo.

Do Evangelho segundo Lucas (Lc 22,39-46)
Jesus saiu e, como de costume, foi para o monte das Oliveiras. Os discípulos o acompanharam. Chegando ao lugar, Jesus lhes disse: “Orai para não entrardes em tentação”. Então afastou-se a certa distância e, de joelhos, começou a rezar: “Pai, se queres, afasta de mim este cálice; contudo, não seja feita a minha vontade, mas a tua!”. Apareceu-lhe um anjo do céu, que o confortava. Tomado de angústia, Jesus rezava com mais insistência. Seu suor tornou-se como gotas de sangue que caíam no chão. Levantando-se da oração, Jesus foi para junto dos discípulos e encontrou-os dormindo, de tanta tristeza. E perguntou-lhes: “Por que estais dormindo? Levantai-vos e orai para não entrardes em tentação”.


Meditação
Chegado ao limiar da sua Páscoa, Jesus está na presença do Pai. Como poderia ter sido de outro modo se o seu secreto diálogo de amor com o Pai nunca cessara? “Chegou a hora” (Jo 16,32), a hora pressentida desde o princípio, anunciada aos discípulos, que não se parece com nenhuma outra, que a todas inclui e condensa precisamente quando está para se cumprir nos braços do Pai. E, inesperadamente, aquela hora mete medo. Deste medo nada nos é ocultado. Mas lá, no auge da angústia, Jesus refugia-se junto do Pai em oração. No Getsêmani, naquela noite, vive-se uma luta corpo a corpo extenuante tão áspera que, no rosto de Jesus, o suor muda-se em sangue. E Jesus ousa pela última vez, diante do Pai, manifestar a angústia que o invade: “Pai, se queres, afasta de mim este cálice; contudo, não seja feita a minha vontade, mas a tua” (Lc 22,42). Duas vontades se defrontam por momentos, para depois confluírem em um abandono de amor já anunciado por Jesus: É preciso “que o mundo saiba que Eu amo o Pai, que faço como o Pai me mandou” (Jo 14,31).

Oração
Jesus, nosso irmão, que, para abrir a todos os homens o caminho da Páscoa, quisestes experimentar a tentação e o medo, ensinai-nos a refugiarmo-nos junto de Vós, e a repetir as vossas palavras de abandono e adesão à vontade do Pai, que, no Getsêmani, mereceram a salvação do universo. Fazei que o mundo conheça, através dos vossos discípulos, a força do vosso amor sem limites (Jo 13,1), do amor que consiste em dar a vida pelos amigos (Jo 15,13).

Jesus, no Horto das Oliveiras, sozinho, perante o Pai, renovastes a adesão à sua vontade.
R. A Vós louvor e glória para sempre.

Pai nosso...


II Estação: Jesus, traído por Judas, é preso

Nós vos adoramos, Senhor Jesus Cristo, e vos bendizemos.
R. Porque pela vossa Santa Cruz remistes o mundo.

Do Evangelho segundo Lucas (Lc 22,47-48)
Jesus ainda falava, quando chegou uma multidão. Na frente, vinha um dos Doze, chamado Judas, que se aproximou de Jesus para beijá-lo. Jesus lhe disse: “Judas, com um beijo tu entregas o Filho do Homem?”.


Meditação
Desde a primeira vez que Judas é nomeado, aparece indicado como aquele “que veio a ser o traidor” (Lc 6,13; Mt 10,4; Mc 3,19); o trágico apelativo de “traidor” ficará ligado para sempre à sua lembrança. Como pôde chegar a isto alguém que Jesus escolhera para segui-lo mais de perto? Terá Judas se deixado levar por um amor contrariado por Jesus que se transformou em suspeita e ressentimento? Tal o faria crer o beijo, gesto que significa amor, mas que serviu para entregar Jesus aos soldados. Ou terá sofrido uma desilusão com um Messias que se subtraía à função política de libertador de Israel do domínio estrangeiro? Judas não tardará a dar-se conta de que a sua sutil chantagem termina em um desastre. É que ele desejara, não a morte do Messias, mas apenas que se rebelasse e assumisse uma atitude decidida. E então: em vão chora o seu gesto e se desfaz do salário da traição (Mt 27,4-5), porque se entrega ao desespero. Quando Jesus fala de Judas como “filho da perdição”, se limita a recordar que assim se cumpria a Escritura (Jo 17,22). Um mistério de iniquidade que nos ultrapassa, mas que não pode sobrepor-se ao mistério da misericórdia.

Oração
Jesus, amigo dos homens, viestes à terra e revestistes a nossa carne, para oferecer a vossa solidariedade aos vossos irmãos e irmãs da humanidade. Jesus, manso e humilde de coração, dais alívio a quantos sofrem sob o peso do seu fardo (Mt 11,29); e, no entanto, a oferta do vosso amor muitas vezes foi rejeitada! Mesmo entre aqueles que vos aceitaram houve quem vos renegasse, quem traísse o compromisso assumido. Mas Vós nunca deixastes de amá-los, a ponto de abandonar todos os outros para ir à procura deles, com a esperança de os trazer novamente a Vós, carregados aos ombros (Lc 15,5), ou reclinados ao peito (Jo 13,25). Entregamos à vossa infinita misericórdia os vossos filhos tentados pelo desânimo ou pelo desespero. Concedei-lhes a graça de procurarem refúgio junto de Vós, e de “nunca desesperarem da vossa misericórdia” (Regra de São Bento 3, 74).

