Viagem Apostólica à Indonésia, Papua Nova Guiné, Timor-Leste e Singapura
Santa Missa
Homilia do Papa Francisco
Estádio “Gelora Bung Karno” (Jacarta, Indonésia)
Quinta-feira, 05 de setembro de 2024
Observação: Foram proferidas as leituras do dia (quinta-feira da XXII semana do Tempo Comum), sendo a homilia do Papa centrada no Evangelho (Lc 5,1-11).
O encontro com Jesus convoca-nos a viver duas atitudes
fundamentais, que nos permitem tornarmo-nos seus discípulos. A primeira
atitude: escutar a Palavra; a segunda: viver a Palavra.
Primeiro escutar, porque tudo nasce da escuta, da abertura a Ele, do
acolhimento do dom precioso da sua amizade. Mas depois é importante viver a
Palavra recebida, para não sermos meros ouvintes que se enganam a si mesmos (cf. Tg 1,22)
e para não corrermos o risco de escutar apenas com os ouvidos, sem que a
semente da Palavra desça ao coração e mude o nosso modo de pensar, sentir e
agir. Isso não é bom. A Palavra que nos é dada e que escutamos pede para se
tornar vida, para transformar a vida e para ser encarnada na nossa vida.
Estas duas atitudes essenciais, escutar a Palavra e viver
a Palavra, podemos contemplá-las no Evangelho que acabou de ser proclamado
(Lc 5,1-11).
Primeiramente, escutar a Palavra. O evangelista conta
que muitas pessoas acorriam a Jesus e que a multidão se comprimia à volta dele
«para ouvir a palavra de Deus» (v. 1). Procuravam-no, tinham fome e sede da
Palavra do Senhor, que ouviam ressoar nas palavras de Jesus. Por isso, este
episódio, que se repete tantas vezes no Evangelho, diz-nos que o coração do
homem está sempre à procura de uma verdade que possa aplacar e alimentar o seu
desejo de felicidade; que não podemos contentar-nos apenas com as palavras
humanas, os critérios deste mundo e os juízos terrenos; precisamos sempre de
uma luz do alto para iluminar os nossos passos, de uma água viva que possa
irrigar os desertos da alma, de uma consolação que não desiluda porque provém
do céu e não das coisas passageiras deste mundo. Perante o entorpecimento e a
vaidade das palavras humanas, faz falta, irmãos e irmãs, a Palavra de
Deus, a única que é bússola para o nosso caminho e é capaz de, no meio de
tantas feridas e perplexidades, nos reconduzir ao verdadeiro sentido da vida.
Irmãos e irmãs, não esqueçamos disto: a primeira tarefa do
discípulo - todos nós somos discípulos! - não é vestir o hábito de uma
religiosidade exteriormente perfeita, fazer coisas extraordinárias ou
envolver-se em projetos grandiosos. Não! Pelo contrário, a primeira tarefa, o
primeiro passo consiste em saber escutar a única Palavra que salva, que é a de
Jesus, como podemos ver no episódio evangélico, o Mestre sobe para a barca de
Pedro a fim de se afastar um pouco da margem e, assim, pregar melhor ao povo (v.
3). A nossa vida de fé começa quando, acolhendo humildemente Jesus na barca da
nossa vida, lhe damos espaço, escutamos a sua Palavra e deixamo-nos interpelar,
estremecer e transformar por ela.
Ao mesmo tempo, irmãos e irmãs, a Palavra do Senhor pede para ser
encarnada concretamente em nós: somos, portanto, chamados a viver a
Palavra. Simplesmente repetir a Palavra, sem vivê-la, faz-nos ser como
papagaios: pronuncio-a, sim, mas não a compreendo, não a vivo. Na verdade,
quando terminou de pregar às multidões a partir da barca, Jesus dirige-se a
Pedro, exortando-o a arriscar e a apostar nesta Palavra: «Avança para águas
mais profundas, e lançai vossas redes para a pesca» (v. 4). A Palavra do Senhor
não pode permanecer uma linda ideia abstrata ou suscitar apenas a emoção de um
momento; ela exige que mudemos o olhar, que deixemos o coração transformar-se à
imagem do Coração de Cristo; a Palavra chama-nos a lançar corajosamente as
redes do Evangelho no meio do mar do mundo, “correndo o risco”, sim, correndo o
risco de levar à prática o amor que Ele nos ensinou e viveu em primeiro lugar.
