Nesta postagem resgatamos de maneira retrospectiva a Homilia do Papa Bento XVI (†2022) no Domingo de Ramos e da Paixão do Senhor de 2011:
Domingo de Ramos e da Paixão do Senhor (Ano A)
26ª Jornada Mundial da Juventude
Homilia do Papa Bento XVI
Praça de São Pedro
Domingo, 17 de abril de 2011
Amados irmãos e irmãs,
Queridos jovens!
A mesma emoção
se apodera de nós em cada ano, no Domingo de Ramos, quando subimos na companhia
de Jesus o monte para o santuário, quando o acompanhamos pelo caminho que leva
para o alto. Neste dia, ao longo dos séculos, por toda a face da terra, jovens
e pessoas de todas as idades aclamam-no gritando: «Hosana ao Filho de Davi!
Bendito o que vem em nome do Senhor!».
Mas, quando nos
integramos em tal procissão - na multidão daqueles que subiam com Jesus a
Jerusalém e o aclamavam como rei de Israel -, verdadeiramente o que é que
fazemos? É algo mais do que uma cerimônia, do que um louvável costume?
Porventura terá a ver com a verdadeira realidade da nossa vida, do nosso mundo?
Para encontrar a resposta, temos antes de tudo esclarecer o que é que o próprio
Jesus realmente quis e fez. Depois da profissão de fé que Pedro fizera em
Cesareia de Filipe, no extremo norte da Terra Santa, Jesus encaminhara-se como
peregrino na direção de Jerusalém para as festividades da Páscoa. Caminha para
o templo na Cidade Santa, para aquele lugar que, de modo particular, garantia a
Israel que Deus estava próximo do seu povo. Caminha para a festa comunitária da
Páscoa, memorial da libertação do Egito e sinal da esperança na libertação
definitiva. Jesus sabe que o espera uma Páscoa nova, e que Ele mesmo tomará o
lugar dos cordeiros imolados, oferecendo-se a si mesmo na Cruz. Sabe que, nos
dons misteriosos do pão e do vinho, se dará para sempre aos seus, lhes abrirá a
porta para um novo caminho de libertação, para a comunhão com o Deus vivo. Ele
caminha para a altura da Cruz, para o momento do amor que se dá. O termo último
da sua peregrinação é a altura do próprio Deus, até à qual Ele quer elevar o
ser humano.
Assim, a nossa
procissão de hoje quer ser imagem de algo mais profundo, imagem do fato de que
nos encaminhamos em peregrinação, juntamente com Jesus, pelo caminho alto que
leva ao Deus vivo. É desta subida que se trata: tal é o caminho a que Jesus nos
convida. Mas, nesta subida, como podemos andar no mesmo passo que Ele?
Porventura não ultrapassa as nossas forças? Sim, está acima das nossas próprias
possibilidades. Desde sempre - e hoje ainda mais - os homens nutrem o desejo de
«ser como Deus»; de alcançar, eles mesmos, a altura de Deus. Em todas as
invenções do espírito humano, em última análise, procura-se conseguir asas para
poder elevar-se à altura do Ser divino, para se tornar independentes,
totalmente livres, como o é Deus. A humanidade pôde realizar tantas coisas:
somos capazes de voar; podemos ver-nos uns aos outros, ouvir e falar entre nós
de um extremo do mundo para o outro. E, todavia, a força de gravidade que nos
puxa para baixo é poderosa. A par das nossas capacidades, não cresceu apenas o
bem; cresceram também as possibilidades do mal, que se levantam como
tempestades ameaçadoras sobre a história. E perduram também os nossos limites:
basta pensar nas catástrofes que, nestes meses, afligiram e continuam a afligir
a humanidade.
Os Padres
disseram que o homem está colocado no ponto de intersecção de dois campos de
gravidade. Temos, por um lado, a força de gravidade que puxa para baixo: para o
egoísmo, para a mentira e para o mal; a gravidade que nos rebaixa e afasta da
altura de Deus. Por outro lado, há a força de gravidade do amor de Deus:
sabermo-nos amados por Deus e a resposta do nosso amor puxam-nos para o alto. O
homem encontra-se no meio desta dupla força de gravidade, e tudo depende de
conseguir livrar-se do campo de gravidade do mal e ficar livre para se deixar
atrair totalmente pela força de gravidade de Deus, que nos torna verdadeiros,
nos eleva, nos dá a verdadeira liberdade.
