segunda-feira, 11 de abril de 2022

Homilia do Papa: Domingo de Ramos 2022

Domingo de Ramos e da Paixão do Senhor (Ano C)
Homilia do Papa Francisco
Praça de São Pedro
Domingo, 10 de abril de 2022

No Calvário, confrontam-se duas mentalidades; vemos, no Evangelho, como as palavras de Jesus crucificado se contrapõem às dos seus adversários. Estes vão repetindo, como se fosse um refrão, «Salva-te a ti mesmo». Dizem-no os chefes: «Salve-se a si mesmo, se é o Messias de Deus, o Eleito» (Lc 23,35). Proferem-no os soldados: «Se és o rei dos judeus, salva-te a ti mesmo» (v. 37). E também um dos malfeitores, tendo ouvido tais palavras, repete-as: «Não és tu o Messias? Salva-te a ti mesmo» (v. 39). Salvar-se a si mesmo, olhar por si mesmo, pensar em si mesmo; não nos outros, mas apenas na própria saúde, no próprio sucesso, nos próprios interesses; ter, poder e aparecer. Salva-te a ti mesmo: é o refrão da humanidade, que crucificou o Senhor. Reflitamos nisto.

Mas, à mentalidade do «eu», opõe-se a de Deus; o salva-te a ti mesmo confronta-se com o Salvador que Se oferece a Si mesmo. No Calvário, segundo o Evangelho de hoje, também Jesus toma a palavra três vezes como os seus adversários (cf. Lc 23,34.43.46). Em nenhum dos casos, porém, reivindica qualquer coisa para Si mesmo; na verdade, nem sequer Se defende ou justifica a Si mesmo. Reza ao Pai e oferece misericórdia ao bom ladrão. Particularmente uma das suas expressões marca a diferença do salva-te a ti mesmo: «Perdoa-lhes, Pai» (v. 34).

Detenhamo-nos nestas palavras. Quando são pronunciadas pelo Senhor? Num momento específico: durante a crucificação, quando sente os cravos perfurar-Lhe os pulsos e os pés. Tentemos imaginar a dor lancinante que isso provocava. Lá, na dor física mais aguda da Paixão, Cristo pede perdão para quem O está perfurando. Naqueles momentos, nós quereríamos apenas gritar toda a nossa raiva e sofrimento; Jesus, ao contrário, diz: Perdoa-lhes, Pai. Diversamente de outros mártires referidos na Bíblia (cf. 2Mac 7,18-19), não repreende os algozes nem ameaça castigos em nome de Deus, mas reza pelos ímpios. Cravado no patíbulo da humilhação, aumenta a intensidade do dom, que se torna “perdão” [em italiano, “per-dono”, enfatizando a palavra “dono”, dom].

Irmãos, irmãs! Pensemos que Deus procede assim também conosco: quando Lhe provocamos dor com as nossas ações, Ele sofre e o único desejo que tem é poder perdoar-nos. Para nos darmos conta disto, contemplemos o Crucificado. É das suas chagas, daqueles orifícios de dor causados pelos nossos cravos que brota o perdão. Fixemos Jesus na cruz e pensemos que nunca recebemos palavras melhores: Perdoa-lhes, Pai. Fixemos Jesus na cruz e vejamos que nunca recebemos um olhar mais terno e compassivo. Fixemos Jesus na cruz e convençamo-nos de que nunca recebemos um abraço mais amoroso. Fixemos o Crucificado e digamos: «Obrigado, Jesus! Amas-me e perdoas-me sempre, mesmo quando me custa amar e perdoar a mim mesmo».

Lá, enquanto é crucificado, no momento mais difícil, Jesus vive o seu mandamento mais difícil: o amor aos inimigos. Pensemos em alguém que nos feriu, ofendeu, decepcionou; em alguém que nos irritou, não nos compreendeu ou não foi um bom exemplo. Quanto tempo demoramos pensando em quem nos fez mal! Como também olhando para nós mesmos e lamuriando pelas feridas que nos infligiram os outros, a vida ou a história. Hoje Jesus ensina-nos a não perdermos nisso, mas a reagir, a romper o círculo vicioso do mal e dos queixumes, a reagir aos cravos da vida com o amor, aos golpes do ódio com a carícia do perdão. Mas nós, discípulos de Jesus, seguimos o Mestre ou o nosso instinto rancoroso? É uma pergunta que devemos colocar a nós mesmos: seguimos o Mestre ou o nosso instinto rancoroso? Se queremos verificar a nossa pertença a Cristo, vejamos como nos comportamos com quem nos feriu. O Senhor pede-nos para responder, não como nos apetece, nem como fazem todos, mas como Ele procede conosco. Pede-nos para quebrar a corrente do «amo-te se me amares; sou teu amigo, se fores meu amigo; ajudo-te se me ajudares». Assim não! Em vez disso, compaixão e misericórdia para com todos, porque Deus vê um filho em cada um. Não nos divide em bons e maus, em amigos e inimigos. Somos nós que o fazemos, fazendo-O sofrer. Para Ele, todos somos filhos amados, que deseja abraçar e perdoar. Vemos isto também naquele convite para o banquete de núpcias do filho: aquele senhor envia os seus servos à encruzilhada dos caminhos, dizendo-lhes «tragam todos, brancos, pretos, bons e maus, todos, sãos e doentes, todos...» (cf. Mt 22,9-10). O amor de Jesus é para todos; nisto, não há privilégios. Todos. O privilégio de cada um de nós é ser amado, perdoado.

