quarta-feira, 4 de setembro de 2024

Leitura litúrgica da Carta aos Filipenses (4)

“Para mim, o viver é Cristo” (Fl 1,21).

Nas últimas postagens da nossa série sobre a leitura litúrgica dos livros da Sagrada Escritura começamos a analisar a presença da Carta de São Paulo aos Filipenses (Fl) nas celebrações do Rito Romano.

Após uma breve introdução, analisamos sua leitura sob o critério da composição harmônica (sintonia com o tempo ou a festa litúrgica). Para acessar, clique aqui: 1ª parte / 2ª parte / 3ª parte.

Agora nos cabe contemplar o outro critério de seleção dos textos bíblicos: a leitura semicontínua.

Escultura de Jesus Cristo na Alemanha
(Na base está escrito o texto de Fl 1,21)

3. Leitura litúrgica da Carta aos Filipenses: Leitura semicontínua

Segundo o n. 66 do Elenco das Leituras da Missa (ELM), a leitura semicontínua consiste na proclamação dos principais textos de um livro na sequência, oferecendo aos fiéis um contato mais amplo com a Palavra de Deus [1].

a) Celebração Eucarística

Na Celebração Eucarística, as Cartas Paulinas são lidas de maneira semicontínua tanto nos domingos quanto nos dias de semana do Tempo Comum (cf. ELM, nn. 107.110) [2].

No ciclo dominical, a Carta aos Filipenses é proclamada como 2ª leitura do XXV ao XXVIII Domingo do Tempo Comum no Ano A, entre a Carta aos Romanos e a Primeira Carta aos Tessalonicenses:
XXV Domingo: Fl 1,20c-24.27a;
XXVI Domingo: Fl 2,1-11 (Forma breve: Fl 2,1-5);
XXVII Domingo: Fl 4,6-9;
XXVIII Domingo: Fl 4,12-14.19-20 [3].

Nos dias feriais do Tempo Comum, por sua vez, a Carta é lida da sexta-feira da XXX semana ao sábado da XXXI semana do Tempo Comum no ano par, após a leitura da Carta aos Efésios e antes das Cartas a Tito e a Filêmon.

Trata-se aqui de uma leitura substancial da Carta, sendo omitidos poucos textos, como podemos ver a seguir:

XXX semana do Tempo Comum (Ano par):
Sexta-feira: Fl 1,1-11;
Sábado: Fl 1,18b-26.

XXXI semana do Tempo Comum (Ano par):
Segunda-feira: Fl 2,1-4;
Terça-feira: Fl 2,5-11;
Quarta-feira: Fl 2,12-18;
Quinta-feira: Fl 3,3-8a;
Sexta-feira: Fl 3,17–4,1;
Sábado: Fl 4,10-19 [4].

Vale destacar ainda os dois textos da Carta propostos como versículos de aclamação ao Evangelho no Tempo Comum:

- “Como astros no mundo vós resplandeceis, mensagem de vida ao mundo anunciando...” (Fl 2,15d.16a): XXIX Domingo (Ano A), VIII Domingo (Ano C), sexta-feira da X semana e segunda-feira da XXXII semana [5];

- “Em tudo considero como perda e lixo, a fim de ganhar Cristo e ser achado n’Ele” (Fl 3,8-9): Quarta-feira da XXVI semana e quinta-feira da XXIX semana [6].

Papiro com um trecho da Carta aos Filipenses

b) Liturgia das Horas

Na Liturgia das Horas a Carta aos Filipenses é lida na íntegra no Ofício das Leituras da XXVI semana do Tempo Comum, entre a leitura do Livro de Ezequiel e da Primeira Carta a Timóteo.

Ofício das Leituras: XXVI semana do Tempo Comum
Domingo: Fl 1,1-11 - “Saudação e ação de graças”;
Segunda-feira: Fl 1,12-26 - “Paulo citado em juízo”;
Terça-feira: Fl 1,27–2,11 - “Apelo à imitação de Cristo”;
Quarta-feira: Fl 2,12-30 - “Trabalhai na vossa salvação”;
Quinta-feira: Fl 3,1-16 - “O exemplo de Paulo”;
Sexta-feira: Fl 3,17–4,9 - “Permanecei firmes no Senhor”;
Sábado: Fl 4,10-23 - “Generosidade dos filipenses para com Paulo” [7].

No ciclo bienal do Ofício das Leituras, que infelizmente ainda não foi traduzido para o Brasil, os mesmos textos da Carta são lidos na X semana do Tempo Comum no ano par, após a Carta aos Gálatas e antes de um bloco de leituras de profetas pós-exílicos (Esdras, AgeuZacarias 1–8, Neemias) [8].

Além das leituras longas do Ofício, temos ainda três leituras breves de Filipenses nas Laudes e na Hora Média de três das quatro semanas do Saltério.

- Hora Média (9h) da sexta-feira da I semana do Saltério: Fl 2,2b-4 [9], a exortação à unidade e à humildade;

- Laudes do sábado da III semana do Saltério: Fl 2,14-15 [10], Paulo adverte contra a murmuração;

- Hora Média (15h) do sábado da IV semana do Saltério: Fl 4,8.9b [11], exortação a praticar “o que é verdadeiro, respeitável, justo, puro, amável, honroso...”.

Vale recordar que os salmos organizados nestas quatro semanas são entoados ao longo de todo o ano, mas as leituras são proferidas apenas no Tempo Comum, dado que o Advento, o Natal, a Quaresma e a Páscoa possuem leituras próprias.

