Após as meditações sobre a relação entre o Pai e o Filho, o Papa São João Paulo II prosseguiu suas Catequeses sobre Jesus Cristo refletindo sobre a relação entre o Filho e o Espírito Santo.
Confira a postagem introdutória, com os links para as demais Catequeses, clicando aqui.
Catequeses do Papa João Paulo II sobre o Creio
CREIO EM JESUS CRISTO
22. Jesus Cristo vem
no poder do Espírito Santo
João Paulo II - 05 de agosto de
1987
1. “Eu saí do Pai e vim ao mundo. De
novo, deixo o mundo e vou para o Pai” (Jo 16,28). Jesus Cristo tem a
consciência da sua origem do Pai: é o Filho porque vem do Pai. Como Filho
veio ao mundo, enviado pelo Pai. Esta missão (“missio”), que
se baseia na eterna origem do Cristo-Filho da mesma natureza do Pai, está radicada
n’Ele. Portanto, nesta missão o Pai revela o Filho e dá testemunho de Cristo
como seu Filho, ao mesmo tempo que o Filho revela o Pai. “Ninguém”, pois, “conhece
o Filho, senão o Pai, e ninguém conhece o Pai, senão o Filho e aquele a quem o Filho
o quiser revelar” (Mt 11,27). O Filho, que “saiu do Pai”, exprime
e confirma a própria filiação enquanto “revela o Pai” diante do
mundo. E o faz não só com as palavras do Evangelho, mas também com a sua vida,
pelo fato de que Ele completamente “vive pelo Pai”, até o sacrifício da sua
vida na cruz.
2. Esta missão salvífica do
Filho de Deus como Homem se cumpre “no poder” do Espírito Santo. Atestam-no
numerosas passagens dos Evangelhos e todo o Novo Testamento. No Antigo Testamento,
a verdade sobre a estreita relação entre a missão do Filho e a vinda do Espírito
Santo (que é também a sua “missão”) estava escondida, ainda que de certo modo
era já anunciada. Um presságio particular são as palavras de Isaías,
às quais Jesus se refere no início da sua atividade messiânica em Nazaré: “O
Espírito do Senhor está sobre mim, pois Ele me ungiu para anunciar o
evangelho aos pobres; enviou-me para proclamar a liberdade aos
presos e, aos cegos, a visão; para pôr em liberdade os oprimidos e proclamar um
ano de graça do Senhor” (Lc 4,18-19; cf. Is 61,1-2).
Estas palavras dizem respeito ao
Messias: palavra que significa “consagrado com unção” (“ungido”)
- isto é, aquele que vem no poder do Espírito do Senhor. Jesus
afirma diante dos seus compatriotas que estas palavras se referem a Ele: “Hoje
cumpriu-se esta palavra da Escritura que acabais de ouvir” (Lc 4,21).
3. Esta verdade sobre o Messias que
vem no poder do Espírito Santo encontra sua confirmação durante o batismo
de Jesus no Jordão, igualmente no início da sua atividade messiânica.
Particularmente denso é o texto de João, que relata as palavras do Batista: “Eu
vi o Espírito, como pomba, descer do céu e permanecer sobre Ele.
Eu não o conhecia, mas aquele que me enviou a batizar com água disse-me: ‘Sobre
quem vires o Espírito descer e permanecer, este é quem batiza com o Espírito
Santo’. Eu vi, e dou testemunho: este é o Filho de Deus!” (Jo 1,32-34).
Jesus é, pois, o Filho de Deus,
aquele que “saiu do Pai e veio ao mundo” (cf. Jo 16,28),
para portar o Espírito Santo: “para batizar com o Espírito Santo” (cf. Mc 1,8),
isto é, para instituir a nova realidade do renascimento em Deus dos filhos de
Adão manchados pelo pecado. A vinda do Filho de Deus ao mundo, sua
concepção humana e seu nascimento virginal se realizaram por obra do Espírito
Santo. O Filho de Deus se fez homem e nasceu da Virgem Maria por obra
do Espírito Santo, no seu poder.
4. O testemunho que João dá de Jesus
de Nazaré como Filho de Deus está em estreita relação com o texto do Evangelho
de Lucas, onde lemos que, na anunciação, Maria ouve dizer que ela “conceberá
e dará à luz um filho... que será chamado Filho do Altíssimo” (cf. Lc 1,31-32).
E quando ela pergunta: “Como acontecerá isso, se não conheço homem algum?”, recebe
a resposta: “O Espírito Santo descerá sobre ti, e o poder do Altíssimo
te cobrirá com sua sombra. Por isso, aquele que vai nascer é santo e será
chamado Filho de Deus” (vv. 34-35).
