São Cipriano de Cartago
Carta 63
Os sacramentos vitais
Sempre que nas
Escrituras se menciona somente a água, se proclama o Batismo, como o vemos
significado em Isaías: Não recordeis,
diz, os tempos antigos. Vede que realizo
algo novo; já está brotando, não percebeis? Abrirei um caminho pelo deserto,
rios no ermo; para apagar a sede de meu povo, de meu escolhido, o povo que eu
formei para que proclamasse as minhas maravilhas. Nesta passagem Deus
preanuncia por meio do profeta que entre os pagãos, em lugares anteriormente
áridos, nasceriam rios torrenciais e apagaria a sede de seu povo escolhido,
isto é, dos filhos que nasceriam para Deus pela geração do Batismo.
Novamente se
prediz e se preanuncia que se os judeus tivessem sede e buscassem a Cristo, se
saciariam conosco, ou seja, conseguiriam a graça do Batismo. Se tivessem, diz, sede no deserto, os conduzirá às águas, fará brotar água da rocha,
fenderá a rocha e manará água e meu povo beberá. O qual tem seu pleno
cumprimento no Evangelho, quando Cristo, que é a rocha, fende-se a golpe de
lança na Paixão. Ele mesmo, referindo-se ao que muito antes havia predito o
profeta, proclama dizendo: O que tenha
sede, que venha a mim; o que crê em mim, beba. Como disse a Escritura: De suas entranhas manarão rios de água viva.
E para que ficasse mais claro ainda que aqui o Senhor não fala do cálice, mas
do Batismo, acrescenta a Escritura: Dizia
isto referindo-se ao Espírito que haveriam de receber os que cressem nele.
Pelo Batismo se
recebe o Espírito Santo e, uma vez batizados e recebido o Espírito Santo, são
admitidos a beber do cálice do Senhor. Que ninguém estranhe que, ao falar do
Batismo, a Escritura divina diga que temos sede e que bebemos, visto que o
próprio Senhor declara no Evangelho: Bem-aventurados
os que têm fome e sede de justiça, pois o que se recebe com avidez e
ansiedade se toma com maior plenitude e abundância. Além do mais, na Igreja
sempre se tem sede e sempre se bebe o cálice do Senhor.
Não são
necessários muitos argumentos para demonstrar que, sob o apelativo de água,
designa-se sempre o Batismo e que assim devemos entendê-lo, pois que o Senhor
ao vir ao mundo nos revelou a verdade do Batismo e do cálice. O que mandou dar
aos crentes, no Batismo, a água da fé, a água da vida eterna, nos ensinou com o
exemplo de seu magistério que o cálice deve estar integrado de uma mistura de
vinho e água. Pois, à véspera de sua Paixão, tomou o cálice, o abençoou e o deu
aos seus discípulos, dizendo: Bebei todos
vós, porque este é o sangue da aliança derramado por muitos para o perdão dos
pecados. E vos digo que não beberei mais do fruto da vide até o dia em que
beberei convosco o vinho novo no reino de meu Pai.
Deste texto se
deduz que o cálice que o Senhor ofereceu era um cálice misturado, e o que ele
chama sangue era vinho. É evidente, portanto, que não se oferece o sangue de
Cristo se falta vinho no cálice; nem ocorre celebração santa e legítima do
divino sacrifício se nossa oferenda e nosso sacrifício não estão em sintonia
com a Paixão do Senhor. E como poderíamos beber com Cristo no reino do Pai do
novo fruto da vide, se no sacrifício de Deus Pai e de Cristo não oferecemos
vinho, nem mesclamos o cálice do Senhor, de acordo com a tradição que Ele nos
legou?
Fonte: Lecionário Patrístico Dominical, pp. 103-105. Para adquiri-lo no site da Editora Vozes, clique aqui.
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