Perdoa-lhes, Pai, porque não sabem o que fazem. O Evangelho sublinha que Jesus «dizia» isso (Lc 23,34), isto é, não o dissera uma vez por todas no momento da crucificação, mas passou as horas na cruz com estas palavras nos lábios e no coração. Deus não Se cansa de perdoar. Devemos compreender isto... e não só com a mente, mas compreendê-lo com o coração: Deus não Se cansa de perdoar, somos nós que nos cansamos de pedir- Lhe perdão, mas Ele nunca Se cansa de perdoar. Ele não suporta até certo ponto para depois mudar de ideia, como nós somos tentados a fazer. Jesus - ensina o Evangelho de Lucas - veio ao mundo para nos trazer o perdão dos nossos pecados (cf. Lc 1,77) e, no fim, deixou-nos esta ordem concreta: pregar a todos, no seu nome, o perdão dos pecados (cf. Lc 24,47). Irmãos e irmãs, não nos cansemos do perdão de Deus: nós, sacerdotes, de ministrá-lo; e, cada cristão, de recebê-lo e testemunhá-lo. Não nos cansemos do perdão de Deus.

Perdoa-lhes, Pai, porque não sabem o que fazem. Notemos mais uma coisa. Jesus não só implora o perdão, mas diz também o motivo: perdoa-lhes, porque não sabem o que fazem. Como é possível? Os seus opositores tinham premeditado a sua morte, organizado a sua captura, os julgamentos e agora estão lá, no Calvário, para assistir ao seu fim... e, todavia, Cristo justifica aqueles violentos, porque não sabem. É assim que Jesus Se comporta conosco: faz-Se nosso advogado. Não Se coloca contra nós, mas por nós contra o nosso pecado. E é interessante o argumento que usa: porque não sabem, ou seja, aquela ignorância do coração que temos todos nós pecadores. Quando se usa violência, nada mais se sabe sobre Deus, que é Pai, nem sobre os outros, que são irmãos. Esquece-se a razão por que se está no mundo e chega-se a realizar absurdas crueldades. Vemo-lo na loucura da guerra, onde se torna a crucificar Cristo. Sim, Cristo é pregado na cruz mais uma vez nas mães que choram a morte injusta de maridos e filhos. É crucificado nos refugiados que fogem das bombas com os meninos no braço. É crucificado nos idosos deixados sozinhos a morrer, nos jovens privados de futuro, nos soldados mandados a matar os seus irmãos. Hoje, Cristo está crucificado aí.

Perdoa-lhes, Pai, porque não sabem o que fazem. Muitos ouvem esta frase incrível; mas apenas um a acolhe. É um malfeitor, crucificado ao lado de Jesus. Podemos pensar que a misericórdia de Cristo suscitou nele uma última esperança e o levou a pronunciar estas palavras: «Jesus, lembra-te de mim» (Lc 23,42), como se dissesse: «Todos se esqueceram de mim, mas Tu pensas até naqueles que Te crucificam. Então poderia haver também para mim um lugar contigo?» O bom ladrão acolhe Deus, quando a vida dele está prestes a terminar e, assim, a sua vida recomeça; no inferno do mundo, vê abrir-se o Paraíso: «Hoje estarás comigo no Paraíso» (v. 43). Eis o prodígio do perdão de Deus, que transforma o último pedido dum condenado à morte na primeira canonização da história.

Irmãos, irmãs, nesta semana abramo-nos à certeza de que Deus pode perdoar todo o pecado. Deus tudo perdoa; pode perdoar todo o afastamento, transformar todo lamento em dança (cf. Sl 30,12); a certeza de que, com Cristo, há sempre lugar para cada um; a certeza de que, com Jesus, a vida nunca acaba. Nunca é tarde demais; com Deus, sempre se pode voltar a viver. Coragem! Caminhemos para a Páscoa com o seu perdão. Porque Cristo intercede continuamente por nós junto do Pai (cf. Hb 7,25) e, olhando para o nosso mundo violento, o nosso mundo ferido, não Se cansa de repetir - e em silêncio, no coração, repitamos com Ele -: Perdoa-lhes, Pai, porque não sabem o que fazem.


Fonte: Santa Sé.

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