Jesus, Vós continuais a amar quem recusa o vosso amor e, incansável, procurais quem vos trai e abandona.
R. A Vós louvor e glória para sempre.

Pai nosso...

Cuius ánimam geméntem, / contristátam et doléntem, / pertransívit gládius.

III Estação: Jesus é condenado pelo Sinédrio

Nós vos adoramos, Senhor Jesus Cristo, e vos bendizemos.
R. Porque pela vossa Santa Cruz remistes o mundo.

Do Evangelho segundo Lucas (Lc 22,66-71)
Ao amanhecer, os anciãos do povo, os sumos sacerdotes e os mestres da Lei reuniram-se em conselho e levaram Jesus ao tribunal deles. E diziam: “Se és o Cristo, dize-nos!”. Jesus respondeu: “Se Eu vos disser, não me acreditareis, e, se Eu vos fizer perguntas, não me respondereis. Mas, de agora em diante, o Filho do Homem estará sentado à direita do Deus Poderoso”. Então todos perguntaram: “Tu és, portanto, o Filho de Deus?”. Jesus respondeu: “Vós mesmos estais dizendo que Eu sou!”. Eles disseram: “Será que ainda precisamos de testemunhas? Nós mesmos o ouvimos de sua própria boca!”.


Meditação
Jesus está só diante do Sinédrio. Os discípulos fugiram. Desorientados pela prisão à qual algum procurou reagir com a violência. Fugiu também aquele que pouco antes exclamara: “Vamos também nós, para morrermos com Ele” (Jo 11,16). O medo os venceu. A brutalidade do fato prevaleceu sobre o seu frágil propósito. Cederam, arrastados pela corrente da vilania. Deixam que Jesus enfrente, sozinho, a sua sorte. E, todavia, formavam o círculo dos seus íntimos, Jesus tinha-os designado como os seus “amigos” (Jo 15,15). Agora, ao seu redor, só uma assembleia hostil, unânime em querer a sua morte. Já mais vezes se estendera sobre Jesus a sombra da morte, quando aludia à sua origem divina. Já outras vezes quem o escutava tentara lapidá-lo. “Não é por alguma obra que te apedrejamos - afirmavam -, é por blasfêmia, porque, sendo homem, te fazes Deus” (Jo 10,33). Agora o Sumo Sacerdote intima-lhe que declare, diante de todos, se é Filho de Deus ou não. Jesus não se subtrai: com a mesma gravidade o atesta. Deste modo assina a sua própria sentença de morte.

Oração
Jesus, testemunha fiel (Ap 1,5), face à morte confessastes serenamente a vossa identidade divina e anunciastes o vosso regresso glorioso no fim dos tempos para levar a cumprimento a obra que o Pai vos confiara. Confiamos à vossa misericórdia as nossas dúvidas, as contínuas oscilações entre ímpetos de generosidade e momentos de indolência, em que deixamos “os cuidados deste mundo e a sedução da riqueza” (Mt 13,22) sufocar a centelha que o vosso olhar ou a vossa Palavra fez saltar dos nossos corações endurecidos. Encorajai aqueles que começaram a seguir o vosso caminho, para que não se assustem diante das dificuldades e renúncias pressentidas. Recordai-lhes que sois manso e humilde de coração e o vosso jugo é suave e o vosso fardo é leve. Concedei-lhes experimentar o alívio que só Vós podeis oferecer (Mt 11,28-30).

Jesus, sereno face à morte iminente, único justo perante o injusto Sinédrio.
R. A Vós louvor e glória para sempre.

Pai nosso...

O quam tristis et afflícta / fuit illa benedícta / Mater Unigéniti!

IV Estação: Jesus é renegado por Pedro

Nós vos adoramos, Senhor Jesus Cristo, e vos bendizemos.
R. Porque pela vossa Santa Cruz remistes o mundo.

Do Evangelho segundo Lucas (Lc 22,54b-62)
Pedro acompanhava Jesus de longe. Eles acenderam uma fogueira no meio do pátio e sentaram-se ao redor. Pedro sentou-se no meio deles. Ora, uma criada o viu sentado perto do fogo; encarou-o bem e disse: “Este aqui também estava com ele!”. Mas Pedro negou: “Mulher, eu nem o conheço!”. Pouco depois, um outro viu Pedro e disse: “Tu também és um deles”. Mas Pedro respondeu: “Homem, não sou”. Passou mais ou menos uma hora, e um outro insistia: “Certamente, este aqui também estava com ele, porque é galileu!”. Mas Pedro respondeu: “Homem, não sei o que estás dizendo!”. Nesse momento, enquanto Pedro ainda falava, um galo cantou. Então o Senhor se voltou e olhou para Pedro. E Pedro lembrou-se da palavra que o Senhor lhe tinha dito: “Hoje, antes que o galo cante, três vezes me negarás”. Então Pedro saiu para fora e chorou amargamente.


