Quase concluindo suas Catequeses sobre Jesus Cristo, o Papa São João Paulo II dedicou uma seção ao mistério da Ressurreição (nn. 77-82), cuja primeira meditação reproduzimos a seguir.
Catequeses do Papa João Paulo II sobre o Creio
CREIO EM JESUS CRISTO
V. A Ressurreição de Cristo
77. A Ressurreição, fato histórico e afirmação da fé
João Paulo II - 25 de janeiro de 1989
1. Nesta Catequese afrontamos a verdade
culminante da nossa fé em Cristo, documentada pelo Novo Testamento, acreditada e
vivida como verdade central pelas primeiras comunidades cristãs, transmitida
como fundamental pela Tradição, nunca negligenciada pelos verdadeiros cristãos e
hoje bem aprofundada, estudada e pregada como parte essencial do Mistério Pascal,
junto com a Cruz: a Ressurreição de Cristo. O Símbolo dos Apóstolos, com
efeito, diz que Ele “ressuscitou ao terceiro dia”; e o Símbolo
Niceno-Constantinopolitano precisa: “Ressuscitou ao terceiro dia, conforme
as Escrituras”.
É um dogma da fé cristã, que se
insere em um fato ocorrido e constatado historicamente. Buscaremos investigar, “dobrando
os joelhos da mente”, o mistério anunciado pelo dogma e encerrado no fato, começando
pelo exame dos textos bíblicos que o atestam.
Ressurreição (Raffaellino del Garbo) |
2. O primeiro e mais antigo testemunho
escrito sobre a Ressurreição de Cristo se encontra na Primeira Carta de
São Paulo aos Coríntios. Nela o Apóstolo recorda aos seus destinatários (próximo
à Páscoa do ano 57): “Eu vos transmiti, antes de tudo, o que eu mesmo recebi,
a saber: que Cristo morreu pelos nossos pecados, segundo as Escrituras,
foi sepultado e, ao terceiro dia, foi ressuscitado, segundo as
Escrituras; e apareceu a Cefas e, depois, aos Doze. Mais tarde, apareceu a
mais de quinhentos irmãos de uma vez. Desses, a maioria ainda vive e alguns já
morreram. Depois, apareceu a Tiago e, depois, a todos os Apóstolos. Por último,
apareceu também a mim, que sou como um nascido fora do tempo” (1Cor 15,3-8).
Como podemos ver, o Apóstolo fala
aqui da tradição viva da Ressurreição, da qual tomou conhecimento após
sua conversão às portas de Damasco (cf. At 9,3-18).
Durante sua viagem a Jerusalém, encontrou o Apóstolo Pedro, e também Tiago -
como precisa a Carta aos Gálatas (Gl 1,18s) -, que agora ele
cita como as duas principais testemunhas do Cristo Ressuscitado.
3. Cabe notar também que, no texto
citado, São Paulo fala não só da Ressurreição ocorrida ao terceiro dia “segundo
as Escrituras” (referência bíblica que toca já a dimensão teológica do fato), mas
ao mesmo tempo recorre às testemunhas, àqueles aos quais
Cristo apareceu pessoalmente. É um sinal, entre outros, de que a fé da primeira
comunidade dos crentes, expressa por Paulo na Carta aos Coríntios, está
baseada no testemunho de homens concretos, conhecidos pelos cristãos e que em
grande parte ainda viviam entre eles. Essas “testemunhas da Ressurreição de
Cristo” (cf. At 1,22) são antes de tudo os Doze Apóstolos,
mas não só eles: Paulo fala de outras cinquentas pessoas, às quais Jesus apareceu
de uma vez, além de a Pedro, a Tiago e a todos os Apóstolos.
4. Diante desse texto paulino perdem
toda admissibilidade as hipóteses que, de diversas formas, buscaram interpretar
a Ressurreição de Cristo abstraindo-a da ordem física, de modo a não reconhecê-la
como um fato histórico: por exemplo, a hipótese segundo a qual a Ressurreição não
seria senão uma espécie de interpretação do estado em que Cristo se encontra após
a morte (estado de vida, e não de morte), ou a hipótese que reduz a Ressurreição
à influência que Cristo, após sua morte, não deixou de exercer - mais ainda, retomou
com novo e irresistível vigor - sobre seus discípulos.
