Santa Missa e Canonização de 14 Beatos
Homilia do Papa Francisco
Praça de São Pedro
Domingo, 20 de outubro de 2024
Observação: Foi celebrada a Missa do XXIX Domingo do Tempo Comum (Ano B).
Jesus pergunta a Tiago e a João: «O que quereis que Eu vos faça?»
(Mc 10,36). E logo a seguir, desafia-os: «Podeis beber o cálice que
Eu vou beber? Podeis ser batizados com o batismo com que vou ser batizado?» (v.
38). Jesus faz perguntas e, deste modo, ajuda-nos a discernir, porque as
perguntas fazem-nos descobrir o que há dentro de nós, iluminam o que trazemos
no coração e, às vezes, não sabemos.
Deixemo-nos interpelar pela Palavra do Senhor. Imaginemos que Ele
nos pergunta a cada um de nós: «O que queres que faça por ti?»; e a segunda
pergunta: «Podes beber o meu cálice?».
Com estas perguntas, Jesus faz emergir o vínculo e as expectativas
que os discípulos nutrem para com ele, com as luzes e sombras próprias de
qualquer relação. Com efeito, Tiago e João estão ligados a Jesus, mas têm
pretensões. Manifestam o desejo de estar perto d’Ele, mas apenas para ocupar um
lugar de honra, para desempenhar um papel importante, para “na sua glória, sentar-se
um à sua direita e outro à sua esquerda” (v. 37). Torna-se evidente que pensam
em Jesus como Messias, um Messias vitorioso, glorioso, e esperam que Ele
partilhe a sua glória com eles. Veem em Jesus o Messias, mas pensam n’Ele
segundo a lógica do poder.
Jesus não se detém nas palavras dos discípulos, mas vai mais
fundo, escuta e lê o coração de cada um deles e também o de cada um de nós. E
durante o diálogo, por meio de duas perguntas, procura trazer à tona o desejo
que está por dentro daqueles pedidos.
Primeiro, pergunta: «O que quereis que Eu vos faça?»; e esta
interrogação revela os pensamentos dos seus corações, traz à luz as
expectativas escondidas e os sonhos de glória que os discípulos cultivam
secretamente. É como se Jesus perguntasse: “Quem queres que Eu seja para ti?”
E, assim, desmascara o que eles realmente desejam: um Messias poderoso e
vitorioso que lhes dê um lugar de honra. Às vezes, na Igreja surge este
pensamento: a honra, o poder...
Depois, com a segunda pergunta, Jesus desmente esta imagem de
Messias e ajuda-os, deste modo, a mudar de olhar, isto é, a converterem-se:
«Podeis beber o cálice que Eu vou beber e receber o batismo com que vou ser batizado?».
Revela-lhes, desta maneira, que não é o Messias que eles imaginam; é o Deus de
amor, que se abaixa para chegar aos que estão em baixo; que se faz fraco para
levantar os fracos; que trabalha pela paz e não pela guerra; que veio para
servir e não para ser servido. O cálice que o Senhor vai beber é a oferta da
sua vida, é a sua vida dada a cada um de nós por amor, até à morte e morte de
cruz.
E, portanto, à sua direita e à sua esquerda estarão dois ladrões,
suspensos na cruz como Ele e não instalados confortavelmente em lugares de
poder; dois ladrões pregados com Cristo na dor e não sentados na glória. O rei
crucificado, o justo condenado torna-se escravo de todos: este é
verdadeiramente o Filho de Deus! (cf. Mc 15,39). Vence
não quem domina, mas quem serve por amor. Repitamo-lo: Vence não quem domina,
mas quem serve por amor. É o que nos recorda também a Carta aos Hebreus:
«Não temos um Sumo Sacerdote que não possa compadecer-se das nossas fraquezas,
pois Ele foi provado em tudo como nós» (Hb 4,15).
Neste momento, Jesus pode ajudar os discípulos a se converterem, a
mudarem de mentalidade: «Vós sabeis que os chefes das nações as oprimem e os
grandes as tiranizam» (Mc 10,42). Mas não deve ser assim para
aqueles que seguem um Deus que se fez servo a fim de chegar a todos com o seu
amor. Quem segue Cristo, se quiser ser grande deve servir, aprendendo d’Ele.
Irmãos e irmãs, Jesus revela os pensamentos, os desejos e as
previsões do nosso coração, desmascarando por vezes as nossas expectativas de
glória, domínio, poder e vaidade. Ele ajuda-nos a pensar já não segundo os
critérios do mundo, mas segundo o estilo de Deus, que se faz último para que os
últimos sejam erguidos e se tornem os primeiros. Muitas vezes estas perguntas
de Jesus, com o seu ensinamento sobre o serviço, são incompreensíveis, são tão
incompreensíveis para nós como o eram para os discípulos. Porém, seguindo-o,
percorrendo os seus passos e acolhendo o dom do seu amor que transforma a nossa
maneira de pensar, também nós podemos aprender o estilo de Deus: o
serviço. Não esqueçamos as três palavras que levam a identificar o estilo
de Deus para o serviço: proximidade, compaixão e ternura. Deus faz-se próximo
para servir, faz-se compassivo para servir e faz-se terno para servir.
Proximidade, compaixão e ternura...
É a isto que devemos aspirar: não ao poder, mas ao serviço. O
serviço é o estilo de vida cristão. Não se trata de uma lista de coisas a
fazer, como se, uma vez realizadas, pudéssemos considerar terminado o nosso
turno. Quem serve com amor não diz: “Agora toca a outro”. Este é um pensamento
de empregados, não de testemunhas. O serviço nasce do amor e o amor não conhece
fronteiras, não faz cálculos, mas se gasta e se doa. O amor não se limita a
produzir para ter resultados, nem é uma prestação ocasional; é algo que nasce
do coração, um coração renovado pelo amor e no amor.
Quando aprendemos a servir, cada gesto de atenção e cuidado, cada
expressão de ternura, cada obra de misericórdia torna-se um reflexo do amor de
Deus. E assim, todos e cada um de nós, continuamos a obra de Jesus no mundo.
Sob esta luz podemos recordar os discípulos do Evangelho que hoje
são canonizados. Ao longo da história conturbada da humanidade, foram servos
fiéis, homens e mulheres que serviram no martírio e na alegria, como o Frei
Manuel Ruiz López e seus companheiros, Mártires de Damasco. Trata-se de sacerdotes e consagradas com
o fervor da paixão missionária, como o Padre Giuseppe Allamano, a Irmã
Marie-Léonie Paradis e a Irmã Elena Guerra. Estes novos santos viveram o estilo
de Jesus: o serviço. A fé e o apostolado que realizaram não alimentaram neles
desejos mundanos e avidez de poder; pelo contrário, eles fizeram-se servidores
dos seus irmãos, criativos em fazer o bem, firmes nas dificuldades, generosos
até ao fim.
Supliquemos com confiança a sua intercessão, para que também nós
possamos seguir Cristo, segui-lo no serviço, e nos tornarmos testemunhas de
esperança para o mundo.
Fonte: Santa Sé.
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