Batistério de Santa Lídia em Filipos
(Com cenas da vida de Paulo, incluindo sua estadia na cidade)

4. Leitura litúrgica da Carta aos Filipenses: Cântico (Fl 2,6-11)

Como vimos nas postagens anteriores, o texto de Fl 2,6-11 é um importantíssimo “hino cristológico” da comunidade cristã primitiva. Como indica a Introdução Geral da Liturgia das Horas, os “hinos” ou “cânticos” do Novo Testamento são entoados nas Vésperas (oração da tarde): “São indicados sete cânticos, um para cada dia da semana” (n. 136) [12], intercalando-se os hinos das Cartas Paulinas e os Apocalipse.

O hino de Fl 2,6-11, por sua referência central ao Mistério Pascal, é colocado no lugar eminente das I Vésperas dos domingos [13], celebradas ao pôr-do-sol do sábado, quando se inicia a celebração da “Páscoa semanal”.

O cântico é intitulado “Cristo, o Servo de Deus” e foi enriquecido com um refrão facultativo, adaptado do próprio texto: “Jesus Cristo é Senhor para a glória de Deus Pai!” (v. 11).

Além das I Vésperas dos domingos, o cântico é prescrito ainda em outras sete celebrações:

- I Vésperas da Solenidade do Natal do Senhor, na tarde do dia 24 de dezembro [14]. Neste contexto destacam-se os temas da preexistência de Cristo e da Encarnação (vv. 6-7), como ilustra a antífona: “Hoje o Verbo Divino, gerado pelo Pai já bem antes dos tempos, humilhou-se a si mesmo e, por nós, se fez homem”.

- Vésperas da Sexta-feira da Paixão e do Sábado Santo [15], enfatizando, naturalmente, a kenosis (rebaixamento) de Cristo “até à morte humilhante numa cruz” (v. 8) e à sepultura.

- II Vésperas da Solenidade do Sagrado Coração de Jesus [16], uma vez que nesta Solenidade celebramos o amor de Deus expresso até o extremo (cf. Jo 13,1), particularmente no seu Mistério Pascal.

- I Vésperas da Festa da Apresentação do Senhor, quando a Festa cai no domingo [17]. Aqui o sentido é análogo ao do Natal: celebrar a humildade do Cristo que se dignou assumir a nossa humanidade.

- I Vésperas da Solenidade da Anunciação do Senhor [18], também como no Natal, inclusive com a mesma antífona que celebra a preexistência do Verbo e sua Encarnação.

- I Vésperas da Festa da Exaltação da Santa Cruz, quando a Festa cai no domingo [19]. Como na Sexta-feira Santa, a ênfase recai sobre a obediência de Cristo até a morte de cruz, comparada à árvore da vida. Vale aqui a leitura do hino como paralelo entre Adão e Cristo, isto é, entre desobediência e obediência. A antífona do cântico retoma outro texto paulino: “Nós devemos gloriar-nos na Cruz de Jesus Cristo” (cf. Gl 6,14).

- Vésperas do Ofício dos Defuntos, recitado no dia 02 de novembro e quando a comunidade celebra a morte de um de seus membros [20]. Aqui o cântico faz a síntese do Mistério Pascal na sua totalidade, Morte-Ressurreição de Cristo, do qual também nós participamos, como indica a antífona: “Como o Pai ressuscita e dá a vida, assim o Filho dá a vida aos que o amam” (cf. Jo 5,21).

Tríptico: Natividade, Crucificação e Ressurreição
(Seguidor de Hans Memling)

Encerramos assim nosso estudo da leitura da Carta de São Paulo aos Filipenses nas celebrações litúrgicas do Rito Romano. Nas próximas postagens daremos continuidade à proposta analisando outra das “Cartas do cativeiro” atribuídas ao Apóstolo: a Carta aos Colossenses.

Notas:
[1] cf. ALDAZÁBAL, José. A Mesa da Palavra I: Elenco das Leituras da Missa - Texto e Comentário. São Paulo: Paulinas, 2007, p. 76.
[2] cf. ibid., pp. 104-105.
[3] LECIONÁRIO I: Dominical A-B-C. Tradução portuguesa da 2ª edição típica para o Brasil. São Paulo: Paulus, 1994.
[4] LECIONÁRIO II: Semanal. Tradução portuguesa da 2ª edição típica para o Brasil. São Paulo: Paulus, 1995.
[5] LECIONÁRIO I, op. cit.; LECIONÁRIO II, op. cit.
[6] LECIONÁRIO II, op. cit.
[7] OFÍCIO DIVINO. Liturgia das Horas segundo o Rito Romano. Tradução para o Brasil da segunda edição típica. São Paulo: Paulus, 1999, vol. IV, pp. 270.274.277.280.284.287.290.
[8] Fonte: Dei Verbum.
[9] OFÍCIO DIVINO, vol. III, p. 729; vol. IV, p. 683.
[10] ibid., vol. III, p. 1021; vol. IV, p. 975.
[11] ibid., vol. III, p. 1158; vol. IV, p. 1112.
[12] ALDAZÁBAL, José. Instrução Geral sobre a Liturgia das Horas - Texto e Comentário. São Paulo: Paulinas, 2010, p. 83.
[13] OFÍCIO DIVINO, vol. I, pp. 615.706.803.901; vol. II, pp. 977.1081.1195.1299; vol. III, pp. 618.751.892.1029; vol. IV, pp. 572.705.846.983.
[14] ibid., vol. I, p. 354.
[15] ibid., vol. II, pp. 431.456.
[16] ibid., vol. III, p. 578.
[17] ibid., vol. III, p. 1228.
[18] ibid., vol. II, p. 1497.
[19] ibid., vol. IV, p. 1262.
[20] ibid., vol. I, p. 1404; vol. II, p. 1958; vol. III, p. 1782; vol. IV, p. 1794.

Imagens: Wikimedia Commons.

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