Meditação
Dos discípulos em fuga, dois voltam atrás, seguindo à distância os soldados e o seu prisioneiro. Um misto de afeto e curiosidade, talvez; falta de consciência do risco. Não demora muito para que Pedro seja reconhecido: a denunciá-lo o acento galileu e o testemunho de quem o viu desembainhar a espada no Horto das Oliveiras. Pedro refugia-se na mentira: nega tudo. Não se dá conta de que assim renega o seu Senhor, desmente as suas ardentes declarações de fidelidade absoluta. Não compreende que assim nega também a sua própria identidade. Mas um galo canta, Jesus volta-se, pousa o seu olhar sobre Pedro e dá sentido àquele canto. Pedro compreende e prorrompe em lágrimas. Lágrimas amargas, mas suavizadas pela recordação das palavras de Jesus: “Não vim para condenar o mundo, mas para salvá-lo” (Jo 12,47). Agora repete-as aquele olhar “misericordioso e compassivo”, o mesmo olhar do Pai, “lento na ira e grande no seu amor”, que “não nos trata segundo os nossos pecados, nem nos castiga segundo as nossas culpas” (Sl 102,8.10). Pedro abisma-se naquele olhar. Na manhã de Páscoa as lágrimas de Pedro serão lágrimas de alegria.

Oração
Jesus, única esperança daqueles que, frágeis e feridos, caem; Vós conheceis o que há no interior de cada homem (Jo 2,25). A nossa fragilidade aumenta o vosso amor e suscita o vosso perdão. Fazei que, à luz da vossa misericórdia, reconheçamos os nossos passos falsos e, salvos pelo vosso amor, proclamemos as maravilhas da vossa graça. Concedei a quantos exercem autoridade sobre os irmãos que se gloriem, não de ter sido escolhidos, mas da sua fragilidade pela qual habite neles a vossa força (2Cor 12,9).

Jesus, pousando o olhar sobre Pedro, suscitais lágrimas amargas de arrependimento, rio de paz de um novo batismo.
R. A Vós louvor e glória para sempre.

Pai nosso...

Quae maerébat et dolébat / pia Mater, cum vidébat / Nati poenas íncliti.

V Estação: Jesus é julgado por Pilatos

Nós vos adoramos, Senhor Jesus Cristo, e vos bendizemos.
R. Porque pela vossa Santa Cruz remistes o mundo.

Do Evangelho segundo Lucas (Lc 23,13-25)
Pilatos convocou os sumos sacerdotes, os chefes e o povo, e lhes disse: “Vós me trouxestes este homem como se fosse um agitador do povo. Pois bem! Já o interroguei diante de vós e não encontrei nele nenhum dos crimes de que o acusais; nem Herodes, pois o mandou de volta para nós. Como podeis ver, ele nada fez para merecer a morte. Portanto, vou castigá-lo e o soltarei”. Toda a multidão começou a gritar: “Fora com ele! Solta-nos Barrabás!”. Barrabás tinha sido preso por causa de uma revolta na cidade e por homicídio. Pilatos falou outra vez à multidão, pois queria libertar Jesus. Mas eles gritavam: “Crucifica-o! Crucifica-o!”. E Pilatos falou pela terceira vez: “Que mal fez este homem? Não encontrei nele nenhum crime que mereça a morte. Portanto, vou castigá-lo e o soltarei”. Eles, porém, continuaram a gritar com toda a força, pedindo que fosse crucificado. E a gritaria deles aumentava sempre mais. Então Pilatos decidiu que fosse feito o que eles pediam. Soltou o homem que eles queriam - aquele que fora preso por revolta e homicídio - e entregou Jesus à vontade deles.


Meditação
Um homem sem culpa alguma está diante de Pilatos. A lei e o direito cedem ao arbítrio de um poder totalitário, que procura o consenso das multidões. Em um mundo injusto, o justo não pode senão ser rejeitado e condenado. Viva o homicida, morra Aquele que dá a vida. Liberte-se Bar-Abbà, o insurreto chamado “filho do Pai”; seja crucificado Aquele que revelou o Pai e é o verdadeiro Filho do Pai. Outros, não Jesus, são os agitadores do povo. Outros, não Jesus, fizeram o que é mal aos olhos de Deus. Mas o poder teme pela sua própria autoridade, renuncia à credibilidade que lhe vem de praticar a justiça, e abdica. Pilatos, a autoridade que tem poder de vida e de morte, Pilatos, que não hesitara em sufocar no sangue focos de revolta (Lc 13,1), Pilatos, que governava com mão de ferro aquela obscura província do Império, sonhando domínios mais amplos, abdica, entrega um inocente, e com ele a própria autoridade, a uma multidão vociferante. Aquele que no silêncio tinha se abandonado à vontade do Pai acaba assim abandonado à vontade de quem grita mais forte.

Oração
Jesus, cordeiro inocente levado ao matadouro (Is 53,7) para tirar o pecado do mundo (Jo 1,29), dirigi o vosso olhar de ternura para todos os inocentes perseguidos, aos prisioneiros que gemem em cárceres infames, às vítimas do amor pelos oprimidos e pela justiça, a quantos não entreveem o fim de um longa pena não merecida. A vossa presença, intimamente sentida, suavize a sua amargura e dissipe a escuridão da prisão. Fazei que nunca nos resignemos a ver em cadeias a liberdade que destes a todo homem, criado à vossa imagem e semelhança.

Jesus, manso rei de um reino de justiça e de paz, resplandeceis vestido com um manto de púrpura: o vosso sangue derramado por amor.
R. A Vós louvor e glória para sempre.

Pai nosso...

