A 85ª e última Catequese do Papa São João Paulo II sobre Jesus Cristo foi dedicada aos frutos da Ascensão do Senhor.
Para acessar a postagem com a introdução e os links para todas as Catequeses, clique aqui.
Catequeses do Papa João Paulo II sobre o Creio
CREIO EM JESUS CRISTO
85. Os frutos da Ascensão
João Paulo II - 19 de abril de 1989
1. O anúncio de Pedro no primeiro
discurso pentecostal em Jerusalém é eloquente e solene: “A esse Jesus, Deus o ressuscitou,
e disso nós todos somos testemunhas. E agora, exaltado à direita de Deus,
Ele recebeu o Espírito Santo que fora prometido pelo Pai e o derramou”
(At 2,32-33); “Portanto, que toda a casa de Israel reconheça com
plena certeza: a esse Jesus, a quem vós crucificastes, Deus o constituiu
Senhor e Cristo” (v. 36). Essas palavras, dirigidas à multidão composta pelos
habitantes daquela cidade e pelos peregrinos vindos de diversas partes para a festa,
proclamam a elevação de Cristo, Crucificado e Ressuscitado, “à direita de Deus”.
A “elevação”, ou seja, a Ascensão ao céu, significa a participação de
Cristo homem no poder e autoridade do próprio Deus. Tal participação no
poder e autoridade de Deus Uno e Trino se manifesta no “envio” do
Consolador, o Espírito da verdade, o qual, “recebendo” (cf. Jo 16,14)
da redenção realizada por Cristo, opera a conversão dos corações humanos. Tanto
é verdade que já naquele dia, em Jerusalém, “quando ouviram isso, ficaram com o
coração comovido” (At 2,37). E sabe-se que em poucos dias ocorreram
milhares de conversões.
O Ressuscitado é glorificado pelos anjos no céu (Fra Angelico) |
2. Com o conjunto dos eventos pascais,
aos quais se refere o Apóstolo Pedro no discurso de Pentecostes, Jesus é revelado
definitivamente como Messias enviado pelo Pai e como Senhor.
A consciência de que Ele
é “o Senhor” entrou de alguma forma na mente dos Apóstolos já durante a atividade
pré-pascal de Cristo. Ele mesmo alude a este fato na Última Ceia: “Vós me chamais
de Mestre e Senhor, e dizeis bem, porque Eu o sou” (Jo 13,13).
Isto explica porque os evangelistas falam de Cristo “Senhor” como um dado comumente
admitido nas comunidades cristãs. Lucas, em particular, põe esse termo já na
boca do anjo que anuncia o nascimento de Jesus aos pastores: “Nasceu para vós o
Salvador, que é o Cristo Senhor!” (Lc 2,11), e em vários outros
lugares usa o mesmo apelativo (cf. Lc 7,13; 10,1.41; 11,39;
12,42; 13,15; 17,6; 22,61). Mas é certo que o conjunto dos eventos pascais
consolidou definitivamente essa consciência. À luz desses eventos, a palavra
“Senhor” deve ser lida também em referência à vida e atividade anterior do Messias.
No entanto, é preciso aprofundar sobretudo o conteúdo e o significado que a palavra
possui no contexto da elevação e da glorificação de Cristo Ressuscitado,
na sua Ascensão ao céu.
3. Uma das afirmações mais
repetidas nas Cartas Paulinas é que Cristo é o Senhor. É conhecida a
passagem da Primeira Carta aos Coríntios onde Paulo proclama: “Para
nós há um só Deus, o Pai, do qual tudo provém e para o qual existimos; e
um só Senhor, Jesus Cristo, pelo qual tudo existe e nós igualmente
existimos” (1Cor 8,6; cf. 16,22; Rm 10,9; Cl 2,6).
E a passagem da Carta aos Filipenses, onde Paulo apresenta Cristo como
Senhor, o qual, humilhado até a morte, também foi exaltado, “para que, ao nome
de Jesus, todo joelho se dobre no céu, na terra e abaixo da
terra, e toda língua confesse: Jesus Cristo é o Senhor, para glória de Deus
Pai” (Fl 2,10-11).
