Há 20 anos, no dia 15 de agosto de 2004, o Papa São João Paulo II celebrou a Missa da Solenidade da Assunção da Bem-aventurada Virgem Maria no Santuário de Lourdes (França).
Esta foi sua última Viagem Apostólica fora da Itália, realizada no contexto dos 150 anos da proclamação do dogma da Imaculada Conceição de Maria (1854).
Reproduzimos a seguir sua homilia na ocasião e a oração proferida na véspera, dia 14, no final da oração do terço do rosário:
Peregrinação a Lourdes por ocasião dos 150 anos do dogma da Imaculada Conceição
Homilia do Papa João Paulo II
Santuário de Nossa Senhora de Lourdes
15 de agosto de 2004
1. “Que soy
era Immaculada Councepciou”. As palavras que Maria dirigiu a Bernadete, no
dia 25 de março de 1858, ressoam com uma intensidade totalmente particular
neste ano, durante o qual a Igreja celebra o 150º aniversário da solene
definição do dogma proclamado pelo Beato Pio IX na Constituição Apostólica Ineffabilis
Deus.
Desejei
ardentemente realizar esta peregrinação a Lourdes para recordar um
acontecimento que continua a glorificar a Trindade una e indivisa. A Imaculada
Conceição de Maria constitui o sinal do amor gratuito do Pai, a
expressão perfeita da redenção realizada pelo Filho, o ponto de
partida de uma vida totalmente disponível à ação do Espírito.
São João Paulo II preside a Missa em Lourdes (15 de agosto de 2004) |
2.
Sob o olhar maternal da Virgem, saúdo cordialmente todos vós, queridos irmãos e
irmãs que viestes à Gruta de Massabielle para entoar os louvores daquela que
todas as gerações proclamam bem-aventurada (cf. Lc 1,48).
Saúdo os
Cardeais, os Bispos e os sacerdotes. Obrigado pela vossa presença. Saúdo de
modo particular os peregrinos franceses e os seus Bispos, nomeadamente Dom
Jacques Perrier, Bispo de Tarbes e Lourdes, a quem agradeço as amáveis palavras
que me dirigiu no início desta celebração.
Saúdo também o
Metropolita Emanuel, Presidente da Assembleia dos Bispos Ortodoxos da França.
Saúdo o Senhor Ministro do Interior, que representa aqui o Governo francês,
assim como as demais pessoas que fazem parte do grupo das autoridades civis e
militares presentes.
Dirijo também o
meu pensamento afetuoso a todos os peregrinos vindos aqui de diversas regiões
da Europa e do mundo, e todos aqueles que estão espiritualmente unidos a nós
através da rádio e da televisão. Saúdo-vos com um carinho especial, queridos
doentes, que viestes a este lugar abençoado para procurar conforto e esperança.
Que a Virgem Santa vos faça compreender a sua presença e infunda alívio nos
vossos corações!
3. “Naqueles
dias, Maria partiu para a região montanhosa, dirigindo-se apressadamente a uma
cidade...” (Lc 1, 39). As palavras deste trecho
evangélico fazem-nos vislumbrar, com os olhos do coração, a jovem de Nazaré a
caminho da “cidade da Judeia” onde morava a sua prima, para lhe
oferecer os seus serviços. Aquilo que nos surpreende acima de tudo em Maria é
a sua atenção repleta de ternura pela sua parente idosa.
Trata-se de um amor concreto, que não se limita a palavras de
compreensão, mas que se compromete pessoalmente em uma verdadeira assistência.
À sua prima, a Virgem não dá simplesmente algo que lhe pertence; ela
dá-se a si mesma, sem nada exigir como retribuição. Ela compreendeu de
maneira perfeita que, mais do que um privilégio, o dom
recebido de Deus constitui um dever, que a empenha no
serviço aos outros, na gratuidade que é própria do amor.
4. “A
minha alma proclama a grandeza do Senhor...” (Lc 1,
46). No seu encontro com Isabel, os sentimentos de Maria brotam com vigor no
cântico do Magnificat. Através dos seus lábios
exprimem-se a expectativa repleta de esperança dos “pobres do
Senhor”, e a consciência do cumprimento das promessas, porque
Deus “se recordou da sua misericórdia” (cf. Lc 1,54).
É precisamente
desta consciência que brota a alegria da Virgem Maria, que
transparece no conjunto do cântico: alegria de saber que Deus “olha”
para ela, apesar da sua “fragilidade” (cf. Lc 1,48); alegria em
virtude do “serviço” que lhe é possível prestar, graças às “grandes obras” que
o Todo-Poderoso realizou em seu favor (v. 49); alegria pela
antecipação das bem-aventuranças escatológicas, reservadas aos “humildes” e aos
“famintos” (vv. 52-53).
Depois do Magnificat chega o
silêncio; nada se diz acerca dos três meses da presença de Maria ao
lado da sua prima Isabel. Talvez nos seja dita a coisa mais importante: o
bem não faz ruído, a força do amor expressa-se na discrição tranquila
do serviço quotidiano.
5. Mediante as
suas palavras e o seu silêncio, a Virgem Maria aparece como um modelo ao longo
do nosso caminho. Não se trata de um caminho fácil: em virtude
da culpa dos seus primeiros pais, a humanidade traz em si a ferida do pecado,
cujas consequências ainda continuam a fazer-se sentir nas pessoas remidas. Mas
o mal e a morte não terão a última palavra! Maria confirma-o
através de toda a sua existência, sendo testemunha viva da vitória de
Cristo, nossa Páscoa.