Quis est homo qui non fleret, / Matrem Christi si vidéret / in tanto supplício?

VI Estação: Jesus é flagelado e coroado de espinhos

Nós vos adoramos, Senhor Jesus Cristo, e vos bendizemos.
R. Porque pela vossa Santa Cruz remistes o mundo.

Do Evangelho segundo Lucas (Lc 22,63-65)
Os guardas caçoavam de Jesus e espancavam-no; cobriam o seu rosto e lhe diziam: “Profetiza: quem foi que te bateu?”. E o insultavam de muitos outros modos.
Do Evangelho segundo João (Jo 19,2-3)
Os soldados teceram uma coroa de espinhos e colocaram-na na cabeça de Jesus. Vestiram-no com um manto vermelho, aproximavam-se dele e diziam: “Viva o rei dos judeus!”.


Meditação
À iníqua condenação junta-se o ultraje da flagelação. Entregue nas mãos dos homens, o corpo de Jesus é desfigurado. Aquele corpo recebido da Virgem Maria, que fazia de Jesus “o mais belo dos filhos dos homens”, que irradiava a unção da Palavra – “em teus lábios se derramou a graça” (Sl 44,3) -, é agora cruelmente dilacerado pelo açoite. O rosto transfigurado no Tabor é desfigurado no Pretório: rosto de quem, insultado, não responde; de quem, flagelado, perdoa; de quem, tornado escravo sem nome, liberta a quantos jazem na escravidão. Jesus avança decididamente pelo caminho da dor, cumprindo na carne viva, que se torna viva voz, a profecia de Isaías: “Aos que me feriam apresentei as costas, e a minha face aos que me arrancavam a barba: não desviei o meu rosto dos que me ultrajavam e cuspiam” (Is 50,6). Profecia que se abre para um futuro de transfiguração.

Oração
Jesus, “esplendor da glória do Pai e imagem da sua substância” (Hb 1,3), aceitastes ser reduzido a um frangalho humano, um condenado ao suplício, que dá pena. Tomastes sobre Vós os nossos sofrimentos, carregastes as nossas dores, fostes esmagado pelas nossas iniquidades (Is 53,4-5). Com as vossas feridas, sarai as feridas dos nossos pecados. Concedei a quantos são injustamente desprezados e marginalizados, a quantos foram desfigurados pela tortura ou pela doença, compreender que, crucificados convosco e como Vós para o mundo (Gl 2,19), completam o que falta à vossa Paixão para a salvação do homem (Cl 1,24).

Jesus, pedaço de humanidade profanada, em Vós se revela a sacralidade do homem: arca do amor que paga o mal com o bem.
R. A Vós louvor e glória para sempre.

Pai nosso...

Pro peccátis suae gentis / vidit Iesum in torméntis / et flagéllis súbditum.

VII Estação: Jesus é carregado com a Cruz

Nós vos adoramos, Senhor Jesus Cristo, e vos bendizemos.
R. Porque pela vossa Santa Cruz remistes o mundo.

Do Evangelho segundo Marcos (Mc 15,20)
Depois de zombarem de Jesus, tiraram-lhe o manto vermelho, vestiram-no de novo com suas próprias roupas e o levaram para fora, a fim de crucificá-lo.


Meditação
Fora. O justo, injustamente condenado, deve morrer fora: fora do acampamento, fora da cidade santa, fora da sociedade humana. Os soldados despojam-no e revestem-no: Ele já não pode dispor sequer do seu próprio corpo. Carregam-lhe sobre os ombros um madeiro, parte pesada do patíbulo, sinal de maldição e instrumento de execução capital. Madeiro de ignomínia, que pesa, como fardo extenuante, sobre os ombros curvados de Jesus. O ódio, de que está impregnado, torna insuportável o seu peso. E, no entanto, aquele madeiro da cruz é resgatado por Jesus, torna-se sinal de uma existência vivida e oferecida por amor dos homens. Segundo a tradição, Jesus vacila; por três vezes cairá sob aquele peso. Jesus não pôs limites ao seu amor: “tendo amado os seus, amou-os até ao fim” (Jo 13,1). Obediente à palavra do Pai - “Amarás ao Senhor, teu Deus, com todas as tuas forças” (Dt 6,5) -, amou a Deus e cumpriu a sua vontade até ao fim.

Oração
Jesus, rei da glória, coroado de espinhos, curvado sob o peso da cruz que mãos humanas prepararam para Vós, imprimi em nossos corações a imagem do vosso rosto coberto de sangue, para nos recordar que nos amastes até vos entregardes a si mesmo por nós (Gl 2,20). Que o nosso olhar nunca se separe do sinal da nossa salvação, erguido no coração do mundo, para que, contemplando-o e crendo em Vós, não nos percamos, mas tenhamos a vida eterna (Jo 3,14-16).

Jesus, sobre os vossos ombros dilacerados pesa o patíbulo ignóbil: por vosso merecimento a cruz torna-se constelação de gemas e a árvore do Paraíso volta a ser árvore da Vida.
R. A Vós louvor e glória para sempre.

Pai nosso...

Quis non posset contristári, / Christi Matrem contemplári, / doléntem cum Filio?

VIII Estação: Jesus é ajudado pelo Cireneu a levar a Cruz

Nós vos adoramos, Senhor Jesus Cristo, e vos bendizemos.
R. Porque pela vossa Santa Cruz remistes o mundo.

