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sexta-feira, 14 de setembro de 2012

A história da Festa da Exaltação da Santa Cruz

“Nós vos adoramos, Senhor Jesus Cristo, e vos bendizemos, porque pela vossa Santa Cruz remistes o mundo”.

Com este versículo, recitado tantas vezes nos ofícios em honra da Paixão do Senhor, damos início a um breve percurso pela história da Festa da Exaltação da Santa Cruz, celebrada pelas Igrejas do Oriente e do Ocidente no dia 14 de setembro.

A Cruz, “árvore da vida”
(Mosaico da Basílica de São Clemente, Roma)

1. As origens da Festa em Jerusalém

A Exaltação da Santa Cruz é uma festa sui generis dentro do Ano Litúrgico, uma vez que não é a celebração de um evento ocorrido durante a vida terrena de Jesus, mas sim um acontecimento que teve lugar no século IV da Era Cristã: a dedicação da Basílica do Santo Sepulcro em Jerusalém.

Embora a obra da nossa redenção, “chegada a plenitude dos tempos” (Gl 4,4), tenha sido realizada “principalmente” (praecipue) pelo Mistério Pascal da Morte-Ressurreição de Cristo (cf. Sacrosanctum Concilium, n. 05), a história da salvação continua até a sua última vinda (ibid., n. 102). Portanto, a dedicação da Basílica do Santo Sepulcro está perfeitamente integrada na história da salvação.

Vale lembrar que já no Antigo Testamento se celebrava o aniversário da dedicação do Templo na Festa de Hanukkah (“dedicação” em hebraico; cf. 1Mc 4,52-59; Jo 10,22). No Rito Romano celebramos o aniversário da dedicação das quatro Basílicas Maiores e da Catedral da diocese [1]. Não se trata, porém, de uma mera recordação da construção de um edifício, mas sim da atualização da aliança nupcial entre Deus e o seu povo, templo edificado com pedras vivas (cf. Ef 2,19-22; 1Cor 3,16-17; 1Pd 2,5).

Para saber mais, confira nossa postagem sobre “Por que celebramos a Dedicação da Basílica do Latrão?”.

Com a publicação do Edito de Milão pelo Imperador Constantino (†337) no ano de 313, proibindo as perseguições aos cristãos, começam a ser construídas as primeiras basílicas na Terra Santa, sob o patrocínio da sua mãe, Santa Helena (†330), que visitou a Cidade Santa entre os anos de 326 e 328.

A dedicação da Basílica do Santo Sepulcro teve lugar no dia 13 de setembro de 335. A peregrina Etéria (ou Egéria), que visitou Jerusalém em meados do século IV, testemunha a celebração do aniversário da dedicação, a “Festa das Encênias” (termo grego para “dedicação”, τὰ ἐγκαίνια):

“Os dias chamados da dedicação (Encênias) são aqueles em que a santa igreja que está no Gólgota, à que chamam Martyrium, foi consagrada a Deus; e também a santa igreja situada na Anástasis, isto é, naquele lugar onde o Senhor ressuscitou após a Paixão, e que foi consagrada a Deus nesse mesmo dia. As Encênias destas santas igrejas celebram-se, pois, com uma grande solenidade (...). Nestes dias das Encênias, a decoração de todas as igrejas é idêntica à da Páscoa e da Epifania” [2].

Com efeito, a primitiva Basílica era formada por duas igrejas: a igreja maior, em honra da Paixão do Senhor (Martyrium), e a igreja menor, de forma redonda, em honra da Ressurreição (Anástasis). Ambas eram separadas por um pequeno pátio (ante Crucem), no qual se encontrava parte da rocha do Calvário.

A Basílica do Santo Sepulcro no século IV:
À direita o Martyrium, no centro o pátio e à esquerda a Anástasis

A Basílica sofreria com sucessivos ataques e desastres naturais nos séculos seguintes, até ser restaurada na época das Cruzadas, unificando o “Calvário” e o “Sepulcro” no mesmo templo, dedicado em 15 de julho de 1149. Para saber mais sobre a Basílica do Santo Sepulcro, clique aqui.