Mas Paulo enfatiza que “ninguém
será capaz de dizer: ‘Jesus é Senhor’, a não ser pelo Espírito Santo” (1Cor 12,3).
Portanto, “sob a ação do Espírito Santo” também o Apóstolo Tomé diz
a Cristo, que apareceu a ele depois da Ressurreição: “Meu Senhor e meu Deus!” (Jo 20,28).
E o mesmo se deve dizer do diácono Estêvão, que durante o apedrejamento
reza: “Senhor Jesus, acolhe o meu espírito... Senhor, não lhes atribua este
pecado” (At 7,59-60).
O Apocalipse, por fim,
conclui o ciclo da história sagrada e da Revelação com a invocação da Esposa e
do Espírito: “Vem, Senhor Jesus!” (Ap 22,20).
É o mistério da ação do Espírito
Santo “vivificante” que introduz continuamente nos corações a luz para reconhecer
Cristo, a graça para interiorizar em nós a vida, a força para proclamar que Ele
- e só Ele - é “o Senhor”.
4. Jesus Cristo é o Senhor
porque possui a plenitude do poder “no céu e na terra”. É o poder
real “acima de todo Principado, Potestade, Poder e Dominação... Deus
pôs tudo debaixo de seus pés” (Ef 1,21-22). Ao mesmo tempo é a
autoridade sacerdotal da qual fala amplamente a Carta aos Hebreus,
fazendo referência ao Salmo 109: “Tu és sacerdote para sempre, segundo a ordem
de Melquisedec” (Hb 5,6; cf. Sl 109,4). Este sacerdócio eterno
de Cristo comporta o poder de santificação, de modo que
Cristo “tornou-se causa de salvação eterna para todos os que lhe obedecem” (Hb 5,9).
“Por isso, Ele tem poder ilimitado para salvar aqueles que, por seu intermédio,
se aproximam de Deus, pois vive sempre para interceder por eles” (Hb 7,25).
Também na Carta aos Romanos lemos que Cristo “está à direita de
Deus, intercedendo por nós” (Rm 8,34). E, por fim, São João nos assegura:
“Se alguém pecar, temos junto do Pai um Paráclito: Jesus Cristo, o
Justo” (1Jo 2,1).
5. Como Senhor, Cristo
é a Cabeça da Igreja, que é seu Corpo. É a ideia central de São Paulo no grande
quadro cósmico-histórico-soteriológico com o qual ele descreve o conteúdo do desígnio
eterno de Deus nos primeiros capítulos das Cartas aos Efésios e aos
Colossenses: “Deus pôs tudo debaixo de seus pés e o constituiu acima de
tudo, como Cabeça da Igreja, que é o seu Corpo, a plenitude d’Aquele que se
plenifica em todas as coisas” (Ef 1,22); “Pois Deus quis fazer habitar
n’Ele toda a plenitude” (Cl 1,19): n’Ele “habita, corporalmente,
toda a plenitude da divindade” (Cl 2,9).
Os Atos dizem que Cristo
“adquiriu” a Igreja “com seu sangue” (At 20,28; cf. 1Cor 6,20).
Também Jesus, quando, ao partir para o Pai, disse aos discípulos: “Estou convosco
todos os dias, até o fim dos tempos” (Mt 28,20), na realidade anunciava
o mistério desse Corpo que d’Ele haure continuamente as energias
vivificantes da redenção. E a redenção continua atuando como efeito da glorificação
de Cristo.
É verdade que Cristo sempre
foi “o Senhor”, desde o primeiro momento da Encarnação, como Filho de Deus,
consubstancial al Pai, que se fez homem por nós. Mas certamente tornou-se plenamente
“o Senhor” pelo fato de que Ele “humilhou-se (esvaziou-se), fazendo-se
obediente até a morte - e morte de cruz” (Fl 2,8). Elevado na cruz,
elevado ao céu e glorificado, cumprindo assim toda a sua missão, Ele permanece no
Corpo da sua Igreja na terra por meio da redenção realizada em cada um e em
toda a sociedade por obra do Espírito Santo. A redenção é a fonte da
autoridade que Cristo, em virtude do Espírito Santo, exerce sobre a
Igreja, como lemos na Carta aos Efésios: “A alguns Ele concedeu
serem Apóstolos; a outros, profetas; a outros, evangelistas; a outros, pastores
e mestres, para capacitar os santos para a obra do ministério, para a edificação
do Corpo de Cristo... à estatura do Cristo em sua plenitude” (Ef 4,11-13).
