sexta-feira, 1 de novembro de 2024

Homilia do Papa Bento XVI: Todos os Santos (2006)

Confira a seguir a homilia do Papa Bento XVI (†2022) no dia 01 de novembro de 2006, Solenidade de Todos os Santos:

Santa Missa na Solenidade de Todos os Santos
Homilia do Papa Bento XVI
Basílica de São Pedro
Quarta-feira, 01 de novembro de 2006

Amados irmãos e irmãs,
A nossa Celebração Eucarística inaugurou-se hoje com a exortação: “Alegremo-nos todos no Senhor”. A Liturgia convida-nos a compartilhar o júbilo celeste dos santos, a saborear a sua alegria. Os santos não são uma exígua casta de eleitos, mas uma multidão inumerável, para a qual a Liturgia de hoje nos exorta a levantar o olhar. Em tal multidão não estão somente os santos oficialmente reconhecidos, mas os batizados de todas as épocas e nações, que procuraram cumprir a vontade divina com amor e fidelidade. De uma grande parte deles não conhecemos os rostos e nem sequer os nomes, mas com os olhos da fé vemo-los resplandecer, como astros repletos de glória, no firmamento de Deus.

No dia de hoje a Igreja festeja a sua dignidade de “mãe dos santos, imagem da cidade divina” (Alessandro Manzoni), e manifesta a sua beleza de esposa imaculada de Cristo, fonte e modelo de toda a santidade. Sem dúvida não lhe faltam filhos obstinados e até rebeldes, mas é nos santos que ela reconhece os seus traços característicos, e precisamente neles saboreia a sua glória mais profunda.


Na 1ª Leitura, o autor do Livro do Apocalipse descreve-os como “uma multidão imensa de gente de todas as nações, tribos, povos e línguas, e que ninguém podia contar” (Ap 7,9). Este povo compreende os santos do Antigo Testamento, a partir do justo Abel e do fiel Patriarca Abraão, os do Novo Testamento, os numerosos mártires do início do Cristianismo e também os beatos e os santos dos séculos seguintes, até às testemunhas de Cristo desta nossa época. Todos eles são irmanados pela vontade de encarnar o Evangelho na sua existência, sob o impulso do eterno animador do Povo de Deus, que é o Espírito Santo.

Mas “para que louvar os santos, para que glorificá-los? Para que esta solenidade?”. Com esta interrogação tem início uma famosa homilia de São Bernardo para o dia de Todos os Santos. É uma pergunta que se poderia fazer também hoje. E atual é inclusive a resposta que o Santo nos oferece: “Os santos não precisam de nossas homenagens, nem lhes vale nossa devoção. Se veneramos os santos, sem dúvida nenhuma, o interesse é nosso, não deles. Eu por mim, confesso, ao recordar-me deles, sinto acender-se um desejo veemente” (Sermão 2; Opera Omnia 5, 364ss: 2ª leitura do Ofício). Eis, portanto, o significado da Solenidade de hoje: contemplando o exemplo luminoso dos santos, despertar em nós o grande desejo de ser como eles: felizes por viver próximos de Deus, na sua luz, na grande família dos amigos de Deus. Ser santo significa: viver na intimidade com Deus, viver na sua família. Esta é a vocação de todos nós, reiterada com vigor pelo Concílio Vaticano II, e hoje proposta de novo solenemente à nossa atenção.

Mas como podemos nos tornar santos, amigos de Deus? A esta interrogação pode-se responder antes de tudo de forma negativa: para ser santo não é necessário realizar ações nem obras extraordinárias, nem possuir carismas excepcionais. Depois, vem a resposta positiva: é preciso sobretudo ouvir Jesus e depois segui-lo sem desanimar diante das dificuldades. Ele nos exorta: “Se alguém me quer seguir, siga-me, e onde Eu estou estará também o meu servo. Se alguém me serve, meu Pai o honrará” (Jo 12,26). Quem confia n’Ele e o ama com sinceridade, como o grão de trigo sepultado na terra, aceita morrer para si mesmo. Com efeito, Ele sabe que quem procura conservar a sua vida para si mesmo, vai perdê-la, e quem se entrega, se perde a si mesmo, precisamente assim encontra a própria vida (vv. 24-25). A experiência da Igreja demonstra que cada forma de santidade, embora siga diferentes percursos, passa sempre pelo caminho da cruz, pelo caminho da renúncia a si mesmo. As biografias dos santos descrevem homens e mulheres que, dóceis aos desígnios divinos, enfrentaram por vezes provações e sofrimentos indescritíveis, perseguições e o martírio. Perseveraram no seu compromisso, “vieram da grande tribulação. Lavaram e alvejaram as suas roupas no sangue do Cordeiro”, lê-se no Apocalipse (Ap 7,14). Os seus nomes estão escritos no Livro da Vida (cf. Ap 20,12); a sua morada eterna é o Paraíso. O exemplo dos santos constitui para nós um encorajamento a seguir os mesmos passos, a experimentar a alegria daqueles que confiam em Deus, porque a única verdadeira causa de tristeza e de infelicidade para o homem é o fato de viver longe de Deus.