Não obstante, conserva-se no Rito Romano a memória da dedicação no dia 13 de setembro entre as “comemorações” do Martirológio Romano para esse dia: “Em Jerusalém, a dedicação das Basílicas que o imperador Constantino quis piedosamente edificar sobre o monte Calvário e sobre o sepulcro do Senhor” [3].

Embora Etéria não mencione em seu Itinerarium, logo surgiu o costume de apresentar à veneração dos fiéis as relíquias da Cruz no dia seguinte, 14 de setembro. Daí o nome grego da festa, Ὕψωσις τοῦ Τιμίου Σταυροῦ, “Elevação” da Santa Cruz (cf. Jo 3,14; 12,32).

A peregrina atesta a veneração das relíquias da Cruz na Sexta-feira Santa (nn. 36-37) e acrescenta, em relação às Encênias: “(...) a Cruz do Senhor foi encontrada nesse mesmo dia. Por essa razão se determinou que o dia da consagração das sobreditas santas igrejas fosse o dia da invenção da Cruz do Senhor, a fim de se celebrarem no mesmo dia com grande solenidade todas as festas” [4].

Segundo a tradição, com efeito, durante as escavações para a edificação da Basílica, sob a supervisão do Bispo São Macário de Jerusalém (†335), teriam sido encontradas as relíquias da Verdadeira Cruz do Senhor.

A “invenção da Cruz” (do latim inventio, descoberta) logo foi associada à visita de Santa Helena à Terra Santa. A partir do século V, por sua vez, a descoberta das relíquias foi ganhando cada vez mais elementos lendários, como relatos de curas ao contato com o Lignum Crucis (Lenho da Cruz).

Santa Helena com a Cruz
(Cima da Conegliano)

A devoção às relíquias ganhou novo impulso no século VII: no ano de 614 a Terra Santa foi atacada pelos persas sassânidas, que destruíram várias igrejas e roubaram as relíquias da Santa Cruz. Após uma longa campanha militar, em 628 o Imperador Heráclio de Constantinopla (†641) conseguiu vencer os persas, liderados por Cosroes II (†628), e recuperou as relíquias da Cruz.

De acordo com a lenda, ao devolver as relíquias a Jerusalém, o Imperador foi misteriosamente incapaz de entrar na Basílica do Santo Sepulcro: ele só pôde cruzar o umbral ao depor o manto, a coroa e os sapatos, como gesto de humildade, a exemplo de Cristo.

2. A difusão da “Festa da Cruz” no Oriente

De Jerusalém, a festa do dia 14 de setembro rapidamente espalhou-se entre as demais igrejas orientais. De uma comemoração local da dedicação da igreja do Santo Sepulcro, a festa logo passou a celebrar o mistério da “Venerável e Vivificante Cruz” em sentido mais amplo.

A cruz, com efeito, é o símbolo cristão por excelência. Já o Apóstolo Paulo exorta a “gloriarmo-nos na cruz do Senhor” (Gl 5,18), professando a fé no “Cristo Crucificado, poder e sabedoria de Deus” (1Cor 1,18.23-24) [5].

A “Festa da Cruz” propriamente é, na verdade, o 1º dia do Tríduo Pascal, da tarde da Quinta-feira Santa, com a Missa da Ceia do Senhor, à tarde da Sexta-feira Santa, com a Celebração da Paixão. Contudo, a sobriedade desse dia não nos permite celebrar de maneira festiva a cruz como instrumento da nossa redenção, árvore da vida, altar da nova aliança, sinal do amor de Deus por nós (cf. Jo 3,16; 13,1).

A Exaltação da Santa Cruz logo ganhou destaque nas igrejas que possuíam suas relíquias. Já no século IV, com efeito, como testemunha São Cirilo de Jerusalém (†386), “as partículas (do lenho da Cruz) foram levadas pelos fiéis até os confins da terra” [6].