6. Na expansão da realeza que lhe foi
concedida sobre toda a economia da salvação, Cristo é Senhor de todo o
cosmos. Outro grande quadro da Carta aos Efésios nos diz: “Aquele
que desceu é o mesmo que subiu acima de todos os céus, a fim de tudo completar”
(Ef 4,10). Na Primeira Carta aos Coríntios, São
Paulo acrescenta que tudo lhe foi submetido: “Deus submeteu tudo a seus pés”,
o que “evidentemente não inclui Aquele que lhe submeteu todas as coisas” (1Cor 15,27).
E o Apóstolo desenvolve este pensamento, escrevendo: “Quando tudo lhe estiver submetido,
então o próprio Filho se submeterá Àquele que lhe submeteu todas as coisas, para
que Deus seja tudo em todos” (v. 28). “A seguir, será o fim, quando Ele
entregar o Reino a Deus Pai, depois de destruir todo Principado, Potestade e
Poder” (v. 24).
7. A Constituição Gaudium
et spes do Concílio Vaticano II retomou esse tema fascinante, escrevendo:
“O Senhor é o fim da história humana, o ponto para o qual
convergem os desejos da história e da civilização, o centro do
gênero humano, a alegria de todos os corações e a plenitude de suas
aspirações” (n. 45). Podemos resumir dizendo que Cristo é o Senhor da
história. N’Ele a história do homem e, podemos dizer, de toda a criação, encontra
seu cumprimento transcendente. É o que na Tradição se chama recapitulação (re-capitulatio).
É uma concepção que encontra seu fundamento na Carta aos Efésios, onde
é descrito o eterno desígnio de Deus de, “na plenitude dos tempos, recapitular
tudo em Cristo, tudo o que existe nos céus e na terra” (Ef 1,10).
8. Devemos acrescentar, por fim,
que Cristo é o Senhor da vida eterna. A Ele pertence o último juízo,
do qual fala o Evangelho de Mateus: “Quando o Filho do homem vier em sua
glória, acompanhado de todos os anjos, se assentará em seu trono glorioso...
Então o Rei dirá aos que estiverem à sua direita: ‘Vinde, benditos de meu Pai! Recebei
em herança o Reino que meu Pai vos preparou desde a criação do mundo’” (Mt 25,31.34).
O pleno direito de julgar
definitivamente as obras e as consciências
dos homens pertence a Cristo enquanto Redentor do mundo. Ele, com efeito,
“adquiriu” este direito através da Cruz. Por isso o Pai “deu todo o poder de julgar
ao Filho” (Jo 5,22). No entanto, o Filho não veio sobretudo
para julgar, mas para salvar (cf. Jo 3,17; 12,47), para conceder a
vida divina que está n’Ele: “Assim como o Pai possui a vida em si mesmo, do
mesmo modo deu ao Filho possuir a vida em si mesmo. Além disso, deu-lhe autoridade
para julgar, porque é o Filho do homem” (Jo 5,26-27).
Um poder, portanto, que coincide
com a misericórdia que flui em seu Coração desde o seio do Pai, do qual o Filho
procede e se faz homem “por nós homens e para nossa salvação”. O Cristo Crucificado
e Ressuscitado, o Cristo que “subiu ao céu e está sentado à direita do Pai”, o Cristo
que é, portanto, o Senhor da vida eterna, se eleva sobre o mundo e sobre a história
como um sinal de amor infinito rodeado de glória, desejoso de receber de cada homem
uma resposta de amor para dar-lhe a vida eterna.
Tradução nossa a partir do texto italiano
divulgado no site da Santa Sé (19 de abril de 1989).
Nenhum comentário:
Postar um comentário