Há 16 anos, no dia 07 de abril de 2008, o Papa Bento XVI (†2022) presidia uma Celebração da Palavra em honra dos novos mártires do século XX na Basílica de São Bartolomeu na Ilha Tiberina.
Enquanto nos preparamos para renovar essa celebração dos novos mártires durante o Jubileu Ordinário de 2025, reproduzimos a seguir sua homilia na ocasião:
Memória dos Mártires Cristãos do Século XX
Homilia do Papa Bento XVI
Basílica de São Bartolomeu na Ilha Tiberina
Segunda-feira, 07 de abril de 2008
Queridos irmãos e irmãs,
Podemos
considerar este nosso encontro na Basílica de São Bartolomeu na Ilha Tiberina
como uma peregrinação à memória dos mártires do século XX, numerosos homens e
mulheres, conhecidos e desconhecidos, que ao longo do século XX derramaram o
seu sangue pelo Senhor. Uma peregrinação guiada pela Palavra de Deus que, como
lâmpada para os nossos passos, luz sobre o nosso caminho (cf. Sl 118,105), ilumina com a sua luz a vida
de cada crente. Este templo foi propositadamente destinado pelo meu Predecessor João Paulo II a ser lugar da
memória dos mártires do século XX e por ele foi confiado à Comunidade de Santo
Egídio, que este ano dá graças ao Senhor pelo quadragésimo aniversário do seu
início. Saúdo com afeto os Senhores Cardeais e os Bispos que quiseram participar
nesta Liturgia. Saúdo o Prof. Andrea Riccardi, fundador da Comunidade de Santo
Egídio, e agradeço-lhe as palavras que me dirigiu; saúdo o Prof. Marco
Impagliazzo, Presidente da Comunidade, o Assistente, Dom Matteo Zuppi, assim
como Dom Vincenzo Paglia, Bispo de Terni-Narni-Amelia.
Neste lugar
cheio de memórias perguntamo-nos: por que estes nossos irmãos mártires não
procuraram salvar a qualquer preço o bem insubstituível da vida? Por que
continuaram a servir a Igreja, apesar das graves ameaças e intimidações? Nesta Basílica,
onde estão conservadas as relíquias do Apóstolo Bartolomeu e onde se veneram os
restos de Santo Adalberto, sentimos ressoar o eloquente testemunho de quantos,
não só ao longo do século passado, mas desde o início da Igreja, vivendo o amor,
ofereceram no martírio a sua vida a Cristo. No ícone colocado sobre o
altar-mor, que representa algumas destas testemunhas da fé, sobressaem as
palavras do Apocalipse: “Estes são os que vieram da grande tribulação” (Ap 7,13). Ao ancião que pergunta quem são
e de onde vêm os que estão vestidos de branco, é respondido que são os que “lavaram
as suas vestes e as alvejaram no sangue do Cordeiro” (ibid.). É uma resposta à primeira vista
estranha. Mas na linguagem cifrada do Vidente de Patmos isto contém uma
referência clara à cândida chama do amor que levou Cristo a derramar o seu
sangue por nós. Em virtude daquele sangue fomos purificados. Amparados por essa
chama também os mártires derramaram o seu sangue e purificaram-se no amor: no
amor de Cristo que os tornou capazes de se sacrificarem por sua vez no amor.
Jesus disse: “Ninguém tem maior amor do que aquele que dá a vida pelos seus
amigos” (Jo 15,13). Cada testemunha da fé vive
este amor “maior” e, a exemplo do Mestre divino, está pronto a sacrificar a
vida pelo Reino. Deste modo tornamo-nos amigos de Cristo; assim conformamo-nos
com Ele, aceitando o sacrifício até ao extremo, sem pôr limites ao dom do amor
e ao serviço da fé.
Detendo-se em
frente dos seis altares, que recordam os cristãos vítimas da violência
totalitária do comunismo, do nazismo, os que foram mortos na América, na Ásia e
na Oceania, na Espanha e no México, na África, repercorremos idealmente muitas
vicissitudes dolorosas do século passado. Muitos morreram no cumprimento da
missão evangelizadora da Igreja: o seu sangue misturou-se com o dos cristãos
autóctones aos quais foi comunicada a fé. Outros, muitas vezes em condições de
minoria, foram mortos por ódio à fé. Por fim muitos foram imolados por não
abandonar os necessitados, os pobres, os fiéis que lhes estavam confiados, não
temendo ameaças nem perigos. São Bispos, sacerdotes, religiosos e religiosas,
fiéis leigos. São tantos! O Servo de Deus João Paulo II, na Celebração Ecumênica
jubilar para os novos mártires, realizada a 07
de maio de 2000 no Coliseu, disse
que estes nossos irmãos e irmãs na fé constituem como que um grande afresco da
humanidade cristã do século XX, um afresco de bem-aventuranças, vivido até o
derramamento de sangue. E costumava repetir que o testemunho de Cristo até o derramamento
do sangue fala com voz mais forte do que as divisões do passado.
É verdade:
aparentemente parece que a violência, os totalitarismos, a perseguição, a
brutalidade cega se revelam mais fortes, fazendo silenciar a voz das
testemunhas da fé, que podem humanamente parecer derrotadas pela história. Mas
Jesus Ressuscitado ilumina o seu testemunho e compreendemos assim o sentido do
martírio. Afirma a propósito Tertuliano: “Plures
efficimur quoties metimur a vobis: sanguis martyrum semen christianorum” - “Nós multiplicamo-nos todas as vezes que somos ceifados por vós: o sangue dos mártires é semente de novos cristãos” (Apologeticum, 50, 13). Na derrota, na humilhação de
quantos sofrem por causa do Evangelho, age uma força que o mundo não conhece: “Quando
me sinto fraco - exclama São Paulo - é então que sou forte” (2Cor 12,10). É a força do amor, inerme e
vitorioso também na derrota aparente. É a força que desafia e vence a morte.
Também este
século XXI iniciou no sinal do martírio. Quando os cristãos são verdadeiramente
fermento, luz e sal da terra, tornam-se também eles, como aconteceu com Jesus,
objeto de perseguições; como Ele são “sinal de contradição” (cf. Lc 2,34).
A convivência fraterna, o amor, a fé, as opções a favor dos mais pequeninos e
pobres, que marcam a existência da Comunidade cristã, suscitam por vezes uma
repulsa violenta. Como é útil então olhar para o testemunho luminoso de quem
nos precedeu no sinal de uma fidelidade heroica até ao martírio! E nesta antiga
Basílica, graças aos cuidados da Comunidade de Santo Egídio, é conservada e
venerada a memória de tantas testemunhas da fé que foram vítimas em tempos
recentes. Queridos amigos da Comunidade de Santo Egídio, olhando para estes
heróis da fé, esforçai-vos também vós por imitar a coragem e a perseverança no
serviço ao Evangelho, especialmente entre os pobres. Sede construtores de paz e
de reconciliação entre quantos são inimigos ou se combatem. Alimentai a vossa
fé com a escuta e a meditação da palavra de Deus, com a oração quotidiana, com
a participação ativa na Santa Missa. A amizade autêntica com Cristo será fonte
do vosso amor recíproco. Amparados pelo seu Espírito, podereis contribuir para
a construção de um mundo mais fraterno. A Virgem Santa, Rainha dos Mártires,
vos ampare e ajude a serdes autênticas testemunhas de Cristo. Amém!
Basílica de São Bartolomeu na Ilha Tiberina Note-se o ícone dos novos mártires no altar-mor |
Fonte: Santa Sé.
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