Ícone bizantino da Exaltação da Santa Cruz
Para conhecer o simbolismo desse ícone, clique aqui

No Rito Bizantino a celebração de 14 de setembro é uma das Doze Grandes Festas, enquanto no Rito Armênio a Exaltação da Cruz (Khachveratz) é uma das cinco grandes festas (Daghavars), celebrada no domingo mais próximo ao dia 14 de setembro [7]. Sobretudo nesses dois ritos logo surgiram também outras festas em honra da Cruz:

a) Aparição da Santa Cruz: 07 de maio

São Cirilo de Jerusalém, em uma Carta ao Imperador Constâncio II (†361), testemunha que no dia 07 de maio de 351 a Cruz apareceu no céu sobre a Cidade Santa, sendo vista desde o Calvário até o Monte das Oliveiras.

O evento traça um paralelo com o “sonho de Constantino”, que teria tido uma visão da Cruz (ou do monograma de Cristo, Chi-Rô) no ano de 312, além de possuir um alcance escatológico: segundo uma interpretação dos Padres da Igreja, a cruz aparecerá no céu no fim dos tempos, como sinal da segunda vinda de Cristo (cf. Mt 24,30).

A festa da “aparição da Cruz” é particularmente solene no Rito Armênio, sendo celebrada no 4º domingo após a Páscoa. No Rito Bizantino destaca-se o kondákion próprio:

“A imagem da Tua Cruz resplandeceu, agora, mais fortemente que o sol. Estendeste-a da Santa Montanha ao local do Calvário, manifestando nela a tua força, ó Salvador e fortalecendo os teus fiéis governantes. Pelas orações da tua puríssima Mãe, conserva-os sempre na paz, ó Cristo Deus, e salva-nos!” [8].

b) Procissão com a Preciosa e Vivificante Cruz: 01 de agosto

Esta é uma festa própria do Rito Bizantino, que surgiu em Constantinopla durante a Idade Média: uma vez que o mês de agosto marca o auge do verão no hemisfério norte, era realizada nos primeiros dias do mês uma procissão com as relíquias da Cruz para pedir ao Senhor a proteção contra doenças e outros males.

Nessa festa se realizam as bênçãos da água - aspergida sobre os fiéis - e do mel, que alguns interpretam como um “contraponto” ao vinagre oferecido ao Senhor no Calvário. Seguem-se à bênção das frutas na Festa da Transfiguração (06 de agosto) e das nozes na Festa do Mandylion de Edessa (16 de agosto).

Heráclio entroniza a Cruz em Jerusalém
(Pierre Subleyras)

c) III Domingo da Grande Quaresma

Na tradição bizantina o III Domingo da Grande Quaresma é dedicado à adoração da “Venerável e Vivificante Cruz”. Alguns estudiosos associam essa celebração à recuperação das relíquias da Cruz por Heráclio em 628, enquanto outros atribuem sua origem a uma transladação de parte dessas relíquias a Constantinopla.

Cumpre dizer que a “adoração” aqui não se refere à cruz enquanto o objeto, mas sim ao Senhor, ao seu Corpo entregue e ao seu Sangue derramado sobre o altar da cruz. O II Concílio de Niceia (787), em sua definição sobre a veneração “da figura da cruz preciosa e vivificante” e dos “santos ícones”, atesta que a honra prestada às imagens se dirige na verdade àquele que nelas é representado [9].

O rito da adoração da cruz, tanto no III Domingo da Quaresma quanto no dia 14 de setembro, tem lugar no final da Divina Liturgia: o sacerdote eleva a cruz em direção aos quatro pontos cardeais, rezando pela Igreja e pela pátria, enquanto os fiéis respondem diversas vezes: “Kyrie, eleison!”. Nesse momento, em alguns lugares, os pés da cruz são ungidos com perfume. Por fim, todos se aproximam para venerar a cruz.

“Ó Cristo Deus, que, voluntariamente, foste elevado na Cruz, tem compaixão do povo que traz o teu nome. Alegra, pelo teu poder, a tua santa Igreja e concede-lhe a vitória sobre o mal. Que tua aliança seja para nós uma arma de paz e um troféu de vitória!”
(Kondákion da Festa da Exaltação da Santa Cruz) [10].

3. As “duas festas da Cruz” no Ocidente

No Ocidente a Festa da Exaltação da Santa Cruz chegou mais tarde, a partir dos séculos VI-VII, quando o Império Bizantino recuperou alguns territórios ocidentais.

