“Para mim, o viver é
Cristo” (Fl 1,21).
Nas últimas postagens da nossa série sobre a leitura litúrgica dos livros da Sagrada Escritura começamos a analisar a presença da Carta de São Paulo aos Filipenses (Fl)
nas celebrações do Rito Romano.
Após uma breve introdução, analisamos sua leitura sob o
critério da composição harmônica (sintonia com o tempo ou a festa litúrgica). Para acessar, clique aqui: 1ª parte / 2ª parte / 3ª parte.
Agora nos cabe contemplar o outro critério de seleção dos textos bíblicos: a
leitura semicontínua.
3. Leitura litúrgica
da Carta aos Filipenses: Leitura
semicontínua
Segundo o n. 66 do Elenco
das Leituras da Missa (ELM),
a leitura semicontínua consiste na proclamação dos principais textos de um
livro na sequência, oferecendo aos fiéis um contato mais amplo com a Palavra de
Deus [1].
a) Celebração
Eucarística
Na Celebração Eucarística, as Cartas
Paulinas são lidas de maneira semicontínua tanto nos domingos quanto nos
dias de semana do Tempo Comum (cf.
ELM, nn. 107.110) [2].
No ciclo dominical, a Carta
aos Filipenses é proclamada como
2ª leitura do XXV ao XXVIII Domingo do Tempo Comum no Ano
A, entre a Carta aos Romanos e a Primeira Carta aos Tessalonicenses:
XXV Domingo: Fl 1,20c-24.27a;
XXVI Domingo: Fl 2,1-11 (Forma
breve: Fl 2,1-5);
XXVII Domingo: Fl 4,6-9;
XXVIII Domingo: Fl 4,12-14.19-20
[3].
Nos dias feriais do Tempo Comum,
por sua vez, a Carta é lida da sexta-feira da XXX semana ao sábado da XXXI
semana do Tempo Comum no ano par, após a leitura da Carta aos Efésios e antes das Cartas
a Tito e a Filêmon.
Trata-se aqui de uma leitura
substancial da Carta, sendo omitidos poucos textos, como podemos ver a seguir:
XXX semana do Tempo Comum
(Ano par):
Sexta-feira: Fl
1,1-11;
Sábado: Fl
1,18b-26.
XXXI semana do Tempo
Comum (Ano par):
Segunda-feira: Fl
2,1-4;
Terça-feira: Fl
2,5-11;
Quarta-feira: Fl
2,12-18;
Quinta-feira: Fl
3,3-8a;
Sexta-feira: Fl
3,17–4,1;
Sábado: Fl
4,10-19 [4].
Vale destacar ainda os dois textos da Carta propostos como
versículos de aclamação ao Evangelho no Tempo Comum:
- “Como astros no mundo vós resplandeceis, mensagem de
vida ao mundo anunciando...” (Fl 2,15d.16a): XXIX Domingo (Ano A), VIII
Domingo (Ano C), sexta-feira da X semana e segunda-feira da XXXII semana [5];
- “Em tudo considero como perda e lixo, a fim de ganhar
Cristo e ser achado n’Ele” (Fl 3,8-9): Quarta-feira da XXVI semana e
quinta-feira da XXIX semana [6].
b) Liturgia das Horas
Na Liturgia das Horas
a Carta aos Filipenses é lida na
íntegra no Ofício das Leituras da XXVI semana
do Tempo Comum, entre a leitura do Livro de Ezequiel e da Primeira
Carta a Timóteo.
Ofício das Leituras:
XXVI semana do Tempo Comum
Domingo: Fl
1,1-11 - “Saudação e ação de
graças”;
Segunda-feira: Fl
1,12-26 - “Paulo citado em juízo”;
Terça-feira: Fl
1,27–2,11 - “Apelo à imitação de
Cristo”;
Quarta-feira: Fl
2,12-30 - “Trabalhai na vossa
salvação”;
Quinta-feira: Fl
3,1-16 - “O exemplo de Paulo”;
Sexta-feira: Fl
3,17–4,9 - “Permanecei firmes no
Senhor”;
Sábado: Fl
4,10-23 - “Generosidade dos
filipenses para com Paulo”
[7].
No ciclo bienal do Ofício das Leituras, que
infelizmente ainda não foi traduzido para o Brasil, os mesmos textos da Carta
são lidos na X semana do Tempo Comum no ano par, após a Carta aos Gálatas e antes de um bloco de leituras de profetas pós-exílicos (Esdras,
Ageu e Zacarias 1–8, Neemias) [8].
Além das leituras longas do Ofício, temos ainda três leituras
breves de Filipenses nas
Laudes e na Hora Média de três das quatro semanas do Saltério.
- Hora Média (9h) da
sexta-feira da I semana do Saltério: Fl 2,2b-4 [9], a exortação à
unidade e à humildade;
- Laudes do sábado da
III semana do Saltério: Fl 2,14-15 [10], Paulo adverte contra a
murmuração;
- Hora Média (15h) do
sábado da IV semana do Saltério: Fl 4,8.9b [11], exortação a
praticar “o que é verdadeiro, respeitável, justo, puro, amável, honroso...”.
Vale recordar que os salmos organizados nestas quatro semanas são entoados ao longo de todo o ano, mas as leituras são proferidas apenas no Tempo Comum, dado que o Advento, o Natal, a Quaresma e a Páscoa possuem leituras próprias.