Essas hipóteses parecem implicar uma
rejeição preconceituosa à realidade da Ressurreição, considerada apenas como o
“produto” do ambiente, ou seja, da comunidade de Jerusalém. Nem a interpretação
nem o preconceito encontram comprovação nos fatos. São Paulo, ao contrário, no
texto citado recorre às testemunhas oculares do “fato”: sua convicção
sobre a Ressurreição de Cristo tem, portanto, uma base experiencial. Está
vinculada àquele argumento “ex factis”, que vemos escolhido e seguido pelos
Apóstolos precisamente naquela primeira comunidade de Jerusalém. Quando, com
efeito, se trata da eleição de Matias, um dos discípulos mais fiéis de Jesus,
para completar o número dos “Doze” que ficou incompleto pela traição e a morte
de Judas Iscariotes, os Apóstolos exigem como condição que o eleito
não só tenha sido seu “companheiro” no período em que Jesus ensinava e agia, mas
sobretudo que pudesse ser “testemunha da sua Ressurreição”, graças à
experiência feita nos dias anteriores ao momento em que Cristo - como eles dizem
- “foi elevado do meio de nós” (At 1,22).
5. A Ressurreição, portanto, não
pode ser apresentada - como faz certa crítica neotestamentária pouco respeitosa
dos dados históricos - como um “produto” da primeira comunidade cristã, a de Jerusalém.
A verdade sobre a Ressurreição não é um produto da fé dos Apóstolos ou dos outros
discípulos pré ou pós-pascais. Dos textos resulta, ao contrário, que a fé “pré-pascal”
dos seguidores de Cristo foi submetida à prova radical da Paixão e da Morte
na cruz do seu Mestre. Ele mesmo havia anunciado esta prova, especialmente
com as palavras dirigidas a Simão Pedro quando já estava às portas dos trágicos
acontecimentos de Jerusalém: “Simão, Simão! Satanás pediu permissão para vos
peneirar como o trigo. Eu, porém, orei por ti, para que tua fé não desfaleça” (Lc 22,31-32).
O choque provocado pela Paixão e Morte de Cristo foi tão grande que os
discípulos (ao menos alguns deles) inicialmente não acreditaram
na notícia da Ressurreição. Encontramos a prova disso em todos os Evangelhos.
Lucas, em particular, nos dá a conhecer que, quando as mulheres, “voltando do
sepulcro, anunciaram tudo isso (ou seja, o sepulcro vazio) aos Onze e a todos os
outros”, “estes, acharam tudo o que relataram um delírio e não acreditaram” (Lc 24,9.11).
6. A hipótese que quer ver na Ressurreição
um “produto” da fé dos Apóstolos, ademais, é refutada também pelo que é
referido quando o Ressuscitado em pessoa “apresentou-se no meio deles e lhes disse:
‘A paz esteja convosco!’”. Eles, com efeito, “ficaram assustados e cheios de
medo, pensando que estavam vendo um fantasma”. Nessa ocasião o próprio
Jesus teve que vencer suas dúvidas e temores e convencê-los de que “era Ele”:
“Tocai em mim e vede! Um espírito não tem carne, nem ossos, como podeis ver que
Eu tenho”. E porque eles “ainda não podiam acreditar, tanta era a sua surpresa”,
Jesus lhes pediu algo de comer e Ele “comeu diante deles” (Lc 24,36-43).