Depois da
Liturgia da Palavra, logo no início da Oração Eucarística, durante a qual o
Senhor entra no meio de nós, a Igreja dirige-nos este convite: «Sursum corda!
- Corações ao alto!». O coração, segundo a concepção bíblica e na visão dos
Padres, é aquele centro do homem onde se unem o intelecto, a vontade e o
sentimento, o corpo e a alma; é aquele centro onde o espírito se torna corpo e
o corpo se torna espírito, onde vontade, sentimento e intelecto se unem no
conhecimento de Deus e no amor a Ele. Este «coração» deve ser elevado. Mas,
também aqui, sozinhos somos demasiado frágeis para elevar o nosso coração até à
altura de Deus; não somos capazes disso. É precisamente a soberba de podermos
fazê-lo sozinhos que nos puxa para baixo e afasta de Deus. O próprio Deus tem
de puxar-nos para o alto; e foi isto que Cristo começou a fazer na Cruz. Desceu
até à humilhação extrema da existência humana, a fim de nos puxar para o alto
rumo a Ele, rumo ao Deus vivo. Jesus humilhou-se: diz hoje a 2ª leitura. Só
assim podia ser superada a nossa soberba: a humildade de Deus é a forma extrema
do seu amor, e este amor humilde atrai para o alto.
O salmo
processional que a Igreja nos propõe como «cântico de subida» para a Liturgia
de hoje (Sl 23) indica alguns elementos concretos, que pertencem à nossa
subida e sem os quais não podemos ser elevados para o alto: as mãos inocentes,
o coração puro, a rejeição da mentira, a procura do rosto de Deus. As grandes
conquistas da técnica só nos tornam livres e são elementos de progresso da
humanidade se forem acompanhadas por estas atitudes: se as nossas mãos se
tornarem inocentes e o coração puro, se permanecermos à procura da verdade, à
procura do próprio Deus e nos deixarmos tocar e interpelar pelo seu amor. Mas
todos estes elementos da subida só serão úteis, se reconhecermos com humildade
que devemos ser puxados para o alto, se abandonarmos a soberba de querermos,
nós mesmos, fazer-nos Deus. Temos necessidade d’Ele: Deus puxa-nos para o alto;
permanecer apoiados pelas suas mãos - isto é, na fé - dá-nos a orientação justa
e a força interior que nos eleva para o alto. Temos necessidade da humildade da
fé, que procura o rosto de Deus e se entrega à verdade do seu amor.
A questão de
saber como pode o homem chegar ao alto, tornar-se plenamente ele mesmo e
verdadeiramente semelhante a Deus, ocupou desde sempre a humanidade. Foi objeto
de apaixonada discussão pelos filósofos platônicos dos séculos III e IV. A sua
pergunta central era esta: como encontrar meios de purificação pelos quais o
homem pudesse libertar-se do gravoso peso que o puxa para baixo e elevar-se à
altura do seu verdadeiro ser, à altura da divindade. Santo Agostinho, na sua
busca do reto caminho, durante certo período procurou apoio em tais filosofias.
Mas, no fim, teve de reconhecer que a sua resposta não era suficiente, que ele,
com tais métodos, não chegaria verdadeiramente a Deus. Disse aos seus
representantes: Reconhecei, pois, que não basta a força do homem e de todas as
suas purificações para levá-lo verdadeiramente à altura do divino, à altura que
lhe é condigna. E disse que teria desesperado de si mesmo e da existência
humana se não tivesse encontrado Aquele que faz o que nós mesmos não podemos
fazer, Aquele que nos eleva à altura de Deus, apesar da nossa miséria: Jesus Cristo,
que desceu de junto de Deus até nós e, no seu amor crucificado, nos toma pela
mão e nos conduz ao alto.
Com o Senhor,
caminhamos, peregrinos, para o alto. Andamos à procura do coração puro e das
mãos inocentes, andamos à procura da verdade, procuramos o rosto de Deus.
Manifestamos ao Senhor o desejo de nos tornar justos e pedimos-lhe: Atraí-nos para
o alto! Tornai-nos puros! Fazei que se cumpra em nós a palavra do salmo
processional que cantamos, ou seja, que possamos pertencer à geração dos que
procuram Deus, «que procuram a face do Deus de Jacó» (Sl 23,6). Amém.
Fonte: Santa Sé.
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