Nesse mesmo período, com efeito, é introduzido em Roma o rito da adoração da cruz na Sexta-feira Santa. A “igreja estacional” desse dia era a Basílica de Santa Cruz em Jerusalém (Sanctae Crucis in Hierusalem), sob a qual Santa Helena teria mandado espalhar terra de Jerusalém.

Cruz Vaticana
Doada ao Papa pelo Imperador bizantino Justino II

Inicialmente a festa do dia 14 de setembro encontrou resistência em Roma, pois nesse dia se celebravam os mártires São Cornélio, Papa (†253) e São Cipriano, Bispo (†258), ambos mencionados no Cânon Romano. Sua memória foi posteriormente transferida para o dia 16 de setembro.

A festa seria consolidada no pontificado do Papa São Sérgio I (†701): apesar de ter nascido em Palermo (Itália), sua família era de origem síria. Assim, ao ser eleito Bispo de Roma em 687, Sérgio I popularizou diversas festas orientais: Apresentação do Senhor (02 de fevereiro), Anunciação (25 de março), Dormição (15 de agosto) e Natividade de Maria (08 de setembro).

O Liber Pontificalis (n. 86) testemunha que Sérgio I possuía um fragmento significativo do lenho da cruz em uma caixa de prata (capsam argenteam), que “para a salvação do gênero humano e de todo o povo cristão é beijado e adorado no dia da Exaltação da Santa Cruz na Basílica do Salvador” [11].

As relíquias, com efeito, costumam ser conservadas ou caixas de metal, como se fossem “estojos de remédios” - uma vez que a Cruz é “medicina de salvação” - ou em relicários cruciformes. Ambos denominam-se “estauroteca” (do grego σταυρός, staurós, cruz, e θήκη, théke, caixa).

Quanto à Liturgia do dia 14 de setembro, o Ordo Romanus XII, atribuído ao Cardeal Cencio Savelli, futuro Papa Honório III (†1227), atesta que na manhã desse dia o Papa se dirigia com os Cardeais ao oratório de São Lourenço in Palatio, junto à Basílica do Latrão, que era a capela privada e onde se conservavam várias relíquias importantes. Para saber mais sobre esse oratório, onde se conserva a imagem acheropita do Salvador, clique aqui.

Ao canto do Te Deum, o Papa tomava a relíquia da Cruz e a conduzia em procissão ao vizinho oratório de São Silvestre in Palatio. Ali todos veneravam a relíquia, enquanto a schola cantorum entoava hinos e antífonas. Próximo às 9h (hora terça), por fim, o Papa presidia a Missa na Basílica do Latrão.

Estauroteca do século IX
Em formato de “estojo de remédio”

Enquanto Roma acolhia a festa bizantina de 14 de setembro, nas regiões sob a influência do Rito Franco-Galicano (sobretudo na atual França) surgia uma festa em honra da Cruz no dia 03 de maio.

Não está clara a razão para a escolha dessa data, que coincide sempre com o Tempo Pascal: essa poderia remeter a alguma transladação de relíquias da Cruz ou simplesmente ao auge da primavera no hemisfério norte, destacando o caráter da Cruz como “árvore da vida”.

A partir do século IX, porém, as duas tradições influenciam-se mutuamente e ambas festas passam a ser celebradas, embora com distintas ênfases:
- 03 de maio: Inventione Sanctae Crucis (“Invenção” ou “Descoberta” da Santa Cruz), destacando a descoberta das relíquias por Santa Helena;
- 14 de setembro: Exaltatione Sanctae Crucis (Exaltação da Santa Cruz), enfatizando a recuperação das relíquias pelo Imperador Heráclio.

Essa dupla celebração foi popularizada pela Legenda Aurea de Jacopo de Varazze (†1298), que narra as diversas lendas em torno às duas festas [12]. Essas lendas seriam retratadas, por exemplo, no ciclo de afrescos das “Histórias da Verdadeira Cruz” (Storie della Vera Croce) realizados por Piero della Francesca (†1492) entre 1452 e 1466 na Basílica de São Francisco em Arezzo (Itália).