Portanto, se o “sair do Pai e vir
ao mundo” do Filho de Deus como homem (o Filho do homem) se realizou no poder do
Espírito Santo, isto manifesta o mistério da vida trinitária de Deus. E este
poder vivificante do Espírito Santo é confirmado desde o início da atividade
messiânica de Jesus, como aparece nos textos dos Evangelhos, tanto nos Sinóticos
(Mc 1,10; Mt 3,16; Lc 3,22) como em João (Jo 1,32-34).
5. Já nos Evangelhos da infância, quando
se diz de Jesus que “a graça de Deus estava sobre Ele” (Lc 2,40), indiretamente
é destacada a presença santificante do Espírito Santo. Mas é no momento do batismo
no Jordão que os Evangelhos falam muito mais expressamente da atividade de
Cristo no poder do Espírito: “Logo depois (do batismo), o Espírito impeliu-o
para o deserto...” diz Marcos (Mc 1,12). E no deserto, depois
de um período de quarenta dias de jejum, o Espírito de Deus permitiu que Jesus
fosse tentado pelo “espírito das trevas”, de modo que obtivesse sobre ele a
primeira vitória messiânica (cf. Lc 4,1-14). Também durante a
sua atividade pública, Jesus manifesta muitas vezes o mesmo poder do Espírito Santo
em relação aos endemoniados. Ele mesmo o ressalta com suas palavras: “Se Eu expulso
demônios pelo Espírito de Deus, é porque já chegou para vós o Reino de Deus”
(Mt 12,28). A conclusão de todo o combate messiânico contra as forças
das trevas foi o acontecimento pascal: a Morte na cruz e a Ressurreição d’Aquele
que veio do Pai no poder do Espírito Santo.
6. Depois da Ascensão, Jesus
permaneceu, na consciência dos seus discípulos, como Aquele a quem “Deus ungiu com
o Espírito Santo e com poder” (At 10,38). Eles recordavam que, graças
a este poder, os homens, escutando os ensinamentos de Jesus, louvavam a Deus e
diziam: “Um grande profeta surgiu entre nós” e “Deus visitou o seu povo” (Lc 7,16);
“Nunca alguém falou assim” (Jo 7,46), e testemunhavam que, graças a
este poder, Jesus realizava “milagres, prodígios e sinais” (At 2,22),
de modo que “toda a multidão tentava tocar n’Ele, porque d’Ele saía uma força
que curava a todos” (Lc 6,19). Em tudo que Jesus de Nazaré, o Filho
do homem, fazia e ensinava, se cumpriam as palavras do profeta Isaías sobre o Messias:
“Eis o meu servo, que escolhi; o meu amado, no qual está meu agrado. Sobre Ele
porei o meu Espírito...” (Mt 12,18; cf. Is 42,1).
7. Este poder do Espírito Santo manifestou-se
até o fim no sacrifício redentor de Cristo e na sua Ressurreição.
Verdadeiramente Jesus é o Filho de Deus “que o Pai consagrou e enviou ao mundo”
(cf. Jo 10,36). Correspondendo à vontade do Pai, Ele oferece a
si mesmo a Deus, mediante o Espírito, como vítima sem mancha, purificando
a nossa consciência das obras mortas, para que possamos servir ao Deus vivo (cf. Hb 9,14).
O mesmo Espírito Santo, como testemunha o Apóstolo Paulo, “ressuscitou
Jesus dentre os mortos” (Rm 8,11), e, mediante este “ressuscitar
dos mortos”, Jesus Cristo recebe a plenitude do poder messiânico e é
definitivamente revelado pelo Espírito Santo como “Filho
de Deus com poder”, literalmente: “segundo o Espírito de santidade, foi constituído
Filho de Deus com poder, desde a Ressurreição dos mortos” (Rm 1,4).
8. Assim, pois, Jesus Cristo, o Filho
de Deus, vem ao mundo por obra do Espírito Santo, e como Filho do homem cumpre até
o fim sua missão messiânica na força do Espírito Santo. Mas se Jesus
Cristo age por este poder durante toda a sua atividade salvífica e, por
fim, na Paixão e Ressurreição, então é o próprio Espírito que revela que
Ele é o Filho de Deus. Assim, hoje, graças ao Espírito Santo, a divindade
do Filho, Jesus de Nazaré, resplandece diante do mundo. E “ninguém - como escreve
São Paulo - é capaz de dizer: ‘Jesus é Senhor’, a não ser pelo Espírito Santo”
(1Cor 12,3).
