sexta-feira, 4 de outubro de 2024

Homilia do Papa: Abertura do Sínodo dos Bispos (2024)

Santa Missa da Memória dos Santos Anjos da Guarda
Abertura da XVI Assembleia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos (2ª Sessão)
Homilia do Papa Francisco 
Praça de São Pedro
Quarta-feira, 02 de outubro de 2024

Celebramos hoje a Memória litúrgica dos Santos Anjos da Guarda e reabrimos a Sessão Plenária do Sínodo dos Bispos. E, ao escutar o que nos sugere a Palavra de Deus, poderíamos tomar como ponto de partida para a nossa reflexão três imagens: a voz, o refúgio e a criança.

Primeiro, a voz. No caminho para a Terra Prometida, Deus aconselha o povo a escutar a “voz do anjo” que Ele enviou (cf. Ex 23,20-22). É uma imagem que nos toca de perto, porque o Sínodo é também um caminho, durante o qual o Senhor coloca nas nossas mãos a história, os sonhos e as esperanças de um grande Povo: de irmãs e irmãos nossos espalhados pelo mundo, animados pela mesma fé, movidos pelo mesmo desejo de santidade, no sentido de procurarmos compreender, com eles e para eles, qual a estrada a seguir para chegar onde Ele quer nos levar. Mas como podemos nós escutar a “voz do anjo”?


Um modo possível é certamente nos aproximarmos com respeito e atenção, na oração e à luz da Palavra de Deus, a todos os contributos recolhidos ao longo destes três anos de trabalho, partilha, confronto de ideias e paciente esforço de purificação da mente e do coração. Trata-se, com a ajuda do Espírito Santo, de escutar e compreender as vozes, ou seja, as ideias, as expectativas, as propostas, para discernir juntos a voz de Deus que fala à Igreja (cf. Renato Corti, Quale prete? Appunti inediti). Como repetidamente temos recordado, esta não é uma assembleia parlamentar, mas um lugar de escuta em comunhão, onde, como diz São Gregório Magno, aquilo que alguém tem em si parcialmente, possui-o completamente outro, e embora alguns tenham dons particulares, tudo pertence aos irmãos na “caridade do Espírito” (cf. Homilias sobre os Evangelhos, XXXIV).

Para que isso aconteça, há uma condição: libertarmo-nos de tudo o que, em nós e entre nós, pode impedir à “caridade do Espírito” criar harmonia na diversidade. Todo aquele que, com arrogância, presume e pretende a exclusividade na escuta da voz do Senhor, não consegue ouvi-la (cf. Mc 9,38-39)Cada palavra deve ser acolhida com gratidão e simplicidade, para se tornar eco do que Deus deu em benefício dos irmãos (cf. Mt 10,7-8). Muito concretamente, tenhamos o cuidado de não transformar os nossos contributos em teimosias a defender ou agendas a impor, mas ofereçamo-los como dons a partilhar, dispostos também a sacrificar o que é particular, se isso servir para juntos fazermos nascer algo novo, segundo o projeto de Deus. Caso contrário, acabaremos por nos fechar em um diálogo de surdos, onde cada um tenta “puxar água para o seu moinho” sem ouvir os outros e, sobretudo, sem ouvir a voz do Senhor.

A solução para os problemas a enfrentar não a temos nós, mas Ele (cf. Jo 14,6), e recordemos que no deserto não se brinca: se alguém, presumindo-se autossuficiente, não presta atenção ao guia, pode morrer de fome e de sede, arrastando também consigo os outros. Portanto, escutemos a voz de Deus e do seu anjo, se realmente quisermos prosseguir em segurança o nosso caminho para além dos limites e das dificuldades (cf. Sl 22,4).

E isto leva-nos à segunda imagem: o refúgio. O símbolo é o das asas protetoras: «debaixo das suas asas encontrarás refúgio» (Sl 90,4). As asas são instrumentos poderosos, com os seus movimentos vigorosos podem levantar um corpo do chão. Mas, mesmo sendo tão fortes, podem também abaixar-se e recolher-se, tornando-se um escudo e um ninho acolhedor para os filhos pequenos, necessitados de calor e proteção.