Vale recordar que a partir dos séculos XII e XIII, no contexto das peregrinações à Terra Santa durante as Cruzadas, as ordens religiosas fomentaram a devoção à Paixão do Senhor como reação à heresia dos cátaros, que negavam o valor salvífico da Morte de Cristo. Além disso, os religiosos dedicados ao cuidado dos enfermos recordavam-lhes que o Senhor “sobre a cruz, carregou nossos pecados em seu próprio corpo” e que “por suas feridas fomos curados” (cf. 1Pd 2,21-24; Is 53,4-6).

Assim, desenvolvem-se nesse período, por exemplo, as devoções a Cristo como o “Homem das Dores” (Vir Dolorum), às suas Santas Chagas e aos instrumentos da Paixão (Arma Christi). Surge também o costume de celebrar às sextas-feiras a Missa votiva da Santa Cruz (Missa de Sancta Cruce).

Capela Maior da Basílica de São Francisco em Arezzo:
Com as “histórias da Cruz” de Piero della Francesca

4. A Festa da Exaltação da Santa Cruz hoje

Festa da Exaltação da Santa Cruz, que, no dia seguinte à dedicação da Basílica da Ressurreição, erigida sobre o sepulcro de Cristo, é exaltada e honrada como o troféu da sua vitória pascal e sinal que há de aparecer no céu para anunciar a todos a segunda vinda do Senhor” [13].

Com essas palavras o Martirológio Romano comemora a Festa da Exaltação da Santa Cruz. A reforma litúrgica do Concílio Vaticano II, com efeito, conservou a celebração do dia 14 de setembro, em comunhão com as Igrejas Orientais, suprimindo aquela do dia 03 de maio.

Como indica Mario Righetti (†1975) em sua Historia de la Liturgia, já em 1741, durante o pontificado de Bento XIV (†1758), houve a proposta de suprimir a festa da “Inventione”, uma duplicação da festa mais antiga da “Exaltatione Sanctae Crucis”.

Essa proposta, porém, seria levada a cabo por São João XXIII (†1963), que suprimiu a festa do dia 03 de maio do Calendário Romano Geral, permitindo que fosse celebrada apenas nos lugares onde estivesse fortemente arraigada (pro aliquibus locis).

As festas da “Cruz de Mayo”, com efeito, estão muito estendidas na Espanha e em alguns países da América Latina. Uma vez que a data coincide com o auge da primavera no hemisfério norte, as cruzes são enfeitadas com muitas flores, aludindo ao simbolismo da “árvore da vida”.

Na Basílica do Santo Sepulcro, por sua vez, conservou-se a Festa da Invenção da Santa Cruz, porém transferida para o dia 07 de maio, uma vez que o dia 03 de maio passou a acolher a Festa de São Filipe e São Tiago, Apóstolos.

Cruz totalmente coberta por flores
(Cruz de Mayo - Córdoba, Espanha)

Quanto ao dia 14 de setembro, vale destacar sua relação com outras duas celebrações:

- Memória de Nossa Senhora das Dores: inicialmente uma celebração própria da Ordem dos Servos de Maria (servitas), foi instituída pelo Papa Pio VII (†1823) no 3º domingo de setembro. O Papa São Pio X (†1914), buscando recuperar a centralidade do domingo, a transferiu para o dia 15 de setembro.

- Têmporas de outono (no hemisfério norte): ao menos desde o tempo do Papa São Gregório VII (†1085) celebram-se as Têmporas de outono na semana seguinte à Festa da Exaltação da Santa Cruz.

Para a Missa da Exaltação da Santa Cruz a reforma litúrgica adaptou algumas orações do anterior Missale Romanum (1962), particularmente da Missa votiva. Os textos escolhidos destacam sobretudo o caráter salvífico da Cruz.

Conservou-se também o antigo Prefácio (Praefatio de Sancta Cruce), renomeado como De victoria crucis gloriosae (“A vitória da cruz gloriosa”), traçando o paralelo entre Cristo e Adão, entre a árvore do paraíso e a “árvore da cruz”:

“Pusestes no lenho da cruz a salvação da humanidade, para que a vida ressurgisse de onde a morte viera. E o que vencera na árvore do paraíso, na árvore da cruz fosse vencido” [14].