23. Jesus Cristo traz o Espírito
Santo à Igreja e à humanidade
João Paulo II - 12 de agosto de
1987
1. Jesus Cristo, o Filho de Deus, enviado
pelo Pai ao mundo, se faz homem por obra do Espírito Santo no seio de Maria, a
Virgem de Nazaré, e na força do Espírito Santo cumpre como homem a sua missão
messiânica até a Cruz e a Ressurreição.
Em relação a esta verdade (objeto
da Catequese anterior), é oportuno recordar o texto de Santo Irineu, que
escreve: “O Espírito Santo desceu sobre o Filho de Deus, que se fez Filho do homem, habituando-se juntamente
com Ele a habitar no gênero humano, a repousar nos homens, criaturas de Deus, cumprindo
neles a vontade do Pai e renovando o velho homem para a vida nova em Cristo” (Adversus
haereses III, 17, 1).
É uma passagem muito significativa,
que repete com outras palavras o que colhemos do Novo Testamento, isto é, que o
Filho de Deus se fez homem por obra do Espírito Santo e no seu poder realizou a
missão messiânica, preparando assim o envio e a descida às
almas humanas deste Espírito, que “sonda tudo, até mesmo as profundezas de Deus”
(1Cor 2,10), para renovar e consolidar a sua presença e a sua ação
santificante na vida do homem. é interessante essa expressão de Irineu, segundo
a qual o Espírito Santo, agindo no Filho do homem, “habituava-se juntamente
com Ele a habitar no gênero humano”.
2. No Evangelho de João lemos
que “no último e principal dia da festa, Jesus, de pé, exclamou: ‘Se alguém tem
sede, venha a mim, e beba quem crê em mim. Conforme diz a Escritura:
Do seu interior fluirão rios de água viva’. Ele disse isso falando
do Espírito que haveriam de receber os que cressem n’Ele, pois não havia ainda o
Espírito, porque Jesus ainda não fora glorificado” (Jo 7,37-39). Jesus
anuncia a vinda do Espírito Santo servindo-se da metáfora da “água viva”,
porque “o Espírito é que faz viver” (Jo 6,63). Os discípulos receberão
este Espírito do próprio Jesus no tempo oportuno, quando Ele for “glorificado”:
o evangelista tem em mente a glorificação pascal mediante a Cruz e a Ressurreição.
3. Quando este tempo - isto é, a
“hora” de Jesus - está próximo, durante o discurso no Cenáculo,
Cristo retoma seu anúncio, e várias vezes promete aos Apóstolos a vinda do Espírito
Santo como novo Consolador (Paráclito).
Ele lhes diz: “Eu pedirei ao Pai,
e Ele vos dará outro Paráclito, para que permaneça sempre
convosco: o Espírito da verdade, que o mundo não é capaz de receber,
porque não o vê nem o conhece. Vós o conheceis, porque Ele permanece junto de vós
e está em vós” (Jo 14,16-17). “O Paráclito, o Espírito Santo que
o Pai enviará em meu nome, Ele vos ensinará tudo e vos recordará tudo o que
Eu vos tenho dito” (v. 26). E, mais adiante: “Quando vier o Paráclito, que
Eu vos enviarei da parte do Pai, o Espírito da verdade, que procede do Pai,
Ele dará testemunho de mim...” (Jo 15,26).
Jesus conclui assim: “Se Eu não for,
o Paráclito não virá a vós: mas, se Eu for, o enviarei a vós. Quando
Ele vier, convencerá o mundo a respeito do pecado, da justiça e do julgamento...”
(Jo 16,7-8).
4. Os textos citados contêm de modo
denso a revelação da verdade sobre o Espírito Santo, que procede do Pai e do Filho
(sobre este tema me detive amplamente na Encíclica Dominum et
Vivificantem). Em síntese, falando aos Apóstolos no Cenáculo na véspera da
sua Paixão, Jesus une a sua partida, já próxima, com a vinda do Espírito
Santo. Para Jesus é uma relação casual: Ele deve partir através
da Cruz e da Ressurreição, para que o Espírito da verdade possa descer sobre os
Apóstolos e sobre a Igreja inteira como Paráclito. Então o Pai enviará o Espírito
“em nome do Filho”, o enviará no poder do mistério da redenção, que deve cumprir-se
por meio deste Filho, Jesus Cristo. Portanto, é justo afirmar, como faz Jesus,
que também o próprio Filho o enviará: “o Paráclito que Eu vos
enviarei da parte do Pai” (Jo 15,26).
5. Esta promessa feita aos Apóstolos
na véspera da sua Paixão e Morte, Jesus a cumpriu no mesmo dia da sua Ressurreição.