Do Evangelho segundo Lucas (Lc 23,26)
Enquanto levavam Jesus, pegaram um certo Simão, de Cirene, que voltava do campo, e impuseram-lhe a cruz para carregá-la atrás de Jesus.


Meditação
Ainda não brilham no céu as primeiras estrelas que anunciam o sábado, mas Simão já regressa para casa do trabalho nos campos. Soldados pagãos, que nada sabem do repouso do sábado, detêm-no. Colocam sobre os seus ombros robustos aquela cruz que outros tinham prometido levar dia após dia atrás de Jesus. Simão não escolhe: recebe uma ordem, sem saber ainda que acolhe um dom. É típico dos pobres nada poder escolher, nem sequer o peso dos próprios sofrimentos. Mas é característico dos pobres ajudar outros pobres, e ali está um mais pobre que Simão: está para ser privado até mesmo da vida. Ajudar sem fazer perguntas, sem demandar porquê: demasiado pesado o peso para o outro, os meus ombros, porém, ainda o regem. E isto basta. Virá o dia em que o mais pobre dos pobres dirá ao companheiro: “Vem, bendito de meu Pai, entra na minha alegria: estava esmagado sob o peso da cruz e tu me aliviaste”.

Oração
Jesus, tomastes resolutamente o caminho que conduz a Jerusalém (Lc 9,51); os vossos sofrimentos vos tornaram o guia dos homens pelo caminho da salvação (Hb 2,10). Sois o nosso precursor pela estrada da vossa Páscoa (Hb 6,20). Vinde em ajuda de todos aqueles que, conscientemente ou constrangidos por fatos obscuros, seguem os vossos passos, Vós que dissestes: “Bem-aventurados os aflitos, porque serão consolados” (Mt 5,4).

Jesus, aliviado do peso da cruz por Simão de Cirene, para que ele, companheiro desconhecido no caminho do sofrimento, se tornasse vosso amigo e hóspede na morada da glória eterna.
R. A Vós louvor e glória para sempre.

Pai nosso...

Tui Nati vulneráti, / tam dignáti pro me pati, / poenas mecum dívide.

IX Estação: Jesus encontra as mulheres de Jerusalém

Nós vos adoramos, Senhor Jesus Cristo, e vos bendizemos.
R. Porque pela vossa Santa Cruz remistes o mundo.

Do Evangelho segundo Lucas (Lc 23,27-31)
Seguia-o uma grande multidão do povo e de mulheres que batiam no peito e choravam por ele. Jesus, porém, voltou-se e disse: “Filhas de Jerusalém, não choreis por mim! Chorai por vós mesmas e por vossos filhos! Porque dias virão em que se dirá: ‘Felizes as mulheres que nunca tiveram filhos, os ventres que nunca deram à luz e os seios que nunca amamentaram’. Então começarão a pedir às montanhas: ‘Caí sobre nós!’ e às colinas: ‘Escondei-nos!’. Porque, se fazem assim com a árvore verde, o que não farão com a árvore seca?”.


Meditação
O cortejo do condenado avança. Como escolta, soldados e um punhado de mulheres em lágrimas, mulheres que subiram da Galileia a Jerusalém com Ele e os discípulos. Conhecem aquele homem. Ouviram a sua palavra de vida, amam-no como mestre e profeta. Esperavam que fosse Ele quem havia de libertar Israel? (Lc 24,21). Não o sabemos, mas agora choram por Aquele homem como se chora por uma pessoa amada, como Ele tinha chorado pelo amigo Lázaro. Ele irmana-as no seu sofrimento, uma nova luz ilumina a dor que sentem. A voz de Jesus fala de juízo, mas chama à conversão; anuncia sofrimentos, mas como as dores de um parto. A madeira verde há de reaver a vida e a madeira seca terá parte nela.

Oração
Jesus, rei glorioso, coroado de espinhos, o rosto coberto de sangue e escarros, ensinai-nos a buscar incessantemente o vosso rosto (Sl 26,8) para que a sua luz ilumine o nosso caminho (Sl 88,16); ensinai-nos a discerni-lo sob os traços do homem ferido pela doença, prostrado pelo desânimo, envilecido pela injustiça. Fazei que estejam impressos nos nossos olhos os traços do vosso rosto amável, de que vossos “irmãos mais pequeninos” (Mt 25,40) são um luminoso reflexo, sacramento da vossa presença no meio de nós.

Jesus, acompanhado até à colina do Calvário por um cortejo de mulheres em lágrimas: elas conheceram o vosso rosto de luz, a vossa palavra de graça.
R. A Vós louvor e glória para sempre.

Pai nosso...

Eia, mater, fons amóris, / me sentíre vim dolóris / fac, ut tecum lúgeam.

X Estação: Jesus é crucificado

Nós vos adoramos, Senhor Jesus Cristo, e vos bendizemos.
R. Porque pela vossa Santa Cruz remistes o mundo.

Do Evangelho segundo Lucas (Lc 23,33.47)
Quando chegaram ao lugar chamado “Calvário”, ali crucificaram Jesus e os malfeitores: um à sua direita e outro à sua esquerda. (...) O oficial do exército romano viu o que acontecera e glorificou a Deus dizendo: “De fato! Este homem era justo!”.