O Missal Romano conservou ainda a Missa votiva da Santa Cruz, que pode ser celebrada nos dias que são permitidas tais Missas (não necessariamente na sexta-feira), com as mesmas orações do dia 14 de setembro e com mais opções de leituras.

Cristo Crucificado na “árvore da vida” junto a Adão e Eva
(Edward Burne-Jones)

Quanto à Liturgia da Palavra, com efeito, anteriormente proclamavam-se Fl 2,5-11 e Jo 12,31-36, retomando Fl 2,8-9 como “salmo” (“Christus factus est pro nobis...”). Atualmente são propostas duas opções de leitura à escolha, além do salmo e do Evangelho: Nm 21,4b-9 ou Fl 2,6-11 (com a infeliz omissão do v. 5); Sl 77,1-2.34-38 (R: 7c); Jo 3,13-17.

Quando, porém, o dia 14 de setembro cai em um domingo (como em 2014 e em 2025), são proclamadas as duas leituras na Missa. Com efeito, sendo uma Festa do Senhor, a Exaltação da Santa Cruz tem precedência sobre os domingos do Tempo Comum: assim, quando cai nesse dia, é celebrada como se fosse uma Solenidade.

Em relação à Liturgia das Horas, destacam-se os três hinos próprios:
Ofício das Leituras: Salve, crux sancta (Salve, salve Cruz santa);
Laudes: Signum crucis mirabile (Por toda a terra fulgura);
Vésperas: Vexilla Regis prodeunt (Do Rei avança o estandarte).

O hino do Ofício foi composto por Santo Heriberto de Colônia (†1021); o das Laudes é uma composição anônima realizada em torno ao século X; o hino das Vésperas, por fim, é o celebre poema de São Venâncio Fortunato (†600-610), que também é entoado na Semana Santa, junto com Pange, lingua, gloriósi proelium certáminis (Cantem meus lábios a luta), também conhecido como Crux fidelis (Fiel madeiro).

Dentre as composições poéticas em honra da Cruz, destacamos também a sequência Laudes crucis attollamus, atribuída ao monge francês Adão de São Vítor (†1146), que era entoada nas duas festas da cruz.

Por fim, em relação à reforma litúrgica, vale destacar o novo e sugestivo rito da bênção de uma nova cruz exposta à veneração pública (Ritual de Bênçãos, nn. 960-983). Em sua riqueza, porém, este merece uma postagem própria.

Glória da Cruz (Adam Elsheimer)

Assim, à guisa de conclusão, recordamos a contribuição do Diretório sobre Piedade Popular e Liturgia, promulgado pela Congregação para o Culto Divino no final de 2001. Este elenca a veneração da Cruz entre as práticas devocionais para o Tempo da Quaresma, enquanto “antecipação” da Sexta-feira Santa (nn. 127-129). Porém adverte:

“A piedade para com a Cruz tem muitas vezes necessidade de ser iluminada. Isto é, deve-se mostrar aos fiéis a essencial referência da Cruz ao evento da Ressurreição: a Cruz e o túmulo vazio, a Morte e a Ressurreição de Cristo são inseparáveis na narrativa evangélica e no projeto salvífico de Deus” [15].

“Adoramos, Senhor, vosso madeiro; vossa Ressurreição nós celebramos.
Veio alegria para o mundo inteiro por esta Cruz que hoje veneramos”
(1ª antífona para a adoração da Cruz na Sexta-feira Santa; Missal Romano, p. 261).

Notas:

[1] Basílica do Latrão: 09 de novembro; Basílicas de São Pedro e São Paulo: 18 de novembro; Basílica de Santa Maria Maior: 05 de agosto. Confira também a postagem introdutória: Por que celebramos a Dedicação da Basílica do Latrão?

[2] ETÉRIA. Peregrinação ou Diário de Viagem (Itinerarium ad loca sancta), nn, 48-49; in: CORDEIRO, José de Leão [org.]. Antologia Litúrgica: Textos litúrgicos, patrísticos e canónicos do primeiro milénio. Fátima: Secretariado Nacional de Liturgia, 2003, pp. 464-465.


