sábado, 11 de abril de 2020

Homilia: Vigília Pascal

Santo Agostinho
Sermão 221
 No céu a vida não é outra coisa senão estar em vigília

Esta noite corresponde, como é de nosso conhecimento, ao dia seguinte que consideramos como “o dia do Senhor”. Certamente Ele devia ressuscitar nas horas da noite, porque com sua ressurreição iluminou também as nossas trevas. Não foi em vão que se cantou para Ele com tanta antecipação: Tu iluminarás minha lâmpada, Senhor; meu Deus, tu iluminarás minhas trevas.
Nossa devoção presta honra a tão grande mistério, para que, como nossa fé, corroborada por sua ressurreição, já está desperta, assim também esta noite, iluminada por nossa vigília, de destaque por seu resplendor, para que possamos pensar com dignidade, junto com a Igreja estendida por todo o orbe da terra, em não ser encontrados submersos na noite. Para tantos e tantos povos que sob o nome de Cristo congrega por toda a parte esta célebre solenidade, o sol se pôs, porém sem deixar de ser de dia, pois a luz da terra assumiu o relevo da luz do céu.
Contudo, se alguém busca o porquê da importância de nossa vigília, pode achar as causas adequadas e responder com confiança: o mesmo que nos concedeu a glória de seu nome, o mesmo que ilumina esta noite e a quem dizemos: Tu iluminarás as minhas trevas, concede a luz aos nossos corações, para que do mesmo modo que, com deleite para os olhos vemos o esplendor desta luz, assim vejamos também, iluminada a mente, o motivo do resplendor desta noite.
Portanto, por que se mantêm em vigília os cristãos nesta festa anual? Esta é nossa vigília por excelência, e nosso pensamento não costuma voar para nenhuma outra solenidade distinta desta quando, movidos pelo desejo, perguntamos ou dizemos: “Quando será a vigília?” Dentro de tantos dias, se responde, como se, em comparação com ela, as demais não fossem vigílias.
Certamente, o Apóstolo exortou a Igreja a ser assídua não somente nos jejuns, mas também nas vigílias. Falando de si mesmo, diz: frequentemente em jejuns, frequentemente em vigílias. Mas a vigília desta noite destaca tanto que pode reivindicar como próprio o nome que é comum a todas as demais. Assim, direi algo, aquilo que o Senhor me conceda, primeiro da vigília em geral e em seguida da vigília particular de hoje.
Naquela vida pela qual todos trabalhamos almejando descanso, vida que nos promete a verdade para depois da morte deste corpo ou também para o final deste mundo, na ressurreição, nunca precisamos dormir, como também nunca morreremos. O que é o sono senão uma morte cotidiana que nem tira o homem totalmente desta vida, nem o retém por longo tempo? E o que é a morte a não ser um sono longo e muito profundo, do qual o homem é despertado por Deus? Portanto, aonde nenhuma morte chega, tampouco chega o sono, sua imagem. Somente os mortais experimentam o sono.
Não é deste tipo o descanso dos anjos: eles, dado que vivem perpetuamente, nunca restauram sua saúde com o sono. Como ali está a própria vida, ali existe a vigília sem fim. Ali a vida não é outra coisa a não ser estar em vigília, e estar em vigília não é outra coisa que viver.
Nós, por outro lado, enquanto estamos neste corpo que se corrompe e humilha a alma, visto que não podemos viver se não reparamos as forças com o sono, interrompemos a vida com a imagem da morte para poder viver, ao menos, em intervalos. Portanto, quem acorre assiduamente às vigílias com coração casto e puro, sem dúvida nenhuma pratica a vida dos anjos - na medida em que a debilidade desta carne está sujeita ao peso terreno, os desejos celestiais se encontram sufocados -, exercitando a carne, mediante uma vigília mais longa, contra a massa causante da morte para adquirir-lhe méritos para a vida eterna.
Não está de acordo consigo mesmo quem deseja viver para sempre e não quer aumentar suas vigílias; quer que desapareça totalmente a morte e não quer que sua imagem diminua. Esta é a causa, este é o motivo pelo qual o cristão tem que exercitar sua mente nas vigílias com maior frequência.


Fonte: Lecionário Patrístico Dominical, pp. 84-85. Para adquiri-lo no site da Editora Vozes, clique aqui.

Confira também uma homilia de um autor desconhecido para esta celebração clicando aqui.

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