Meditação
Uma colina fora da cidade, um abismo de dor e humilhação. Suspenso entre o céu e a terra está um homem: cravado na cruz, suplício reservado aos amaldiçoados de Deus e dos homens. Junto d’Ele, outros condenados que já não são dignos do nome de homem. E, no entanto, Jesus, que sente o seu espírito a abandoná-lo, não abandona os outros homens, estende os braços para acolher todos, Ele, que já ninguém quer acolher. Desfigurado pela dor, ferido pelos ultrajes, o rosto d’Aquele homem fala ao homem de outra justiça. Derrotado, escarnecido, difamado, Aquele condenado restitui a dignidade a todo homem. A quanta dor pode levar o amor! Por quanto amor, o resgate de toda a dor! “De fato! Este homem era justo!” (Lc 23,47b).

Oração
Jesus, no seio do vosso povo, só um pequenino rebanho, ao qual aprouve ao Pai dar o seu Reino (Lc 12,32), vos reconheceu como Senhor e Salvador, mas o vosso Espírito depressa fará deles testemunhas “em Jerusalém, por toda a Judeia e Samaria, e até aos confins do mundo” (At 1,8). Concedei àqueles que pela terra inteira anunciam a vossa Palavra, ousadia (Fl 1,14) e liberdade (Fm 8) gloriosas, pelas quais o vosso Espírito irrompe com a força da Páscoa e a linguagem da cruz, escândalo aos olhos do mundo, tornando-se sabedoria para aqueles que acreditam (1Cor 1,17ss).

Jesus a vossa morte, oblação pura para que todos tenham vida, revelou a vossa identidade de Filho de Deus e Filho do homem.
R. A Vós louvor e glória para sempre.

Pai nosso...

Fac ut árdeat cor meum / in amándo Christum Deum, / ut sibi compláceam.

XI Estação: Jesus promete o seu Reino ao bom ladrão

Nós vos adoramos, Senhor Jesus Cristo, e vos bendizemos.
R. Porque pela vossa Santa Cruz remistes o mundo.

Do Evangelho segundo Lucas (Lc 23,33-34.39-43)
Quando chegaram ao lugar chamado “Calvário”, ali crucificaram Jesus e os malfeitores: um à sua direita e outro à sua esquerda. Jesus dizia: “Pai, perdoa-lhes! Eles não sabem o que fazem!”. (...) Um dos malfeitores crucificados o insultava, dizendo: “Tu não és o Cristo? Salva-te a ti mesmo e a nós!”. Mas o outro o repreendeu, dizendo: “Nem sequer temes a Deus, tu que sofres a mesma condenação? Para nós, é justo, porque estamos recebendo o que merecemos; mas ele não fez nada de mal”. E acrescentou: “Jesus, lembra-te de mim, quando entrares no teu reinado”. Jesus lhe respondeu: “Em verdade eu te digo: ainda hoje estarás comigo no Paraíso”.


Meditação
O lugar do Calvário, sepulcro de Adão, o primeiro homem, patíbulo de Jesus, o homem novo. O madeiro da cruz, instrumento de morte exibida, arca de perdão concedido. Junto de Jesus, que passou por entre o povo fazendo o bem, dois homens condenados por terem feito o mal. Outros dois tinham pedido para estar um à direita e outro à esquerda de Jesus, declararam-se inclusive dispostos a sofrer o mesmo batismo, a beber do mesmo cálice (Mc 10,38-39). Mas, nesta hora, não estão aqui, outros os precederam no lugar do Calvário. Destes um invoca um Messias que se salve a si mesmo e a eles dois, ali e já; o outro recomenda-se a Jesus para que se lembre dele quando entrar no seu Reino. Quem compartilha as zombarias da multidão não recebe resposta, quem reconhece a inocência de um condenado à morte obtém uma promessa imediata de vida.

Oração
Jesus, amigo dos pecadores e dos publicanos (Mt 9,11; 11,19; Lc 15,1-2), Vós viestes salvar, não os justos, mas os pecadores (Mt 9,13) e quisestes dar-nos a prova do vosso “amor desmedido” (Ef 2,4 - Vulgata) e da abundância da vossa misericórdia, aceitando morrer por nós quando éramos ainda pecadores (Rm 5,8). Pousai sobre nós o vosso olhar de bondade e, depois de termos saboreado a amargura purificadora da humilhação, acolhei-nos nos vossos braços, seguros da misericórdia paterna, e transformai com o vosso perdão a lama do pecado em veste de glória.

Jesus, proclamado inocente por um malfeitor, companheiro de pena: para Vós e para o vosso companheiro chegou a hora de entrar no Reino.
R. A Vós louvor e glória para sempre.

Pai nosso...

Sancta Mater, istud agas, / Crucifíxi fige plagas / cordi meo válide.

XII Estação: Jesus na Cruz, a Mãe e o Discípulo

Nós vos adoramos, Senhor Jesus Cristo, e vos bendizemos.
R. Porque pela vossa Santa Cruz remistes o mundo.

Do Evangelho segundo João (Jo 19,25-27)
Perto da cruz de Jesus, estavam de pé a sua mãe, a irmã da sua mãe, Maria de Cléofas, e Maria Madalena. Jesus, ao ver sua mãe e, ao lado dela, o discípulo que ele amava, disse à mãe: “Mulher, este é o teu filho”. Depois disse ao discípulo: “Esta é a tua mãe”. Daquela hora em diante, o discípulo a acolheu consigo.