[4] ETÉRIA, Itinerarium, n. 48; in: CORDEIRO, op. cit., p. 464.

[5] Sobre o simbolismo da cruz, cf. HEINZ-MOHR, Gerd. Dicionário dos Símbolos: Imagens e sinais da arte cristã. São Paulo: Paulus, 1994, pp. 123-127.

[6] CIRILO DE JERUSALÉM. Catequese X, 19. in: Catequeses pré-batismais. Petrópolis: Vozes, 2022, p. 213. cf. também: Catequese XIII, 4 (pp. 268-289).

[7] Vale lembrar, porém, que a maioria das Igrejas Orientais (tanto Católicas quanto Ortodoxas) utiliza o calendário juliano, com 13 dias de diferença em relação ao gregoriano. Assim, 14 de setembro no calendário juliano corresponde ao dia 27 de setembro no gregoriano.

[8] SPERANDIO, João Manoel; TAMANINI, Paulo Augusto [org.]. Pequeno Menologion: Calendário Bizantino. Teresina: Editora da Universidade Federal do Piauí, 2015, p. 113.

[9] cf. DENZINGER, Heinrich. Compêndio dos símbolos, definições e declarações de fé e moral. São Paulo: Paulinas; Loyola, 2007, pp. 218-219 [nn. 600-603].
Confira também o Catecismo da Igreja Católica, nn. 2129-2132.

[10] SPERANDIO; João Manoel; TAMANINI, Paulo Augusto [org.]. Liturgikon: Próprio das Festas no Rito Bizantino. Teresina: Editora da Universidade Federal do Piauí, 2015, p. 08.

[11] “Qui pro salute humani generis ab omni populo christiano, die Exaltationis sanctae Crucis, in basilicam Salvatoris osculatur ac adoratur” (Liber Pontificalis, n. 86. in: Fonti Storiche: Papa Sergio I).

[12] DE VARAZZE, Jacopo. Legenda Aurea: Vidas de Santos. São Paulo: Companhia das Letras, 2003, pp. 413-422 (Descoberta da Santa Cruz); pp. 767-773 (Exaltação da Santa Cruz).


[14] cf. MISSAL ROMANO. Tradução portuguesa da 2ª edição típica para o Brasil. São Paulo: Paulus, 1991, pp. 656-657. A tradução oficial para o português do Brasil omite o adjetivo “gloriosa” no título do Prefácio.

[15] CONGREGAÇÃO PARA O CULTO DIVINO E A DISCIPLINA DOS SACRAMENTOS. Diretório sobre Piedade Popular e Liturgia: Princípios e orientações. São Paulo: Paulinas, 2003, pp. 114-116.

Referências:

ADAM, Adolf. O Ano Litúrgico: Sua história e seu significado segundo a renovação litúrgica. São Paulo: Loyola, 2019, pp. 133-134.

DONADEO, Madre Maria. O Ano Litúrgico Bizantino. São Paulo: Ave Maria, 1998, pp. 38-41.90-91.

RIGHETTI, Mario. Historia de la Liturgia, vol. I: Introducción general; El año litúrgico; El Breviario. Madrid: BAC, 1955, pp. 877-882.

SCHUSTER, Cardeal Alfredo Ildefonso. Liber Sacramentorum: Note storiche e liturgiche sul Messale Romano; vol. VII: I Santi nel Mistero della Redenzione (Le Feste dei Santi dalla Quaresima all'ottava dei Principi degli Apostoli). Torino-Roma: Marietti, 1930, pp. 150-153 (para a Festa do dia 03 de maio).

idem. Liber Sacramentorum: vol. VIII (Le Feste dei Santi dall'ottava dei Principi degli Apostoli alla Dedicazione di S. Michele). Torino-Roma: Marietti, 1932, pp. 247-250 (para a Festa do dia 14 de setembro).

Confira também:

Postagem publicada originalmente em 14 de setembro de 2012. Revista e ampliada em 10 de setembro de 2022.

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