Os fiéis
compreenderam-no. Eis por que motivo eles acorrem em grande número até à Gruta,
para escutar as advertências maternais da Virgem, reconhecendo nela “a mulher
revestida de sol” (Ap 12,1), a Rainha que resplandece
junto do trono de Deus (cf. Sl 44) e intercede em favor
deles.
6. No dia de hoje
a Igreja celebra a gloriosa Assunção de Maria ao Céu, de
corpo e alma. Os dois dogmas da Imaculada Conceição e da Assunção estão
intimamente ligados entre si. Ambos proclamam a glória de
Cristo Redentor e a santidade de Maria, cujo destino humano já está perfeita e
definitivamente realizado em Deus.
“E quando Eu
tiver partido e vos tiver preparado um lugar, voltarei e vos levarei comigo
para que, onde Eu estiver, vós estejais também”, disse-nos Jesus (Jo 14,3). Maria
é o penhor e o cumprimento da promessa de Cristo. A sua
Assunção torna-se para nós “um sinal de esperança certa e de consolação” (Lumen
gentium, n. 68).
7. Estimados irmãos
e irmãs! Da Gruta de Massabielle a Virgem Imaculada fala também a nós, cristãos
do terceiro milênio. Coloquemo-nos à sua escuta!
Escutai, em
primeiro lugar, vós jovens, vós que procurais uma
resposta capaz de dar sentido à vossa vida. Vós podeis encontrá-la aqui. Trata-se
de uma resposta exigente, mas é a única resposta válida. É
nela que se encontra o segredo da verdadeira alegria e da paz.
Desta
Gruta lanço um apelo especial a vós, mulheres. Aparecendo
na Gruta, Maria confiou a sua mensagem a uma menina, como que
para ressaltar a missão particular que compete à mulher, na
nossa época tentada pelo materialismo e pela secularização: ser, na sociedade
contemporânea, testemunha dos valores essenciais, que
não podem ser vistos senão com os olhos do coração. Vós, mulheres, tendes o
dever de ser sentinelas do Invisível! Irmãos e irmãs, lanço a
todos vós um apelo premente, a fim de que façais tudo o que estiver ao vosso
alcance para que a vida, qualquer vida, seja respeitada desde a concepção até
ao seu ocaso natural. A vida é uma dádiva sagrada, da qual ninguém pode se apropriar.
Enfim,
a Virgem de Lourdes tem uma mensagem para todos. Ei-la: sede
mulheres e homens livres! Contudo, recordai-vos: a liberdade humana é
uma liberdade marcada pelo pecado. Ela tem necessidade de ser libertada. Cristo
é o seu libertador, Ele que “nos libertou para que sejamos
verdadeiramente livres” (Gl 5,1). Defendei a vossa liberdade!
Queridos
amigos, para isto sabemos que podemos contar com aquela que, sem jamais ter
cedido ao pecado, é a única criatura perfeitamente livre. É a ela que vos
confio. Caminhai com Maria, ao longo do trajeto da plena realização da vossa
humanidade!
Palavras
no final da celebração, antes da oração do Ângelus:
Na rocha de Massabielle a Virgem Santa encontrou
Bernadete, revelando-se como aquela que é repleta da graça de Deus, e lhe
recomendou penitência e oração. Indicou-lhe uma fonte de água e disse-lhe para
beber. Essa água que jorra sempre fresca tornou-se um dos símbolos de
Lourdes: símbolo da vida nova, que Cristo doa a quantos se
convertem a Ele.
Sim, o Cristianismo é fonte de vida e Maria é a primeira guardiã deste
manancial. Ela indica-o a todos, pedindo que renunciem ao orgulho, se tornem
humildes, que hauram da misericórdia do seu Filho e colaborem assim com o
advento da civilização do amor.
Recordando o mistério da Encarnação do Filho de Deus, dirigimo-nos agora a
Maria Santíssima para dela invocar a proteção sobre cada um de nós, sobre a
Igreja e o mundo.
Oração no final da oração do rosário
14 de agosto de 2004
Ave Maria, Mulher pobre e humilde, abençoada do Altíssimo!
Virgem da esperança, profecia dos novos tempos, nós nos associamos ao teu hino de louvor para celebrar as misericórdias do Senhor, para anunciar a vinda do Reino e a libertação integral do homem.
Ave Maria, humilde serva do Senhor, gloriosa Mãe de Cristo!
Virgem fiel, santa morada do Verbo, ensina-nos a perseverar na escuta da Palavra, a ser dóceis à voz do Espírito, atentos aos seus apelos na intimidade da nossa consciência e às suas manifestações nos acontecimentos da história.
Ave Maria, Mulher da dor, Mãe dos viventes!
Virgem esposa junto da cruz, nova Eva, sê nossa guia pelos caminhos do mundo, ensina-nos a viver e a propagar o amor de Cristo, ensina-nos a permanecer contigo, junto das numerosas cruzes nas quais teu Filho ainda é crucificado.
Ave Maria, Mulher de fé, primeira entre os discípulos!
Virgem, Mãe da Igreja, ajuda-nos a dizer sempre a razão da esperança que nos anima, tendo confiança na bondade do homem e no amor do Pai.
Ensina-nos a construir o mundo a partir do interior: na profundidade do silêncio e da oração, da alegria do amor fraterno, na fecundidade insubstituível da Cruz.
Santa Maria, Mãe dos fiéis, Nossa Senhora de Lourdes, intercede por nós. Amém.
São João Paulo II na Gruta de Lourdes (14 de agosto de 2004) |
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