Meditação
Em redor da cruz, gritos de ódio; ao pé da cruz, presenças de amor. Está ali, firme, a mãe de Jesus. Com ela, outras mulheres, unidas no amor pelo moribundo. Junto dela, o discípulo amado, não outros. Só o amor soube superar todos os obstáculos, só o amor perseverou até o fim, só o amor gera outro amor. E ali, aos pés da cruz, nasce uma nova comunidade; ali, no lugar da morte, surge um novo espaço de vida: Maria acolhe o discípulo como filho, o discípulo amado acolhe Maria como mãe. Acolheu-a como um dos seus bens mais queridos, tesouro inalienável do qual se fez guardião. Só o amor pode guardar o amor, só o amor é mais forte do que a morte (Ct 8,6).

Oração
Jesus, Filho dileto do Pai, aos tormentos sofridos na cruz junta-se o de ver junto de Vós a vossa Mãe abatida pela dor. Confiamos a Vós a desolação e a revolta dos pais desvairados diante dos sofrimentos ou da morte de um filho; confiamos o desalento de tantos órfãos, de filhos abandonados ou deixados sozinhos. Vós estais presente nos seus sofrimentos como estáveis na cruz, junto da Virgem Maria. Venha o dia do encontro, quando toda a lágrima será enxugada e a alegria não terá fim.

Jesus, moribundo na cruz confiais a Mãe ao Dileto; o Apóstolo virgem à Virgem pura que vos trouxe no seio.
R. A Vós louvor e glória para sempre.

Pai nosso...

Fac me vere tecum flere, / Crucifíxo condolére, / donec ego víxero.

XIII Estação: Jesus morre na Cruz

Nós vos adoramos, Senhor Jesus Cristo, e vos bendizemos.
R. Porque pela vossa Santa Cruz remistes o mundo.

Do Evangelho segundo Lucas (Lc 23,44-46)
Já era mais ou menos meio-dia e uma escuridão cobriu toda a terra até às três horas da tarde, pois o sol parou de brilhar. A cortina do santuário rasgou-se pelo meio, e Jesus deu um forte grito: “Pai, em tuas mãos entrego o meu espírito”. Dizendo isso, expirou.


Meditação
Depois da agonia do Getsêmani, Jesus, na cruz, está de novo diante do Pai. No auge de um sofrimento indizível, Jesus volta-se para Ele, reza a Ele. A sua oração é primeiramente uma súplica de misericórdia para os algozes. Depois, aplicação a si mesmo da palavra profética dos Salmos: manifestação de um sentimento de abandono dilacerante, que chega no momento crucial, quando se experimenta com todo o ser o desespero a que conduz o pecado que separa de Deus. Jesus bebeu até o fim o cálice da amargura. Mas daquele abismo de sofrimento eleva-se um grito que rompe a desolação: “Pai, em tuas mãos entrego o meu espírito” (Lc 23,46). E o sentimento de abandono se transforma em entrega nos braços do Pai; o último respiro do moribundo torna-se grito de vitória; a humanidade, que se afastara na vertigem da autossuficiência, é de novo acolhida pelo Pai.

Oração
Jesus, nosso irmão, com a vossa morte reabristes-nos a estrada que a culpa de Adão fechara. Precedeste-nos no caminho que conduz da morte à vida (Hb 6,20). Tomastes sobre Vós o medo e os tormentos da morte, mudando radicalmente o seu sentido: invertestes o desespero que eles provocam, fazendo da morte um encontro de amor. Confortai aqueles que hoje estão para empreender o mesmo caminho que Vós. Tranquilizai aqueles que procuram evitar o pensamento da morte. E quando chegar também para nós a hora dramática e bendita, acolhei-nos na vossa alegria eterna, não por causa dos nossos méritos, mas em virtude das maravilhas que a vossa graça realiza em nós.

Jesus, ao exalar o último respiro, entregais a vida nas mãos do Pai e derramais sobre a Esposa o dom vivificante do Espírito.
R. A Vós louvor e glória para sempre.

Pai nosso...

Vidit suum dulcem Natum / moriéntem desolátum, / cum emísit spíritum.

XIV Estação: Jesus é depositado no sepulcro

Nós vos adoramos, Senhor Jesus Cristo, e vos bendizemos.
R. Porque pela vossa Santa Cruz remistes o mundo.

Do Evangelho segundo Lucas (Lc 23,50-54)
Havia um homem bom e justo, chamado José, membro do Conselho, o qual não tinha aprovado a decisão nem a ação dos outros membros. Ele era de Arimateia, uma cidade da Judeia, e esperava a vinda do Reino de Deus. José foi ter com Pilatos e pediu o corpo de Jesus. Desceu o corpo da cruz, enrolou-o em um lençol e colocou-o em um túmulo escavado na rocha, onde ninguém ainda tinha sido sepultado. Era o dia da preparação da Páscoa, e o sábado já estava começando.