A santidade exige um esforço constante, mas é possível para todos porque, mais do que uma obra do homem, é sobretudo um dom de Deus, três vezes Santo (cf. Is 6,3). Na 2ª Leitura, o Apóstolo João observa: “Vede que grande presente de amor o Pai nos deu: sermos chamados filhos de Deus! E nós o somos!” (1Jo 3,1). Portanto, é Deus que nos amou primeiro e, em Jesus, nos tornou seus filhos adotivos. Na nossa vida tudo é dom do seu amor: como permanecer indiferentes diante de um mistério tão grande? Como deixar de responder ao amor do Pai celestial, com uma vida de filhos reconhecidos? Em Cristo, entregou-se inteiramente a nós e chama-nos a um profundo relacionamento pessoal com Ele. Portanto, quanto mais imitarmos Jesus e permanecermos unidos a Ele, tanto mais entraremos no mistério da santidade divina. Descobrimos que somos amados por Ele de modo infinito, e isto impele-nos, por nossa vez, a amar os irmãos. O amar implica sempre um ato de renúncia a si mesmo, o “perder-se a si mesmo”, e é precisamente assim que nos torna felizes.

Assim chegamos ao Evangelho desta festa, ao anúncio das Bem-aventuranças, que há pouco ouvimos ressoar nesta Basílica. Jesus diz: Bem-aventurados os pobres de espírito, bem-aventurados os aflitos, os mansos, quem tem fome e sede de justiça, os misericordiosos, bem-aventurados os puros de coração, os que promovem a paz, os que sofrem perseguição por causa da justiça (cf. Mt 5,3-10). Na realidade, o Bem-aventurado por excelência é somente Ele, Jesus.

Com efeito, Ele é o verdadeiro pobre de espírito, o aflito, o manso, aquele que tem fome e sede de justiça, o misericordioso, o puro de coração, o promotor da paz; Ele sofre perseguição por causa da justiça. As Bem-aventuranças nos revelam a fisionomia espiritual de Jesus e assim exprimem o seu mistério, o mistério de Morte e Ressurreição, da Paixão e da alegria da Ressurreição. Este mistério, que é mistério da verdadeira bem-aventurança, convida-nos ao seguimento de Jesus e, deste modo, ao caminho que conduz a ela. Na medida em que aceitamos a sua proposta e nos colocamos no seu seguimento, cada um nas suas próprias circunstâncias, também nós podemos participar das Bem-aventuranças. Juntamente com Ele, o impossível torna-se possível e até um camelo pode passar pelo buraco de uma agulha (cf. Mc 10,25); com a sua ajuda, somente com a sua ajuda, podemos nos tornar perfeitos como o Pai celeste é perfeito (cf. Mt 5,48).

Estimados irmãos e irmãs, agora entramos no coração da Celebração Eucarística, estímulo e alimento de santidade. Daqui a pouco Cristo se tornará presente de modo mais excelso, verdadeira Videira à qual, como ramos, estão unidos os fiéis que vivem na terra e os santos do céu. Portanto, mais íntima será a comunhão da Igreja que peregrina no mundo com a Igreja triunfante na glória. No Prefácio proclamaremos que os santos são nossos amigos e modelos de vida. Invoquemo-los para que nos ajudem a imitá-los e comprometamo-nos a responder com generosidade, segundo o seu exemplo, à vocação divina. Invoquemos especialmente Maria, Mãe do Senhor e espelho de toda a santidade. Ela, a Toda Santa, nos faça ser fiéis discípulos do seu Filho Jesus Cristo! Amém.


Fonte: Santa Sé.

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