Isto simboliza o que Deus faz por nós, mas é também um modelo a imitar, especialmente neste tempo de assembleia. Entre nós, queridos irmãos e irmãs, há muitas pessoas fortes, bem preparadas, capazes de se elevarem às alturas com os movimentos vigorosos de reflexões e intuições brilhantes. Tudo isto é uma riqueza, que nos estimula, impulsiona e por vezes obriga a pensar mais abertamente e a avançar com decisão, mas também nos ajuda a permanecer firmes na fé mesmo perante desafios e dificuldades. Com coração aberto, com coração em diálogo. Um coração fechado nas suas próprias convicções não pertence ao Espírito do Senhor, não é do Senhor. A abertura é um dom que, em tempo oportuno, deve ser unido à capacidade de descontrair os músculos e de inclinar-se, de modo que cada um possa se oferecer aos outros como um abraço acolhedor e um lugar de abrigo, para ser, como dizia São Paulo VI, «uma casa... de irmãos, uma oficina de intensa atividade, um cenáculo de ardente espiritualidade» (Discurso ao Conselho da Presidência da CEI, 09 de maio de 1974).

Aqui, cada um se sentirá tanto mais livre de se exprimir espontânea e abertamente, quanto mais sentir à sua volta a presença de amigos que o amam, respeitam, apreciam e desejam ouvir o que tem para dizer.

E isto, para nós, não é apenas uma técnica para “facilitar” o diálogo (é verdade que no Sínodo há “facilitadores”, mas estão para nos ajudarem a prosseguir melhor...) ou uma dinâmica de comunicação de grupo: efetivamente, abraçar, proteger e cuidar faz parte da própria natureza da Igreja. Abraçar, proteger e cuidar. A Igreja, por vocação, é um lugar hospitaleiro de encontro, onde «a caridade colegial exige uma harmonia perfeita, da qual resulta a sua força moral, a sua beleza espiritual e a sua exemplaridade» (ibid.). “Harmonia” é uma palavra muito importante. Não se trata de maioria ou de minoria. Isto pode ser um primeiro passo, mas o que importa, o que é fundamental é a harmonia, a harmonia que só o Espírito Santo pode fazer. Ele é o mestre da harmonia, que com tantas diferenças, com tantas vozes diferentes, é capaz de criar uma só voz. Pensemos como, na manhã de Pentecostes, o Espírito criou harmonia nas diferenças. A Igreja tem necessidade de «lugares de paz e abertura», a serem criados principalmente nos corações, onde cada um se sinta acolhido como uma criança nos braços da mãe (cf. Is 49,15; 66,13) e como um menino levantado até o rosto do seu pai (cf. Os 11,4; Sl 102,13).

E assim chegamos à terceira imagem: a criança. É o próprio Jesus, no Evangelho, que a “coloca no meio”, que a mostra aos discípulos, convidando-os a converter-se e a se tornarem pequenos como ela. Tinham-lhe perguntado quem era o maior no Reino dos céus e Ele responde encorajando-os a se tornarem pequenos como uma criança. E acrescenta que quem acolher uma criança em seu nome, acolhe a Ele mesmo (cf. Mt 18,1-5).

E para nós este paradoxo é fundamental. O Sínodo, dada a sua importância, de certo modo pede-nos para sermos “grandes” - na mente, no coração, nas visões -, porque os temas a tratar são “grandes” e delicados, e os cenários em que se inserem são amplos, universais. Mas, precisamente por isso, não podemos deixar de olhar para a criança que Jesus continua a colocar no centro dos nossos encontros e das nossas mesas de trabalho, para nos recordar que a única maneira de estar “à altura” da tarefa que nos foi confiada é abaixando-nos, fazendo-nos pequenos e acolhendo-nos uns aos outros como tal, com humildade. Na Igreja, o mais alto é aquele que mais se abaixa.

Recordemos que é precisamente fazendo-se pequeno que Deus «demonstra o que é a verdadeira grandeza, aliás, o que quer dizer ser Deus» (Bento XVI, Homilia na Festa do Batismo do Senhor, 11 de janeiro de 2009). Não é por acaso que Jesus diz que os anjos das crianças «veem constantemente a face do meu Pai que está no Céu» (Mt 18,10): elas são como que um “telescópio” do amor do Pai.

Irmãos e irmãs, retomemos este caminho eclesial com o olhar voltado para o mundo, porque a comunidade cristã está sempre a serviço da humanidade, para anunciar a todos a alegria do Evangelho. É necessário fazê-lo, sobretudo nesta hora dramática da nossa história, enquanto os ventos da guerra e os fogos da violência continuam a devastar povos e nações inteiras (...).

Caminhemos juntos, escutemos o Senhor e deixemo-nos guiar pela brisa do Espírito.


Fonte: Santa Sé.

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