O Evangelho de João, com efeito, narra que, apresentando-se aos
discípulos refugiados no Cenáculo, Jesus os saudou e, enquanto estavam maravilhados
pelo extraordinário acontecimento, “soprou sobre eles e falou: ‘Recebei
o Espírito Santo. A quem perdoardes os pecados, lhes serão perdoados; a quem
os retiverdes, lhes serão retidos’” (Jo 20,22-23).
No texto de João existe um detalhe
teológico que convém enfatizar: o Cristo Ressuscitado é quem se apresenta aos
Apóstolos e lhes “traz” o Espírito Santo, aquele que em certo sentido o
“dá” a eles nos sinais da sua Morte na cruz - “Mostrou-lhes as mãos e o lado” (Jo 20,20).
E sendo “o Espírito que faz viver” (Jo 6,63), os Apóstolos recebem
junto com o Espírito Santo a capacidade e o poder de perdoar os pecados.
6. O que acontece de modo tão significativo
no mesmo dia da Ressurreição, é de certa forma “distribuído” pelos outros evangelistas
nos dias sucessivos, nos quais Jesus continua a preparar os Apóstolos para o
grande momento, quando, em virtude da sua partida, o Espírito Santo descerá
sobre eles de forma definitiva, de modo que sua vinda seja manifestada
ao mundo. Este será também o momento do “nascimento”
da Igreja: “Recebereis a força do Espírito Santo, que virá sobre vós e sereis
minhas testemunhas em Jerusalém, em toda a Judeia e na Samaria, até os confins da
terra” (At 1,8). Esta promessa, que tem relação direta com a vinda
do Paráclito, se cumpriu no dia de Pentecostes [1].
7. Em síntese, podemos dizer que Jesus
Cristo é aquele que vem do Pai como eterno Filho, é aquele que “saiu” do
Pai, fazendo-se homem por obra do Espírito Santo. E depois de ter cumprido a sua
missão messiânica como Filho do homem na força do Espírito Santo, “vai ao Pai”
(cf. Jo 14,12). Partindo ao Pai como Redentor do mundo,
“dá” aos seus discípulos e envia sobre a Igreja para sempre o mesmo Espírito, em
cujo poder Ele agia como homem. Deste modo, Jesus Cristo, como aquele que “vai
ao Pai”, por meio do Espírito Santo conduz “ao Pai” todos aqueles
que o seguirão ao longo dos séculos.
8. “Exaltado à direita de Deus, Ele
recebeu o Espírito Santo prometido pelo Pai e o derramou...” (At 2,33),
dirá o Apóstolo Pedro no dia de Pentecostes. “E a prova de que sois filhos é
que Deus enviou aos nossos corações o Espírito do seu Filho, que clama:
‘Abbá, Pai!’” (Gl 4,6), escreverá o Apóstolo Paulo. O Espírito
Santo que “procede do Pai” (Jo 15,26) é, ao mesmo tempo, o Espírito
de Jesus Cristo: o Espírito do Filho.
9. Deus deu a Cristo o Espírito
Santo “sem medida”, proclama João Batista, segundo o Quarto Evangelho (cf.
Jo 3,34). E Santo Tomás de Aquino explica no seu límpido comentário que os
profetas receberam o Espírito “com medida” e, portanto, profetizavam “parcialmente”. Cristo,
ao contrário, possui o Espírito Santo “sem medida”: seja como Deus,
enquanto o Pai, mediante a geração eterna, lhe dá expirar o Espírito infinitamente;
seja como homem, enquanto, mediante a plenitude da graça, Deus o preencheu do Espírito
Santo, para que o efunda sobre todo aquele que crê (cf. Super Evangelium
S. Ioannis Lectura, c. III, 1. 6, nn. 541-544). O Doutor Angélico se refere
ao texto de Jo 3,34: “De fato, aquele que Deus enviou fala as palavras
de Deus, pois não é por medida que Ele dá o Espírito”.
Verdadeiramente podemos exclamar
com íntima comoção, unindo-nos ao evangelista João: “De sua plenitude todos nós
recebemos” (Jo 1,16); verdadeiramente nos tornamos participantes da vida
de Deus no Espírito Santo.
E sobre este mundo de filhos do
primeiro Adão, destinados à morte, vemos erguer-se potente o Cristo, o “último
Adão”, que se tornou “Espírito que dá vida” (1Cor 15,45).
Nota:
[1] O Catecismo da Igreja Católica (1992), recordando
os ensinamentos dos Padres da Igreja e do Concílio Vaticano II, afirma que a
Igreja nasceu do lado aberto de Cristo na cruz (n. 766). No Pentecostes, por
sua vez, a Igreja é manifestada publicamente e começa sua missão (n. 767).
Tradução nossa a partir do texto
italiano divulgado no site da Santa Sé (05 de agosto e 12 de agosto de 1987).
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