Irmãos e irmãs, também a nós o Senhor, com a força ardente da sua Palavra, pede
para nos fazermos ao mar, para sairmos das margens paradas dos maus hábitos,
dos medos e da mediocridade, para ousarmos uma vida nova. A mediocridade agrada
ao diabo! Porque entra em nós e nos arruína.
Claro que existem sempre obstáculos e desculpas no sentido de
dizermos “não”; mas olhemos de novo para a atitude de Pedro: tinha vindo de uma
noite difícil, em que não tinha apanhado nada, estava arrasado, cansado,
desiludido; e, no entanto, em vez de ficar paralisado naquele vazio e bloqueado
pelo seu próprio fracasso, diz: «Mestre, nós trabalhamos a noite inteira e nada
pescamos. Mas, em atenção à tua palavra, vou lançar as redes» (v. 5). Em
atenção à tua palavra, vou lançar as redes. E então se dá o inaudito: o
milagre de uma barca que se enche de peixes a ponto de quase afundar (v. 7).
Irmãos e irmãs, perante as muitas tarefas da nossa vida
quotidiana; perante o apelo, que todos sentimos, de construir uma sociedade
mais justa, de avançar no caminho da paz e do diálogo - aquele caminho que aqui
na Indonésia foi traçado há muito tempo -, podemos por vezes julgar-nos
inadequados, sentir o peso de tanto esforço que nem sempre dá os frutos
esperados, ou o peso dos nossos erros que parecem impedir o caminho. Mas, com a
mesma humildade e fé de Pedro, também a nós é pedido para não ficarmos
prisioneiros dos nossos fracassos. Trata-se de uma coisa muito má, porque os
fracassos apanham-nos e podemos nos tornar seus prisioneiros. Não! Por favor,
não fiquemos prisioneiros dos nossos fracassos! Em vez de permanecermos com os
olhos fixos nas nossas redes vazias, olhemos para Jesus e confiemos n’Ele. Não
olhes para as tuas redes vazias; olha para Jesus, olha para Jesus! Ele te fará
caminhar, Ele te fará andar bem. Confia n’Ele! Podemos sempre arriscar,
fazendo-nos ao mar e lançando de novo as redes, mesmo depois de termos
atravessado a noite do fracasso, o tempo da desilusão, em que não pescamos
nada. Agora farei um pequeno momento de silêncio e cada um de vós vai pensar
nos seus próprios fracassos. [Pausa] Olhando para estes fracassos,
arrisquemos, avancemos com a coragem da Palavra de Deus.
Santa Teresa de Calcutá, cuja Memória celebramos hoje, que se
dedicou incansavelmente aos mais pobres e se tornou uma promotora da paz e do
diálogo, costumava dizer: “Quando nada tivermos para dar, demos esse nada. E
lembra-te: nunca te canses de semear, mesmo se não vieres nada a colher”. Irmão
e irmã, nunca te canses de semear, porque isto é vida.
É exatamente isto, irmãos e irmãs, que eu gostaria de dizer também
a vós, a esta nação, a este arquipélago maravilhoso e variado: não vos canseis
de partir para o alto-mar nem vos canseis de lançar as redes; não vos canseis
de sonhar nem de construir de novo uma civilização de paz! Ousai sempre o sonho
da fraternidade, que é um verdadeiro tesouro entre vós. Com a Palavra do Senhor
vos encorajo a semear o amor, a percorrer com confiança o caminho do diálogo, a
praticar continuamente a vossa bondade e amabilidade com o sorriso que vos
caracteriza. Já vos disseram que sois um povo sorridente? Não percais o
sorriso, por favor, e segui em frente! E sede construtores de paz. Sede
construtores de esperança!
É este o desejo recentemente expresso pelos Bispos do vosso país,
e é o voto que também eu gostaria de formular a todo o povo indonésio: caminhar
juntos para o bem da sociedade e da Igreja! Sede construtores de esperança.
Escutai bem: sede construtores de esperança! Daquela esperança do Evangelho que
não desilude (Rm 5,5), nunca desilude, e abre a uma alegria sem
fim. Muito obrigado!
Fonte: Santa Sé.
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