Meditação
Primeiras luzes do sábado. Aquele que era a luz do mundo desce ao reino das trevas. O corpo de Jesus é engolido pela terra, e com ele é engolida toda a esperança. Mas a sua descida à mansão dos mortos não é uma descida para a morte, mas para a vida. É para reduzir à impotência aquele que detinha o poder da morte, o diabo (Hb 2,14), para destruir o último inimigo do homem, a própria morte (1Cor 15,26), para fazer resplandecer a vida e a imortalidade (2Tm 1,10), para anunciar a boa nova aos espíritos prisioneiros (1Pd 3,19). Jesus desce até alcançar o primeiro casal humano, Adão e Eva, curvados sob o fardo da sua culpa. Jesus estende-lhes a mão e o rosto deles ilumina-se com a glória da ressurreição. O primeiro Adão e o Último são parecidos e reconhecem-se; o primeiro reencontra a própria imagem n’Aquele que havia de vir um dia libertá-lo juntamente com todos os outros (Gn 1,26). Aquele dia finalmente chegou. Agora, em Jesus, cada morte pode, a partir daquele momento, desaguar na vida.

Oração
Jesus, Senhor rico de misericórdia, vos fizestes homem para vos tornar nosso irmão, e, com a vossa morte, vencer a morte. Descestes aos infernos para libertar a humanidade, para fazer-nos novamente viver convosco, ressuscitados, chamados a sentar-se nos Céus junto de Vós (Ef 2,4-6). Bom Pastor, que nos guiais às águas tranquilas, tomai-nos pela mão ao atravessarmos as sombras da morte (Sl 22,2-4), para ficarmos convosco e contemplar eternamente a vossa glória (Jo 17,24).

Jesus, envolvido em um lençol e depositado no sepulcro, esperai que, rolada a pedra, o silêncio da morte seja quebrado pelo júbilo do aleluia perene.
R. A Vós louvor e glória para sempre.

Pai nosso...

Quando corpus moriétur / fac ut ánimae donétur / paradísi glória. Amen.

Meditação do Papa João Paulo II

1. Venit hora! Chegou a hora! A hora do Filho do homem.
Como todos os anos, percorremos a Via Crucis de Cristo diante do Coliseu romano e participamos naquela hora em que se cumpriu a obra da Redenção.
Venit hora crucis! “A hora da passagem deste mundo para o Pai” (Jo 13,1). A hora do sofrimento horrível do Filho de Deus, um sofrimento que, depois de vinte séculos, continua a comover-nos profundamente e a interpelar-nos. O Filho de Deus chegou a esta hora (cf. Jo 12,27) precisamente para dar a vida em benefício dos irmãos. É a hora da oferenda a hora da revelação do amor infinito.

2. Venit hora gloriae! “Chegou a hora de se revelar a glória do Filho do Homem” (Jo 12,23). Eis a hora em que a nós, homens e mulheres de todos os tempos, nos foi concedido o dom do amor mais forte do que a morte. Estamos aos pés da cruz sobre a qual foi crucificado o Filho de Deus, para que, com o poder que o Pai lhe concedeu sobre todos os seres humanos, Ele dê vida eterna a quantos lhe foram confiados (cf. Jo 17,2).
Não é porventura um dever, nesta hora, prestar glória a Deus Pai “que não poupou sequer o seu próprio Filho, mas O entregou por todos nós” (Rm 8,32)?
Não chegou porventura o tempo de glorificar o Filho que “se rebaixou a si mesmo, tornando-se obediente até à morte e morte de cruz” (Fl 2,7)?
Como não glorificar o Espírito d’Aquele que ressuscitou Cristo dos mortos e habita agora em nós para dar a vida também aos nossos corpos mortais? (cf. Rm 8,11).

3. Esta hora do Filho do homem, que vivemos Sexta-Feira Santa, permaneça na nossa mente e nos nossos corações como a hora do amor e da glória.
O mistério da Via Crucis do Filho de Deus seja para todos fonte inesgotável de esperança. Conforte-nos e fortifique-nos também quando chegar a nossa hora.
Venit hora redemptionis. Glorificemus Redemptorem! Amém.

Bênção Apostólica



Imagens: Ícones realizados pelo artista Michael Pervan para a igreja de Santa Maria em Wellsford (Nova Zelândia). Fonte: His Kingdom. 

Confira outros modelos de meditações em nossa postagem sobre a história da Via Sacra presidida pelo Papa no Coliseu.

2 comentários:

  1. Bom dia! Acompanho sempre suas postagens. Sou da Pastoral Litúrgica e é sempre enriquecedor as informações que você nos apresenta. Cada dia amo mais a nossa Igreja pela riqueza dos seus ritos.
    Mas tem uma pergunta. Acredito que sei a resposta, mas estou insegura e gostaria da sua orientação. O nosso vigário celebra uma ano de Ordenação Sacerdotal, no 3o. Domingo da Quaresma, pode ser utilizada as Orações Próprias do Missal para o Aniversário da Própria Ordenação?
    Eu, acredito. que não. Mas devido a insistência de outros integrantes da pastoral de fazer de outra maneira. Achei por bem perguntar.
    Não consultei o nosso padre por ser uma surpresa para ele.

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    1. Muito obrigado pela sua mensagem.
      A Missa no aniversário da própria ordenação é uma das Missas para diversas circunstâncias. De acordo com a Instrução Geral do Missal Romano (n. 372) essas Missas são sempre proibidas nos domingos da Quaresma. Nesse caso devem ser utilizadas sempre as orações e leituras do III Domingo da Quaresma.
      Continue nos acompanhando.

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