Batistério de Santa Lídia em Filipos (Com cenas da vida de Paulo, incluindo sua estadia na cidade) |
4. Leitura litúrgica da
Carta aos Filipenses: Cântico (Fl
2,6-11)
Como vimos nas postagens
anteriores, o texto de Fl 2,6-11 é um importantíssimo “hino
cristológico” da comunidade cristã primitiva. Como indica a Introdução Geral da Liturgia das Horas,
os “hinos” ou “cânticos” do Novo Testamento são entoados nas Vésperas (oração
da tarde): “São indicados sete cânticos, um para cada dia da semana” (n. 136) [12],
intercalando-se os hinos das Cartas Paulinas e os Apocalipse.
O hino de Fl 2,6-11, por sua referência central ao
Mistério Pascal, é colocado no lugar eminente das I Vésperas dos domingos [13], celebradas ao pôr-do-sol do sábado,
quando se inicia a celebração da “Páscoa semanal”.
O cântico é intitulado “Cristo,
o Servo de Deus” e foi enriquecido com um refrão facultativo, adaptado do próprio
texto: “Jesus Cristo é Senhor para a
glória de Deus Pai!” (v. 11).
Além das I Vésperas dos domingos, o cântico é prescrito
ainda em outras sete celebrações:
- I Vésperas da
Solenidade do Natal do Senhor, na tarde do dia 24 de dezembro [14]. Neste
contexto destacam-se os temas da preexistência de Cristo e da Encarnação (vv.
6-7), como ilustra a antífona: “Hoje o
Verbo Divino, gerado pelo Pai já bem antes dos tempos, humilhou-se a si mesmo
e, por nós, se fez homem”.
- Vésperas da
Sexta-feira da Paixão e do Sábado Santo [15], enfatizando, naturalmente, a kenosis (rebaixamento) de Cristo “até à morte humilhante numa cruz” (v. 8)
e à sepultura.
- II Vésperas da
Solenidade do Sagrado Coração de Jesus [16], uma vez que nesta Solenidade
celebramos o amor de Deus expresso até o extremo (cf. Jo 13,1), particularmente no seu Mistério Pascal.
- I Vésperas da Festa da Apresentação do Senhor, quando a Festa cai no domingo [17]. Aqui o
sentido é análogo ao do Natal: celebrar a humildade do Cristo que se dignou
assumir a nossa humanidade.
- I Vésperas da
Solenidade da Anunciação do Senhor [18], também como no Natal, inclusive
com a mesma antífona que celebra a preexistência do Verbo e sua Encarnação.
- I Vésperas da Festa da Exaltação da Santa Cruz, quando a Festa cai no domingo [19]. Como na
Sexta-feira Santa, a ênfase recai sobre a obediência de Cristo até a morte de
cruz, comparada à árvore da vida. Vale aqui a leitura do hino como paralelo
entre Adão e Cristo, isto é, entre desobediência e obediência. A antífona do
cântico retoma outro texto paulino: “Nós
devemos gloriar-nos na Cruz de Jesus Cristo” (cf. Gl 6,14).
- Vésperas do Ofício
dos Defuntos, recitado no dia 02 de novembro e quando a comunidade celebra
a morte de um de seus membros [20]. Aqui o cântico faz a síntese do Mistério Pascal
na sua totalidade, Morte-Ressurreição de Cristo, do qual também nós
participamos, como indica a antífona: “Como
o Pai ressuscita e dá a vida, assim o Filho dá a vida aos que o amam” (cf. Jo 5,21).
Tríptico: Natividade, Crucificação e Ressurreição (Seguidor de Hans Memling) |
Encerramos assim nosso estudo da leitura da Carta de São
Paulo aos Filipenses nas celebrações litúrgicas do Rito Romano. Nas próximas postagens daremos continuidade à proposta analisando outra das “Cartas do
cativeiro” atribuídas ao Apóstolo: a Carta aos Colossenses.
Notas:
[1] cf. ALDAZÁBAL,
José. A Mesa da Palavra I: Elenco das
Leituras da Missa - Texto e Comentário. São Paulo: Paulinas, 2007, p. 76.
[2] cf. ibid., pp. 104-105.
[3] LECIONÁRIO I: Dominical A-B-C. Tradução portuguesa da 2ª
edição típica para o Brasil. São
Paulo: Paulus, 1994.
[4] LECIONÁRIO II: Semanal. Tradução portuguesa da 2ª edição
típica para o Brasil. São Paulo:
Paulus, 1995.
[5] LECIONÁRIO I, op. cit.; LECIONÁRIO II, op. cit.
[6] LECIONÁRIO II, op. cit.
[7] OFÍCIO DIVINO. Liturgia
das Horas segundo o Rito Romano. Tradução para o Brasil da segunda edição
típica. São Paulo: Paulus, 1999, vol. IV, pp. 270.274.277.280.284.287.290.
[8] Fonte: Dei Verbum.
[9] OFÍCIO DIVINO, vol. III, p. 729; vol. IV, p. 683.
[10] ibid., vol. III, p. 1021; vol. IV, p.
975.
[11] ibid., vol. III, p. 1158; vol. IV, p.
1112.
[12] ALDAZÁBAL, José. Instrução
Geral sobre a Liturgia das Horas - Texto e Comentário. São Paulo: Paulinas,
2010, p. 83.
[13] OFÍCIO DIVINO, vol. I, pp. 615.706.803.901; vol. II, pp. 977.1081.1195.1299; vol.
III, pp. 618.751.892.1029; vol. IV, pp. 572.705.846.983.
[14] ibid., vol. I, p. 354.
[15] ibid., vol. II, pp. 431.456.
[16] ibid., vol.
III, p. 578.
[17] ibid., vol.
III, p. 1228.
[18] ibid., vol. II, p. 1497.
[19] ibid., vol. IV, p. 1262.
[20] ibid., vol. I, p. 1404; vol. II, p. 1958; vol.
III, p. 1782; vol. IV, p. 1794.
Imagens: Wikimedia Commons.
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