7. É bem conhecido também o episódio
de Tomé, que não estava com os demais Apóstolos quando Jesus veio a
eles pela primeira vez, entrando no Cenáculo apesar de que a portas estavam fechadas
(cf. Jo 20,19). Quando, à sua volta, os outros
discípulos lhe disseram: “Vimos o Senhor”, Tomé manifestou espanto
e incredulidade, e respondeu: “Se eu não vir as marcas dos pregos em suas mãos,
se eu não puser o dedo nas marcas dos pregos, se eu não puser a mão no seu
lado, não crerei”. Oito dias depois, Jesus veio novamente ao
Cenáculo, para satisfazer o pedido do “incrédulo” Tomé e lhe
disse: “Põe o teu dedo aqui e olha as minhas mãos. Estende a tua mão, coloca-a no
meu lado e não sejas incrédulo, mas crê”. E quando Tomé professou a sua fé com as
palavras: “Meu Senhor e meu Deus!”, Jesus lhe disse: “Porque
me viste, creste? Bem-aventurados os que não viram e creram!” (Jo 20,24-29).
A exortação a crer, sem pretender ver
o que está escondido no mistério de Deus e de Cristo, permanece sempre válida; mas
a dificuldade do Apóstolo Tomé a admitir a Ressurreição sem ter experimentado pessoalmente
a presença de Jesus vivo, e depois o seu ceder diante das provas que lhe foram dadas
pelo próprio Jesus, confirmam o que emerge dos Evangelhos sobre a resistência dos
Apóstolos e dos discípulos a admitir a Ressurreição. Portanto, a hipótese de que
a Ressurreição tenha sido um “produto” da fé (ou da credulidade) dos
Apóstolos não tem consistência. Sua fé na Ressurreição nasceu, ao contrário
- sob a ação da graça divina -, da experiência direta da realidade do Cristo Ressuscitado.
8. É o próprio Jesus que, após a Ressurreição,
se põe em contato com os discípulos para lhes dar o sentido da realidade e para
dissipar a opinião (ou o medo) de que se tratasse de um “fantasma” e, portanto,
de que fossem vítimas de uma ilusão. Com efeito, estabelece com eles relações
diretas, especialmente mediante o tato, como no caso de Tomé, que acabamos de
recordar, mas também no encontro descrito no Evangelho de Lucas, quando Jesus
diz aos discípulos assustados: “Tocai em mim e vede! Um espírito não
tem carne, nem ossos, como podeis ver que Eu tenho” (Lc 24,39). Convida-lhes
a constatar que o corpo ressuscitado com o qual se apresenta a eles é o mesmo que
foi martirizado e crucificado. Contudo, esse corpo possui também propriedades
novas: tornou-se “espiritual” e “glorificado” e, portanto, já não está submetido
às limitações habituais aos seres materiais e, por conseguinte, a um corpo
humano. Com efeito, Jesus entra no Cenáculo apesar das portas fechadas, aparece
e desaparece... Mas, ao mesmo tempo, esse corpo é autêntico e real.
Em sua identidade material está a demonstração da Ressurreição de Cristo.
9. O encontro no caminho de
Emaús, relatado no Evangelho de Lucas, é um fato que torna visível de
forma particularmente evidente como amadureceu na consciência dos discípulos a certeza
da Ressurreição precisamente através do contato com o Cristo Ressuscitado (cf. Lc 24,13-35).
Aqueles dois discípulos de Jesus, que no início do caminho estavam “tristes
e abatidos” pela recordação de tudo o que havia acontecido ao Mestre
no dia da crucificação e não escondiam a decepção experimentada
ao ver derrubar-se a esperança depositada n’Ele como Messias libertador - “Esperávamos
que fosse Ele quem libertaria Israel” (v. 21) -, experimentam em
seguida uma transformação total, quando fica claro para eles que o “peregrino”
desconhecido com quem falaram é precisamente o mesmo Cristo de antes, e se dão
conta de que Ele, portanto, ressuscitou. De toda a narração se deduz que a
certeza da Ressurreição de Jesus fez deles quase que homens novos. Não só tinham
recuperado a fé em Cristo, mas estavam prontos para dar testemunho da verdade sobre
sua Ressurreição.
Todos esses elementos do
texto evangélico, convergentes entre si, comprovam o fato da Ressurreição,
que constitui o fundamento da fé dos Apóstolos e do testemunho que, como
veremos nas próximas Catequeses, está no centro da sua pregação.
João Paulo II em 1989 |
Tradução nossa a partir do texto italiano
divulgado no site da Santa Sé (25 de janeiro de 1989).
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